Qual meta de saturação de O2 é adequada na SARA?
Dentre os cuidados envolvidos no tratamento da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo, a oferta de O2 costuma gerar um dilema.
A pandemia de covid-19 que perdurou os últimos 3 anos trouxe para o convívio das equipes de saúde uma das síndromes clínicas mais temidas pelos profissionais. A Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA ou SARA) é caracterizada por processo inflamatório intenso do parênquima pulmonar, geralmente desencadeado por doenças infecciosas ou inflamatórias, que leva ao “alagamento” dos alvéolos, além de destruição da arquitetura pulmonar.
O resultado é o comprometimento tanto da complacência pulmonar, o que reduz o volume corrente do paciente, quanto da capacidade de trocas gasosas pela perda da interface entre ar e membrana alvéolo-capilar. Apesar de existirem diferentes gravidades de apresentação, a SDRA geralmente se manifesta de forma drástica, com manejo difícil e frequente necessidade de cuidados intensivos.
Qual o melhor alvo de Oxigenação?
Dentre os cuidados envolvidos, a oferta de O2 suplementar costuma gerar um dilema.
Não é raro que as equipes assistentes optem por manter o paciente com altas FiO2, mesmo com PaO2 acima do valor fisiológico, na tentativa de resguardar a estabilidade do paciente em caso de falha terapêutica ou de piora súbita. Ao mesmo tempo em que altas vazões de O2 são necessárias, pesquisas sugerem efeitos deletérios da hiperoxigenação em pacientes críticos. [1] Além da lesão induzida pela SDRA, a alta oferta de O2 pode induzir biotrauma, shunts e até mesmo atelectasias, apesar de ainda serem necessárias mais pesquisas para confirmação desses efeitos. [2]
Um estudo publicado da Intensive Care Medicine fez uma nova análise do trabalho HOT-ICU (publicado em 2021 no NEJM), que incluiu quase 3.000 pacientes com SDRA. Desta vez o foco foi avaliar a funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes a longo prazo.
Nesse estudo os pacientes foram divididos em dois grupos, onde um foi mantido com alvo de PaO2 mais baixo (em torno de 60 mmHg) e o outro com alvo de PaO2 mais alto (em torno de 90 mmHg). Depois do período de internação, os pacientes foram reavaliados em 90 dias e 1 ano, sendo analisadas tanto a sobrevida quanto a qualidade de vida após a internação.
Os resultados foram basicamente os mesmos para ambos os grupos, com mortalidade em torno de 50%, e pontuação semelhante nos questionários de qualidade de vida. O que o estudo mostra é que não houve diferença significativa em termos de riscos ou de benefícios, com as duas estratégias. Ou seja, objetivar uma PaO2 menor não aumentou o risco de mortes ou complicações. Da mesma forma, buscar uma PaO2 maior não aumentou as chances de sobrevivência ou a preservação da qualidade de vida. O inverso também não ocorreu: a maior PaO2 não causou efeitos deletérios perceptíveis, contrariando algumas das teorias que citamos anteriormente.
Note que esse foi apenas um dos diversos trabalhos que abordam diferentes alvos de oxigenação em pacientes críticos. Para mais detalhes sobre estudos prévios, ou em andamento, acesse este artigo no portal.
Conclusão: por que então buscar alvos de PaO2 menores?
Primeiramente, apesar dos resultados do estudo, a fisiopatologia da hiperóxia fala a favor de efeitos deletérios que devem motivar a cautela no uso de altas vazões de O2. O outro motivo vem exatamente da presente pandemia: economia de recursos. Em vários lugares do mundo, incluindo o Brasil, o desabastecimento de oxigênio hospitalar se tornou uma realidade e resultou em centenas, senão milhares, de mortes. Logo, a fim de poupar recursos e evitar episódios futuros, recomenda-se alvos mais baixos de PaO2 ou SatO2. Grandes estudos sobre o tema estão em andamento e nos auxiliarão a obter respostas definitivas. [1]
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