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Cardiologia19 setembro 2025

SBC 2025: Diretriz brasileira de dor torácica na emergência

A nova diretriz foi publicada no congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Por Juliana Avelar

Foi publicada no primeiro dia do Congresso Brasileiro de Cardiologia uma diretriz sobre dor torácica na emergência (a última diretriz brasileira sobre o assunto era de 2021).  

Benefícios da angiotomografia de coronárias em pacientes com dor torácica estável 

Vamos conferir os principais pontos? 

Para iniciar: quando devemos abrir o protocolo de dor torácica?

A diretriz traz duas indicações principais: Qualquer dor ATUAL (vigente na admissão) entre a cicatriz umbilical e a mandíbula e qualquer dor torácica que tenha durado mais de 10 minutos (mesmo que ausente na admissão). Pode-se considerar também em casos de paciente assintomático na admissão, mas que apresenta queixa de desconforto epigástrico ou dor em braços ou mandíbula prévio e nos casos de possíveis equivalentes isquêmicos, como dispneia e diaforese, já que 10-30% dos casos de síndrome coronariana aguda não se apresentam como dor torácica. 

Após abertura do protocolo, o ECG deve ser realizado e avaliado por um médico em até 10 minutos.  

A diretriz destaca que, embora o ECG seja um exame de grande importância no diagnóstico e tratamento da SCA, um único ECG de 12 derivações realizado no atendimento inicial do paciente apresenta baixa sensibilidade, podendo detectar menos de 50% dos IAMs. Eletrocardiogramas seriados podem trazer informações relevantes e aumentar de maneira significativa a sensibilidade para até 70 a 90%.

Ponto de destaque: a diretriz incorporou os padrões de ECG sugestivos de oclusão coronariana aguda além do famoso supradesnivelamento de ST. São eles:

Infarto “posterior” (ínfero-lateral)

Critérios a serem avaliados em V1-V3 (habitualmente há um ou mais dos critérios): Depressão do segmento ST, onda R dominante (ou pelo menos maior que o habitual), onda T positiva (terminal) nas derivações anteriores, onda R proeminente e ampla (> 30 ms). Confirmado por: Elevação do segmento ST de ≥ 0,5 mm em pelo menos 1 das derivações V7-V9  

De Winter

Ondas T altas, proeminentes e simétricas precedidas de depressão ascendente do segmento ST > 1 mm no ponto J nas derivações precordiais +  Elevação do segmento ST de 0,5-1 mm em aVR. 

Ondas T hiperagudas

Ondas T amplas, simétricas e pontiagudas. 

Padrão de Aslanger

 Elevação do segmento ST em DIII, mas não nas demais derivações inferiores (pode haver elevação de ST em aVR, além de DIII) + depressão do segmento ST em qualquer das derivações entre V4 e V6 com onda T (pelo menos na sua fase terminal) positiva e elevação do segmento ST em V1 mais alta que em V2. 

Distorção terminal do QRS

Ausência de uma onda S abaixo da linha isoelétrica e ausência de onda J nas derivações V2 e/ou V3.

Destaque também para alguns padrões de ECG que podem denotar obstrução crítica: 

a) Síndrome coronariana aguda sem elevação persistente de ST, porém com critérios de maior risco ao ECG (obstrução de tronco de coronária esquerda ou multiarterial): 

  • Elevação do segmento ST em aVR e/ou V1 (sem elevação contígua, mas com depressão do segmento ST em 6 ou mais derivações.

b) Síndrome coronariana aguda sem elevação persistente de ST, porém com critérios de maior risco ao ECG (obstrução crítica em descendente anterior proximal): 

  • Síndrome de Wellens: Ondas T bifásicas (tipo A – 25% dos casos) ou profundamente invertidas e simétricas (tipo B – 75% dos casos) nas derivações V2 e V3 (podem se estender de V1 até V6). Ocorre em contexto de angina recente (as alterações típicas do ECG são mais visualizadas após melhora da dor).

c) SCA sem elevação persistente de ST, porém com critérios de maior risco ao ECG (isquemia ativa): 

  • Depressão do segmento ST/Inversão de onda T*
  • Onda T invertida ≥ 1 mm em complexo com onda R proeminente ou relação R/S >1 pode indicar isquemia na ausência de causas secundárias para alteração da repolarização ventricular (por exemplo, no caso de sobrecarga). Nos casos de infarto agudo do miocárdio, a onda T negativa pode ser associada a ondas Q (patológicas).  

Medidas para casos de eletrocardiograma duvidoso/limítrofe

  1. Solicitação imediata de avaliação do ECG por um ou mais médicos experientes. 
  2. Quando disponível, o ECG prévio deve ser comparado ao ECG da fase aguda, pois pode auxiliar na identificação de novas alterações. 
  3. Correlação clínica, pois o valor preditivo do ECG depende também da probabilidade clínica pré-teste. 
  4. Casos confirmados de ECG limítrofe e/ou de instabilidade clínica (por exemplo, sintomas persistentes) demandam não apenas a manutenção da monitorização do paciente, mas também a realização de eletrocardiogramas seriados e avaliação rápida para outros diagnósticos diferenciais.

O atendimento ao paciente com dor torácica em quatro passos 

  • Passo 1: Avaliação clínica geral + ECG nos primeiros 10 minutos.
  • Passo 2 (definir risco e probabilidade pré-teste inicial): Definir se paciente apresenta sintoma persistente e/ou ECG “preocupante” e/ou instabilidade hemodinâmica, com repetição de ECG a cada 10 a 20 minutos e exame de imagem beira-leito. Nos casos em que ECG e avaliação clínica conjunta não forem suficientes para afastar com segurança síndromes agudas (por exemplo, SCA sem elevação de ST, TEP, síndrome aórtica aguda), a investigação clínica deve ser feita de maneira ativa (passo 3).
  • Passo 3: Solicitar exames complementares conforme hipótese diagnóstica.
  • Passo 4: Realizado na minoria dos casos, sendo reservado para situações em que foram afastados diagnósticos diferenciais, mas ainda persiste incerteza quanto ao diagnóstico de SCA e/ou risco não é baixo o suficiente para liberar o paciente. Nesses casos, exames adicionais podem ser solicitados antes da liberação para casa ou para realização de forma ambulatorial precoce.

Quando “acelerar” a rota diagnóstica? 

Critérios de instabilidade → investigação acelerada + imagem beira-leito + ECG seriado: dor persistente, ECG “preocupante/limítrofe”, instabilidade hemodinâmica/má perfusão, congestão pulmonar aguda, taqui/bradiarritmias no contexto da dor. POCUS/ECO são centrais no diferencial rápido (SCA, DAA, TEP, tamponamento, pneumotórax hipertensivo, ruptura de esôfago).

A diretriz destaca alguns escores clínicos de risco e probabilidade diagnóstica

1) HEART ESCORE: O escore mais bem estudado na população com dor torácica aguda, que avalia o risco de eventos cardiovasculares maiores em 6 semanas em pacientes com suspeita de SCA. Se baseia na idade, eletrocardiograma, idade, fatores de risco e troponina. É útil nos casos em que o médico está no momento de decisão sobre a segurança de liberar o paciente para casa.

HEART SCORE: 0 a 3 pontos (risco baixo de MACE em 6 semanas);

HEART SCORE: 4 a 6 pontos (risco médio de MACE em 6 semanas); 

HEART SCORE: 7 a 10 pontos (risco elevado de MACE em 6 semanas).

2) ADDS ESCORE: Na suspeita de dissecção de aorta: O ADD-RS engloba 12 variáveis distribuídas em 3 categorias. Se o paciente apresenta quaisquer características em uma das categorias, recebe 1 ponto, podendo, portanto, pontuar até 3 pontos. Pacientes com até 1 ponto são caracterizados como baixo risco, e aqueles com 2 ou 3 pontos, como alto risco. A adição de POCUS ao escore ADD mostrou incremento na definição da probabilidade diagnóstica. 

Se probabilidade pré-teste baixa: realizar D-dímero (se negativo, buscar outro diagnóstico; se positivo, realizar exame de imagem*). Se probabilidade pré-teste > baixa: realizar exame de imagem (angiotc ou ecocardiograma transesofágico).

Condições clinicas predisponentes Caracteristicas da dor Achados no exame clinico 
Sindrome de Marfan ou outra doença do tecido conjuntivoDor torácica ou abdominal descrita como:Déficit de pulso ou pressão arterial
História familiar de aortopatiaInicio súbitoDéficit neurológico focal (associado a dor)
História conhecida de valvopatia aórtica.Intensidade severaSopro de regurgitação aórtica (novo associado a dor)
Manipulação aórtica recenteCaracterizada como “rasgando”

Hipotensão ou choque

Aneurisma de aorta torácico conhecido

A diretriz aborda também outros diagnósticos diferenciais de dor torácica, como TEP, pericardite e pneumotórax. 

Algoritmos de troponina 

Mais de 90% dos pacientes no protocolo de dor torácica têm o ECG “não diagnóstico”. Mesmo nos casos que têm diagnóstico confirmado de SCA, cerca de metade apresenta ECG não diagnóstico. Dessa forma, quando o paciente com dor torácica tem ECG de repouso sem alterações características de SCA, devemos dosar troponina para confirmar ou afastar esse diagnóstico. 

Vale lembrar que troponina é um marcador de injúria miocárdica e, para definir a etiologia desse fenômeno (por exemplo, diagnóstico de IAM), devemos integrar informações clínicas e de outros exames. 

A injúria miocárdica aguda é definida como uma ascensão e/ ou queda dos valores de troponina de alta sensibilidade > 20% entre as medidas, desde que pelo menos um desses valores esteja acima do percentil 99 do kit utilizado.

Qual o tempo hábil para descartar IAM? 

Há variação de acordo com o kit de troponina – por isso, sempre cheque qual os valores do kit do seu serviço. Nos casos de troponina de alta sensibilidade, em um paciente com início dos sintomas há mais de 3 horas (e sem recorrência), um nível abaixo dos valores classificados como muito baixos seria suficiente para descartar IAM (embora não descarte outros diagnósticos, como angina instável). Nas demais situações, há necessidade de mais de uma dosagem de troponina (em 1 ou 2 horas), embora valores muito elevados (por exemplo, acima de 5x o limite da normalidade) indiquem alta probabilidade de IAM mesmo em uma dosagem isolada.

Fluxograma principal (considerando troponina ultrasensível)

*Lembre-se que a definição de “alto” ou “baixo” e do delta de variação é diferente para cada kit.

Rule in significa que você vai internar o paciente para investigação. Rule out na ausência de outras hipóteses diagnósticas de risco e ECG sem isquemia significa considerar para investigação complementar em regime ambulatorial, especialmente na ausência de DAC conhecida e escores clínico de baixo risco (HEART ≤ 3).Na zona intermediária (observar), a probabilidade de IAM é geralmente de 5 a 20%. Nessa situação, não há indicação formal de internação rotineira, entretanto, também não há segurança para liberar o paciente para casa – ferramentas adicionais para guiar o diagnóstico diferencial são necessárias, sendo recomendada a (re)checagem cuidadosa dos critérios de IAM. Revisar possíveis diagnósticos diferenciais (com apoio de escores diagnósticos) e solicitar exames conforme probabilidade diagnóstica (por exemplo, D-dímero na suspeita de TEP com baixa probabilidade pré-teste). 

Atenção: Cautela no “rule-out” automático em pacientes com doença coronariana prévia -> mesmo com algoritmo de 0–1 h como rule out, IAM pode superar 1%. Nesses casos, considerar avaliação adicional, assim como nos pacientes com HEART >3. 

Na ausência de critérios diagnósticos de IAM não há indicação formal de estratificação invasiva e, portanto, a investigação deve prosseguir inicialmente com as seguintes estratégias: 

  • Novas dosagens de troponina; 
  • Realização de ecocardiograma e busca ativa de diagnósticos diferenciais;
  • Testes não invasivos para avaliar doença coronária/ isquemia miocárdica.

Observações importantes: 

Se você não tiver troponina ultrasensível, a troponina convencional pode ser utilizada. Devido ao maior tempo necessário para sua elevação, considera-se adequada a realização de duas coletas com um intervalo maior, sendo a primeira na chegada do paciente e a segunda entre 3 a 6 horas até tempo hábil. Se houver elevação de troponina convencional num contexto clínico e/ou eletrocardiográfico compatível, faz-se o diagnóstico de IAM. Se ao final do tempo de observação paciente de baixo risco com troponina negativa e ECG não isquêmico, ele pode ser liberado do pronto-atendimento.  A dosagem de CKMB só deve ser considerada na ausência de troponina e deve-se dar preferência para CKMB massa. 

Mensagens principais

O ponto principal da diretriz foi incorporar os outros padrões eletrocardiográficos sugestivos de oclusão coronariana aguda. Não vá para o plantão sem conhecê-los! Além disso, saiba como fazer rule in e rule out, assim como investigar os casos da zona de observação e não se esqueça de todos os diagnósticos diferenciais de dor torácica. 

Vale a pena ler toda a diretriz, o documento está muito prático e se adapta aos diferentes cenários das emergências brasileiras.

Confira aqui outras diretrizes publicadas no Congresso Brasileiro de Cardiologia! 

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Referências bibliográficas

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