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Cardiologia20 julho 2021

Estratificação de risco de arritmias ventriculares e morte súbita na cardiomiopatia dilatada 

Estudo avaliou impacto da presença do realce tardio por gadolíneo em arritmias ventriculares e morte súbita em diferentes frações de ejeção.

A estratificação de risco das arritmias ventriculares (AV) e morte súbita (MS) em pacientes com cardiomiopatia dilatada (CMD) é baseada na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Porém, estudos que avaliaram o uso de cardioversor desfibrilador implantável (CDI) em pacientes com CMD e fração de ejeção (FE) ≤ 35% não mostrou benefício de sobrevida. 

Evidência mais recente tem mostrado que alterações na ressonância cardíaca são preditores mais fortes e consistentes de AV e MS, principalmente a presença de fibrose miocárdica localizada, evidenciada pelo realce tardio por gadolíneo. Porém, não há grandes estudos que correlacionam a fibrose com as diferentes FE.

Foi feito então um estudo para avaliar o impacto da presença do realce tardio por gadolíneo em arritmias ventriculares (AV) e morte súbita (MS) em pacientes com diferentes FE, com o intuito de se criar um algoritmo para melhor estratificação de risco nos pacientes com CMD.

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Estratificação de risco de arritmias ventriculares e morte súbita na cardiomiopatia dilatada 

Método do estudo e população envolvida

Foi um estudo de coorte retrospectivo observacional realizado em dois centros de atendimento terciário que incluiu todos os pacientes com CMD que realizaram ressonância cardíaca entre 2008 e 2018 no centro na Inglaterra e entre 2013 e 2018 no centro na Espanha. 

O diagnóstico de CMD era considerado quando havia dilatação e disfunção sistólica do VE, baseado em FEVE reduzida e volume diastólico final do VE aumentado. Também foram incluídos pacientes com cardiomiopatia não dilatada hipocinética com FE < 45%, que fazem parte do espectro da CMD. Pacientes com outras cardiomiopatias, doenças valvares, doenças congênitas ou coronariopatia foram excluídos. 

A ressonância cardíaca foi realizada e analisada de acordo com os protocolos atuais e a presença do realce tardio foi avaliada visualmente e de forma semiquantitativa, de acordo com a segmentação padrão do VE em 17 segmentos. 

O desfecho primário foi composto por desfechos de arritmia, que compreendia ocorrência de terapias apropriadas do CDI, taquicardia ventricular monomórfica sustentada (TVMS), taquicardia ventricular polimórfica sustentada (TVPS), parada cardiorrespiratória ressuscitada (PCRR) e desfechos de MS. O desfecho secundário foi: MS ou MS abortada (incluindo PCRR e terapia apropriada do CDI); um composto de arritmias ventriculares (AV), PCRR e morte súbita (MS) sem terapia apropriada do CDI; MS; e desfecho composto de insuficiência cardíaca (IC), que incluiu morte por IC, transplante cardíaco e implante de dispositivo de assistência ventricular.

Resultados

Foram analisados dados de 1.165 pacientes, incluindo 155 (13%) com cardiomiopatia não dilatada hipocinética. O realce tardio por gadolíneo, indicativo de fibrose, estava presente em 486 (42%) pacientes e foi associado de forma significativa com idade mais avançada, sexo masculino, classes funcionais da New York Heart Association (NYHA) mais avançadas e FE mais baixas.

Além disso, o realce tardio foi mais frequente nos segmentos basais e o número médio de segmentos acometidos por paciente foi 4. Realce tardio médio septal foi o padrão mais comum, encontrado em 74% dos casos. Realce epicárdico foi encontrado em 19% e realce transmural em 9%, sendo que em 60% desses casso também havia padrão típico de CMD.

Em relação aos desfechos, no seguimento médio de 36 meses, 74 pacientes (6%) tiveram o desfecho primário. O primeiro evento foi terapia apropriada pelo CDI em 33 pacientes (sendo em 7 casos por fibrilação ventricular e TVPS), TVMS em 26 casos, PCRR em 8 e MS em 7 casos, sendo que 5 destes já haviam tido AV previamente. 

Os preditores independentes para o desfecho primário foram a presença de realce tardio na ressonância (HR 9,7; p < 0,001) e a FE ≤ 35% (HR 0,96; p < 0,001), com HR bastante alto. 89% dos eventos ocorreram em pacientes com presença de realce tardio na ressonância e a incidência cumulativa do desfecho primário foi de 14% nos casos com realce tardio presente e 1% nos sem realce tardio (p < 0,001), sendo este um preditor melhor que a FE ≤ 35%.

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O desfecho secundário ocorreu em 44 pacientes, sendo que 93% deles tinham realce tardio presente. A incidência cumulativa desse desfecho foi de 8,4% nos pacientes com realce tardio presente e 0,4% nos pacientes sem este achado (p < 0,001). Na análise multivariada, a presença do realce tardio foi o único achado preditor do desfecho secundário. 

Em relação a localização e extensão do realce tardio, foram caracterizados como alto risco: realce epicárdico, realce transmural e realce transmural e da parede livre do VE concomitantes. Estes achados de alto risco estavam presentes em 46% dos pacientes com realce tardio evidenciado na ressonância.

A FE foi estratificada em três grupos: ≤ 20%, 21 a 35% e > 35%, com um aumento linear e significativo do risco de arritmia nesses três grupos (p < 0,001). A presença de realce tardio se manteve como um preditor independente do desfecho primário nos três níveis de FE e foi preditor mais forte nos grupos com FE melhor. Quando avaliada a localização do realce tardio, as localizações de alto risco descritas acima só tiveram valor discriminatório quando FE > 35%.

A partir desses dados foi feito o agrupamento dos pacientes em quatro categorias de risco de eventos e com relevância para a prática clínica: 

  • Baixo risco: sem realce tardio e com FE > 20%;
  • Risco intermediário a baixo (taxa de vento anual de 1,6%): presença de realce tardio sem localização de alto risco e FE > 35%;
  • Risco intermediário a alto (taxa de evento anual de 2,8%): presença de realce tardio com localização de alto risco e FE > 35% ou ausência de realce tardio e FE ≤ 20%;
  • Alto risco (taxe de evento anual de 7,2%): presença de realce tardio e FE ≤ 35%.

Este algoritmo clínico teve excelente valor preditivo (área sob a curva 0,82) e fácil aplicabilidade clínica, sendo superior a avaliação pela FE isolada. Foi possível avaliar um grupo com risco verdadeiramente baixo de eventos arrítmicos, com risco menor que o de pacientes com FE > 35%, considerado até então como baixo risco pelos guidelines e que teve 24% dos eventos do estudo (p = 0,007). Além disso, o grupo de alto risco teve maior risco arrítmico comparativamente ao grupo com apenas FE ≤ 35% (p = 0,009).

Em relação ao desfecho de MS, durante o seguimento, 42 pacientes (3,6%) tiveram MS ou MS abortada, evento que também ocorreu mais em pacientes com realce tardio presente (7,4% x 0,9%, p < 0,001). Assim como para os desfechos de arritmia, realce tardio e FE foram preditores independentes deste desfecho, e também foram melhores que apenas fração de ejeção isoladamente. A taxa anual de eventos para os grupos foram 0,1% para baixo risco, 0,2% para intermediário a baixo, 1,4% para intermediário a alto e 4,7% para alto risco. 

Morte ocorreu em 64 pacientes, sendo de causa cardíaca em 39% dos casos e associada a presença de realce tardio, porém os únicos preditores independentes neste caso foram a FE e idade.

Conclusão

Presença de realce tardio é um preditor forte, específico e consistente de arritmias ventriculares e morte súbita, independente da FE, e o seu poder preditivo aumenta com FE mais altas. Além disso é o único preditor independente de eventos arrítmicos em pacientes com FE > 35%. A presença de realce tardio em pacientes deste grupo mostrou maior risco de eventos que em pacientes sem realce tardio e com FE entre 21 e 35%. Além disso, a localização do realce tardio também pode estar associada com maior risco.

Nos pacientes com FE muito reduzida, os eventos arrítmicos e MS parecem ser decorrentes de um remodelamento que inclui mais fibrose intersticial difusa, o que pode explicar a ocorrência de eventos na ausência de realce tardio evidenciado na ressonância. Ao contrário, no coração sem muito remodelamento, a presença de um substrato arrítmico representado por uma área de fibrose localizada tem um papel mais importante.

Este é um algoritmo simples que utiliza apenas dois parâmetros e que são comumente avaliados na CMD. Essa avaliação permitiu re-estratificar os doentes que, pelos guidelines atuais, teriam indicação de CDI porém não vem mostrando benefício do uso do dispositivo (grupo de baixo risco, FE entre 21 e 35% e sem realce tardio) e os que não teriam indicação do dispositivo (grupo de risco intermediário a alto, FE > 35% com realce tardio presente) porém possivelmente teriam benefício. Pacientes com risco intermediário precisam ser mais bem avaliados na tentativa de estabelecer características de alto risco dentro deste subgrupo. 

A validação interna deste algoritmo teve excelentes resultados, sugerindo boa aplicabilidade clínica, porém ainda é necessária validação externa deste algoritmo para avaliar sua aplicabilidade em outras populações e permitir seu uso na prática clínica. Estes resultados, quando confirmado, muito provavelmente mudarão os guidelines atuais e a prática clínica.

Referências bibliográficas:

  • Di Marco A, et al. Improved Risk Stratification for Ventricular Arrhythmias and Sudden Death in Patients With Nonischemic Dilated Cardiomyopathy. Journal of the American College of Cardiology. 2021 June;77(23):2890-2905. doi: 10.1016/j.jacc.2021.04.030

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