A síncope vasovagal é relativamente frequente na prática clínica e é caracterizada pela redução transitória do fluxo sanguíneo cerebral decorrente de hipotensão e bradicardia mediados por mecanismos reflexos. Entre os principais gatilhos, estão a ortostase prolongada, situações de estresse emocional e estímulos dolorosos. Embora considerada, na maioria das vezes, uma condição benigna, a recorrência dos episódios pode comprometer a qualidade de vida, além de aumentar o risco de traumas. O uso de meias elásticas de compressão com o objetivo de aumentar o retorno venoso e minimizar quedas abruptas da pressão arterial é uma das principais intervenções não farmacológicas recomendadas para prevenção de eventos, no entanto, as evidências sobre sua eficácia clínica são limitadas e inconsistentes.
O estudo COMFORTS-II (Using Compression Stockings to Prevent Recurrence of Vasovagal Syncope), publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC), é o primeiro ensaio clínico randomizado, cego e controlado por placebo que avalia o efeito de meias de compressão na prevenção de episódios de síncope vasovagal. Os autores compararam meias elásticas de compressão até a coxa, com pressão de 25 a 30 mmHg, a meias placebo (sham) visualmente idênticas, mas com compressão máxima de 10 mmHg.
Metodologia
Foram incluídos 266 participantes entre 18 e 65 anos, histórico de pelo menos dois episódios de síncope no último ano e escore de Calgary ≥ –2. A média de idade foi de 39 anos, sendo 58% do sexo feminino, e o seguimento realizado por período de 12 meses. Foram excluídos pacientes com hipotensão ortostática, taquicardia postural, doenças cardíacas estruturais relevantes, uso prévio de meias de compressão ou medicamentos específicos para prevenção de síncope. Os desfechos primários incluíram o percentual de pacientes que apresentaram pelo menos um novo episódio durante o acompanhamento e o intervalo de tempo até a primeira recorrência.
A taxa de recorrência foi de 29,1% no grupo de intervenção e de 34,8% no grupo controle, o que corresponde a uma redução absoluta de 5,7%, sem significância estatística (p = 0,315). O tempo livre de eventos não diferiu entre os grupos (HR 0,84; IC95% 0,55–1,29), assim como o número mediano de episódios (2 no grupo ativo e 2,5 no controle; p = 0,839). A adesão ao uso das meias foi semelhante entre os grupos. Na análise específica dos episódios ocorridos durante o uso das meias, observou-se menor frequência de síncope no grupo intervenção (33% vs. 45%; p = 0,021). Análises exploratórias identificaram interação significativa entre o número de eventos prévios e o efeito do tratamento (p-interação = 0,011), sugerindo possível benefício em indivíduos com histórico mais extenso de recorrências.
Considerações: meias elásticas e síncope vasovagal
De forma geral, o estudo não demonstrou benefício do uso de meias elásticas de compressão até a coxa na prevenção global de novos episódios ou no aumento do tempo livre de eventos. Entretanto, o próprio estudo chama a atenção para a análise cuidadosa de alguns dados. A adesão foi apenas moderada (média de 4,6 a 5,2 dias por semana e 7,4 a 8,6 horas por dia), e cerca de um terço dos participantes descontinuou o uso, fatores esses que podem reduzir a possibilidade de observar algum efeito positivo. Os autores colocam que é plausível que a ausência de benefício esteja relacionada à incapacidade das meias de atuar em regiões de maior acúmulo venoso, como o abdome inferior e a pelve; e por fim, concluem que, embora não haja evidência robusta para sua utilização rotineira, o uso de meias de compressão pode ser considerado de forma individualizada, especialmente em pacientes com múltiplas recorrências, sempre ponderando a questão do desconforto e aderência a longo prazo. Na prática clínica, devemos lembrar da importância das medidas comportamentais e das manobras de contrapressão física como opções de primeira linha no tratamento da síncope vasovagal e que estudos futuros devem avaliar os benefícios da compressão mais extensa (incluindo abdome e pelve) e de procedimentos minimamente invasivos (cardioneuroablação e a ablação de plexos ganglionares).
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