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A necessidade do controle dos distúrbios trombóticos impulsionou o surgimento de medicamentos que de alguma forma bloqueavam ou inibiam alguma via da cascata de coagulação. Na primeira metade do século XX esta jornada teve início com a descoberta da heparina por McLean et al em 1916, sendo pela primeira vez utilizada no tratamento da trombose pós-cirúrgica em 1936. Em 1920, o cientista Henrik Dam descobriu a vitamina K e verificou que a sua ausência provocava uma doença hemorrágica em pintainhos, os quais evidenciavam níveis plasmáticos reduzidos de protrombina. Link, em 1939, sintetizou o dicumarol e uma série de congêneres antagonistas da vitamina K (AVK), o mais potente dos quais denominou de varfarina, cujo primeiro uso clínico data de 1955. Em 1999, a varfarina foi o 11º fármaco mais prescrito nos EUA¹. Por curiosidade o nome é derivado da sigla WARF (Wisconsin Alumni Research Foundation) + – arin (derivado da palavra coumadin)².
Após meio século de uso mundial dos AVK, ficou claro para todos as várias limitações deste grupo de droga: grande variabilidade individual, com necessidade frequente de monitorização do seu efeito, interferência notória com alimentação e com vários medicamentos comumente utilizados na prática diária; finalmente surgiram os novos anticoagulantes orais (NOACS) – sigla do inglês.
A primeira droga lançada foi o etexilato de dabigatrana (Pradaxa®), pró-fármaco que, após conversão no princípio ativo, se liga de maneira direta e reversível à trombina ativada (Fator IIa). Seu início de ação ocorre 2 h após a administração e sua meia-vida é de 12-17 h. Foi lançado no Brasil em 2011 com base nos dados do estudo RE-LY (ensaio clínico de não inferioridade que comparou duas doses da dabigatrana 110 mg e 150 mg. A dose de 110 mg foi não inferior e a de 150 mg foi superior a varfarina na prevenção de AVC. Ambas as doses tiverem uma menor taxa de sangramento para o sistema nervoso central).
Dabigatrana é eficaz para tratar injúria miocárdica após cirurgias não cardíacas
Os outros três NOACS já disponíveis no Brasil – Rivaroxabana (Xarelto®), Apixabana (Eliquis®) e Edoxabana (Lixiana®) – são inibidores diretos do fator X ativado (FXa), citados na ordem de liberação no nosso país. Teoricamente, a inibição do fator FXa proporciona um mecanismo mais eficiente de controlar a formação de fibrina do que a inibição do fator FIIa (a supressão de uma molécula de FXa pode resultar numa redução da atividade da trombina 100 vezes superior à conseguida pela inibição de uma molécula de FIIa)³.
A rivaroxabana tem um rápido início de ação com uma dose-resposta previsível e alta biodisponibilidade, não exige o monitoramento da coagulação e também possui pouco potencial de interação com alimentos e outros medicamentos, sendo administrada em uma dose única de um comprimido, uma vez ao dia. O medicamento foi aprovado pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a redução do risco de AVC e embolia sistêmica em pacientes com fibrilação atrial com a dose de 20 mg uma vez ao dia (ou 15 mg uma vez ao dia para pacientes com insuficiência renal moderada a grave), prevenção (cirurgia ortopédica) e tratamento de trombose venosa profunda (TVP).
Rivaroxabana eficaz no tromboembolismo venoso em pacientes com câncer
A apixabana é indicado na prevenção de eventos de tromboembolismo venoso em pacientes adultos que foram submetidos à artroplastia eletiva de quadril ou de joelho, e também para reduzir o risco de AVC, embolia sistêmica e óbito em pacientes com fibrilação atrial não-valvular. A dose de 2.5 mg 2x ao dia e 5 mg 2x ao dia é utilizada para prevenção de TVP e de AVC e embolia sistêmica, respectivamente.
Apixabana: bom perfil de segurança para pacientes com doença renal
A edoxabana foi aprovada no Brasil este ano (2018) pela ANVISA, mas já estava liberada desde 2011 no Japão e 2015 nos Estados Unidos. São comprimidos revestidos de 15 mg, 30 mg e 60 mg. A dose habitual para prevenção de TVP e AVC é de 60 mg 1x ao dia. Disfunção renal leve a moderada ou pessoas < 60 kg devem utilizar 30 mg 1x ao dia.
Abaixo segue um comparativo das drogas citadas em formato de tabelas para facilitar o entendimento:
Tabela 1. Propriedades farmacológicas dos NOACS aprovados no Brasil (2018)
Medicação |
Inibição alvo |
Pico de ação e Meia-vida |
Antídoto |
Dose e Posologia |
Interação |
Eliminação |
Dabigatrana (Pradaxa®) |
Trombina |
1 – 3h e 12 – 17h |
Idarucizumabe (Praxbind) 5g |
150mg 2x (110 mg 2x)* |
Rifampicina Quinidina Amiodarona |
80% Renal 20% Hepática |
Rivaroxabana (Xarelto®) |
FXa |
2 – 4h e 7 – 13h |
Em estudo |
20 mg 1x |
Cetoconazol Ritonavir Rifampicina |
35% Renal 65% Hepática |
Apixabana (Eliquis®) |
FXa |
1 – 3h e 9 – 14h |
Em estudo |
5 mg 2x |
Cetoconazol Ritonavir Rifampicina |
25% Renal 75% Hepática |
Edoxabana (Lixiana®) |
FXa |
1 – 2 h e 10 – 14 h |
Em estudo |
60 mg 1x (30 mg 1x)** |
Ciclosporina Cetoconazol |
35% Renal 65% Hepática |
*ClCr > 30 mg/dL. Para ClCr 15-30 mg/dL 75 mg 2x. Dose ajustada de 110 mg 2x para idosos ≥ 80 anos; FXa = Fator X ativado;
**ClCr 15 – 50 mg/dL ou Peso ≤ 60 kg ou inibidores da glicoproteína-P;
Tabela 2. Dose ajustada para função renal dos NOACS aprovados no Brasil (2018)
Medicação |
Clearance de Creatinina |
Dabigatrana (Pradaxa®) |
>30 mg/dL: 150 mg 12-12h 15 – 30 mg/dl: 75 mg 12-12h < 15 mg/dL: não usar |
Rivaroxabana (Xarelto®) |
> 50 mg/dL: 20 mg 24-24h 15 – 50 mg/dL: 15 mg 24-24h < 15 mg/dL: não usar |
Apixabana (Eliquis®) |
>30 mg/dL ou estável em diálise: 5 mg 12-12h 15 – 29 mg/dl: 2.5 mg 12-12h < 15 mg/dL: não usar |
Edoxabana (Lixiana®) |
50 – 95 mg/dL: 60 mg 24-24h 15 – 50 mg/dL: 30 mg 24-24h < 15 mg/dL ou > 95 mg/dL: não usar |
*Utilizar o método de Cockcroft-Gault; a droga preferencial pelo FDA para pacientes com disfunção renal moderada é a apixabana.
Tabela 3. Eficácia e Segurança dos NOACS vs varfarina em FA não valvar
Desfecho |
Dabigatrana 110 mg (Pradaxa®) |
Dabigatrana 150 mg (Pradaxa®) |
Rivaroxabana 20 mg (Xarelto®) |
Apixabana 5 mg (Eliquis®) |
Edoxabana 60 mg (Lixiana®) |
AVCi* |
Não inferior |
Superior |
Não inferior |
Não inferior |
Não inferior |
AVCi ou Embolia |
Não inferior |
Superior |
Não inferior |
Superior |
Não inferior |
Hemorragia Intracraniana |
Superior |
Superior |
Superior |
Superior |
Superior |
Sangramento Maior |
Superior |
Similar |
Similar |
Superior |
Superior |
*AVCi = Acidente vascular cerebral isquêmico; FA = Fibrilação atrial.
Tabela 4. Eficácia e Segurança dos NOACS vs Varfarina em TEV/TEP
Desfecho |
Dabigatrana 150 mg (Pradaxa®) |
Rivaroxabana (Xarelto®) |
Apixabana (Eliquis®) |
Edoxabana 60 mg (Lixiana®) |
TEV aguda* |
Não inferior |
Não inferior |
Não inferior |
Não inferior |
Sangramento Maior |
Similar |
Superior** |
Superior*** |
Similar |
* TEV = Trombose endovenosa;
** – 1.1% vs 2.2% (RR 0.49; 95% CI, 0.31 to 0.79; P=0.003) favorecendo a rivaroxabana no estudo EINSTEIN-PE.
*** – 0.6% vs 1.8% (RR 0.31; 95% CI, 0.17 – 0.55; P<0.001) favorecendo a apixabana no estudo AMPLIFY;
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Referências:
- Shapiro S (2003) Treating thrombosis in the 21st century. N Engl J Med 349:1762-1764
- Pirmohamed M. Warfarin: almost 60 years old and still causing problems. British Journal of Clinical Pharmacology. 2006;62(5):509-511.
- Alexander J, Singh K (2005) Inhibition of factor Xa: a potential target for the development of new anticoagulants. Am J Cardiovasc Drugs 5:279-290.
- Nielsen P., Lane D.A., Rasmussen L.H., et al.(2015) Renal function and non-vitamin K oral anticoagulants in comparison with warfarin on safety and efficacy outcomes in atrial fibrillation patients: a systemic review and meta-regression analysis. Clin Res Cardiol 104:418–429.
- RP Giugliano, CT Ruff, E Braunwald, et al.Once-daily edoxaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation N Engl J Med, 369 (2013), pp. 2093-2104
- CB Granger, JH Alexander, JJ McMurray, et al., the ARISTOTLE Committees and InvestigatorsApixaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation
- MR Patel, KW Mahaffey, J Garg, et al., the ROCKET AF InvestigatorsRivaroxaban versus warfarin in nonvalvular atrial fibrillation. N Engl J Med, 365 (2011), pp. 883-891
- SJ Connolly, MD Ezekowitz, S Yusuf, et al., the RE-LY Steering Committee and InvestigatorsDabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med, 361 (2009), pp. 1139-1151
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