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Cardiologia26 novembro 2025

O sono e a saúde cardiometabólica 

Revisão propõe uma abordagem mais ampla e multidimensional da influência do sono sobre o metabolismo, sistema cardiovascular e mortalidade
Por Ivson Braga

Em 2022, a American Heart Association (AHA) atualizou o conceito de “saúde cardiovascular ideal” (ideal cardiovascular health) ao incluir o sono entre os principais componentes da prevenção cardiometabólica. Essa atualização designada como Life’s Essential 8 foi um dos primeiros documentos a chamar a atenção para que a qualidade do sono é um fator importante no risco de doenças cardíacas e metabólicas.  

Recentemente foi publicado um “Statement” que traz novamente esse tema e propõe uma abordagem mais ampla e multidimensional da influência do sono sobre o metabolismo, sistema cardiovascular e mortalidade (Multidimensional Sleep Health: Definitions and Implications for Cardiometabolic Health – A Scientific Statement From the American Heart Association). Quais os principais pontos dessa importante revisão? 

Atualmente devem ser consideradas as múltiplas dimensões do sono, não apenas a duração do sono como antigamente se pensava. Além da duração, são fundamentais para a promoção e equilíbrio na saúde física e mental: a continuidade (ou eficiência), o horário, a regularidade, o funcionamento diurno, a arquitetura fisiológica e a ausência de distúrbios. Para o dimensionamento desses aspectos multidimensionais já existem questionários como por exemplo o RU_SATED e Índice de Saúde do Sono. Apesar de ainda não existirem métricas consensuais, essas ferramentas podem ser uteis na avaliação inicial da qualidade do sono. 

Existem dificuldades quanto à avaliação objetiva da qualidade do sono, pois essa é obtida de forma indireta. Mesmo a polissonografia, atualmente considerada a estratégia padrão-ouro para medir a arquitetura do sono e a apneia do sono, é considerada uma ferramenta imperfeita mesmo quando disponível. Além de representar apenas uma única medida, aspectos como insônia, bem estar, satisfação experimentada não são avaliadas pelo método. Novas ferramentas como sensores portáteis eletroencefalográficos e por fotopletismografia usados no pulso, dedo ou braço podem ter utilidade, porém tendem a superestimar o sono em comparação com a polissonografia. Outras ferramentas são citadas como o teste de latência múltipla do sono, diários do sono e questionários de avaliações retrospectiva autorrelatadas. 

Outro destaque do documento é que a saúde do sono é profundamente influenciada por determinantes sociais e estruturais. Fatores como baixa renda, condições precárias de moradia, trabalho em turnos noturnos ou irregulares, insegurança alimentar e racismo estrutural influenciam negativamente a duração, regularidade e continuidade do sono. Essas desigualdades são refletidas em um maior risco de doenças cardiovasculares.   

O sono e a saúde cardiometabólica 

Associação qualidade e sono e risco cardiometabólico  

As evidências mostram de forma consistente que alterações em diferentes dimensões do sono estão associadas a um maior risco cardiometabólico 

  • duração insuficiente: as evidências sugerem uma relação em “U”; tanto durações de menos de 6 horas por noite como o sono excessivo (acima de 9 horas) aumentam o risco de hipertensão, diabetes tipo 2, acidente vascular cerebral e mortalidade cardiovascular, com o ponto de menor risco em torno de 7 a 8 horas por noite.  
  • baixa continuidade e a insatisfação com o sono: esses aspectos são muitas vezes atribuídos a sintomas de insônia e estão associadas à hipertensão, rigidez arterial, doença coronariana e disfunção endotelial, principalmente quando há a combinação insônia com sono com duração curta 
  • irregularidade nos horários de dormir e acordar: mesmo que se tenha uma duração média adequada, o sono em horários irregulares aumenta a incidência de obesidade, inflamação, aterosclerose subclínica e diabetes tipo 2. O “timing tardio” do sono (dormir após a meia-noite) tem sido associado a piores perfis glicêmicos e pressóricos, além de risco elevado de eventos cardiovasculares.  
  • Sonolência diurna excessiva: esse aspecto reflete uma dimensão relevante associada a doença arterial coronariana, AVC e mortalidade, possivelmente mediada por distúrbios não diagnosticados, irregularidade circadiana ou obesidade.

Qual a proposta e limitações?  

Do ponto de vista clínico, a AHA propõe que os profissionais de saúde passem a considerar a avaliação do sono de forma sistemática e multidimensional. A avaliação deve ser mais detalhada não se reservando apenas ao questionamento sobre quantas horas o paciente dorme. Todos os aspectos dentro dessa multidimensionalidade (regularidade, horário, despertares noturnos, sonolência diurna e satisfação com o sono) devem ser avaliados. Ferramentas simples como o RU_SATED auxiliam na triagem e acompanhamento longitudinal. Outras intervenções úteis como a educação e higiene do sono, o manejo de insônia e apneia, e a reorganização de horários de trabalho representam estratégias que podem oferecer grande impacto populacional.   

Entre as lacunas científicas, faltam definições padronizadas para cada dimensão da saúde do sono, métricas validadas para diferentes faixas etárias e populações, e ensaios clínicos capazes de demonstrar que melhorar dimensões específicas do sono levam a reduções de eventos cardiometabólicos. Dados integrados de wearablesactigrafia e polissonografia em modelos preditivos de risco cardiovascular ainda não são realidade.   

Conclusão   

A principal mensagem é que a avaliação do sono deve ser multidimensional, indo muito além da simples pergunta sobre “quantas horas se dorme”. Tão importante quanto a duração, é fundamental considerar aspectos como continuidade, horário (timing), regularidade, consistência e a percepção de descanso e bem-estar. Essas dimensões refletem não apenas qualidade de vida, mas estão intimamente relacionadas a uma melhor saúde cardiometabólica.

Autoria

Foto de Ivson Braga

Ivson Braga

Redator em cardiopapers

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