A hiperlipidemia é um fator de risco significativo para hipertensão, diabetes, doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral. A terapia com estatinas é recomendada como medicação de primeira linha em várias diretrizes de tratamento de redução lipídica. Quando a monoterapia com estatinas falha em atingir os objetivos do tratamento ou os indivíduos apresentam intolerância à medicação, a ezetimiba é a alternativa mais comum.
A dislipidemia mista é caracterizada por altas concentrações de colesterol total (CT), colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) e triglicerídeos (TG) no soro. Resultados de ensaios clínicos mostraram que, em comparação com a monoterapia, o uso combinado de estatinas e fibratos pode reduzir significativamente os níveis de LDL-C e TG, além de aumentar marcadamente o colesterol de lipoproteína de alta densidade. Além disso, estatinas e fibratos podem reduzir a incidência e a mortalidade por doenças cardiovasculares.
Na prática médica clínica, os medicamentos orais comumente utilizados para redução lipídica incluem estatinas, fibratos e inibidores da absorção intestinal de colesterol. No entanto, quase todos os principais medicamentos redutores de lipídios podem causar efeitos colaterais. Portanto, é crucial avaliar sua eficácia e segurança por meio de métodos científicos para a aplicação racional desses medicamentos no tratamento da hiperlipidemia. Esse foi o objetivo da metanálise recentemente publicada no European Journal of Medical Resarch.
Métodos
Estratégia de busca
A busca na literatura foi realizada nas bases PubMed, Web of Science e Embase. Dois autores revisaram e selecionaram os estudos de forma independente. Os critérios de inclusão foram:
- Ensaios clínicos randomizados (ECR) publicados;
- Pacientes: qualquer etnia, ambos os sexos, com 18 anos ou mais, e com dislipidemia;
- Comparação da eficácia e segurança de fibratos, estatinas e ezetimiba;
- Inclusão de medidas dos perfis lipídicos e descrição de diversos eventos adversos.
Resultados
Foram incluídos 30 ensaios clínicos randomizados, que compararam 12 tratamentos, incluindo:
- estatina de baixa intensidade (LIS),
- estatina de intensidade moderada (MIS),
- estatina de alta intensidade (HIS),
- estatina de baixa intensidade + ezetimiba (LIS + E),
- estatina de intensidade moderada + ezetimiba (MIS + E),
- estatina de intensidade moderada/alta + ezetimiba (HIS + E),
- ezetimiba (E),
- fibratos (F),
- ezetimiba + fibratos (E + F),
- estatina de baixa intensidade + fibratos (LIS + F),
- estatina de intensidade moderada + fibratos (MIS + F),
- estatina de alta intensidade + fibratos (HIS + F).
Colesterol total (TC)
Os resultados indicaram que HIS + foi a melhor opção na redução de CT, seguido por MIS + E (83,2%) e MIS + F (72,5%).
Triglicerídeos (TG)
Os resultados indicaram que LIS + F (97,3%) ficou em primeiro lugar, seguido por E + F (84,5%).
Colesterol LDL (LDL-C)
HIS + E parece ser a melhor intervenção para redução do LDL-C (96,3%), seguido por MIS + E (84,0%).
Colesterol HDL (HDL-C)
MIS + F parece ser a opção mais eficaz para aumentar HDL-C (86,9%), seguido por LIS + F (85,3%).
Eventos adversos totais
Pacientes que tomaram E, F e E + F apresentaram maior risco de eventos adversos totais em comparação com aqueles que tomaram MIS e MIS + E.
F e E + F foram associados a maior risco de eventos adversos totais em comparação com MIS + F. E + F foi associado a maior risco de eventos adversos totais em comparação com estatina de alta intensidade.
Reações adversas a medicamentos
Pacientes que tomaram F, E + F, MIS + F e HIS + F apresentaram maior risco de reações adversas medicamentosas.
Discussão
Estudos demonstraram que, comparado às estatinas de baixa intensidade, o uso de estatinas de alta intensidade leva a eventos adversos mais frequentes, enquanto a adição de ezetimiba parece ter menor risco de eventos adversos. Por muito tempo, a diferença na eficácia e tolerabilidade entre a combinação estatina de baixa intensidade + ezetimiba e estatina de alta intensidade tem sido motivo de preocupação. Uma metanálise de ensaios clínicos mostrou que a redução de LDL-C no grupo tratado com estatina + ezetimiba foi maior do que no grupo com monoterapia em dose dupla de estatina. Os resultados da metanálise em rede indicam que, comparado à monoterapia com estatinas ou ezetimiba, a combinação estatina + ezetimiba é mais eficaz na redução do LDL-C.
Além disso, a terapia combinada com estatina + ezetimiba após síndrome coronariana aguda (SCA) é conhecida por reduzir o risco de morte por causas cardiovasculares, eventos coronarianos maiores e AVCs não fatais. Estudos demonstram que iniciar tratamento combinado reduz mais a mortalidade por todas as causas em pacientes com SCA do que a monoterapia com estatina. Em pacientes diabéticos, a adição de ezetimiba à estatina reduziu eventos isquêmicos agudos (infarto do miocárdio e AVC isquêmico) em comparação com estatinas isoladas.
Adicionar fenofibrato é uma abordagem utilizada na dislipidemia mista. Uma metanálise prévia mostrou que a terapia combinada estatina + fibrato proporciona maior redução de CT, LDL-C e TG, e maior aumento do HDL-C do que estatinas isoladas. Os fibratos são usados principalmente em hipertrigliceridemia severa, mas seus benefícios cardiovasculares permanecem controversos. Em pacientes com doença renal crônica (DRC), a combinação de fibratos com estatinas pode reduzir o risco de infarto do miocárdio não fatal, mas não melhora significativamente os desfechos cardiovasculares maiores ou a mortalidade por todas as causas.
Nos desfechos de segurança, estatina de baixa intensidade + ezetimiba e estatina de alta intensidade + ezetimiba apresentaram maior risco de eventos adversos totais em comparação com estatina de intensidade moderada. Esta última demonstrou menor risco de reações adversas medicamentosas do que a de alta intensidade, sem diferenças significativas para os demais tratamentos.
A combinação estatina de intensidade moderada (ex.: rosuvastatina 10 mg) + ezetimiba é mais custo-efetiva do que estatina de alta intensidade isolada. Estudos indicam que essa combinação atinge reduções semelhantes de LDL-C, com menos efeitos colaterais, maior adesão e redução de custos relacionados a complicações.
O impacto de estatinas, fibratos e ezetimiba na qualidade de vida dos pacientes varia consideravelmente, refletido na adesão ao tratamento, carga de efeitos adversos e capacidade funcional. Os efeitos colaterais das estatinas (ex.: mialgia, alterações hepáticas) são os principais fatores que reduzem a qualidade de vida. Aproximadamente 1%–5% dos pacientes descontinuam o uso por mialgia, sendo a disfunção hepática mais comum com atorvastatina.
A ezetimiba, por sua vez, melhora a qualidade de vida devido ao seu mecanismo (inibição da absorção intestinal de colesterol) e baixo risco de efeitos colaterais. Sua combinação com estatinas permite reduzir a dose de estatina, diminuindo risco de mialgia e hepatotoxicidade, e aumentando a confiança do paciente no tratamento.
Os fibratos, pela necessidade de monitoramento frequente de fígado, rins e vesícula, aumentam a carga médica. Em pacientes com DRC, mesmo que a combinação com estatinas reduza o risco de infarto não fatal, não há melhora significativa em desfechos cardiovasculares globais, resultando em menor satisfação.
Portanto, considerando eficácia, segurança e custo-efetividade, a estatina de intensidade moderada + ezetimiba demonstrou os melhores resultados na redução de LDL-C; enquanto a estatina de intensidade moderada + fibrato mostrou melhores resultados no tratamento da dislipidemia mista. Neste estudo, ezetimiba isolada ou combinada com fibratos não demonstrou boa eficácia hipolipemiante e aumentou a incidência de eventos adversos.
Limitações
O estudo apresenta diversas limitações importantes. Primeiramente, para avaliar diretamente a eficácia e segurança das três classes de fármacos em monoterapia ou combinações entre si, foram excluídas outras associações medicamentosas, o que reduziu o número de estudos elegíveis e pode comprometer a representatividade clínica dos resultados. Além disso, potenciais vieses de publicação relacionados a autores não-nativos de inglês foram excluídos, o que pode ter levado à omissão de estudos relevantes. As diferenças entre os estudos incluídos — como tamanho da amostra, características basais dos pacientes e duração dos tratamentos — também podem ter influenciado os resultados obtidos.
A generalização dos achados também é limitada, uma vez que a amostra pode refletir apenas populações específicas. O estudo também se baseou exclusivamente em literatura publicada.
Uma limitação adicional diz respeito à variedade restrita de medicamentos avaliados: apenas três classes orais foram incluídas, desconsiderando fármacos mais modernos e amplamente utilizados na prática clínica, como os ácidos graxos ômega-3 de alta pureza.
Conclusão
A combinação de estatina de intensidade moderada + ezetimiba demonstrou eficácia favorável e segurança aceitável na redução de LDL-C, enquanto estatina de intensidade moderada + fibrato se destacou como a melhor opção no tratamento da dislipidemia mista.
Contudo, devido à variedade limitada de medicamentos analisados, decisões clínicas devem ser individualizadas, levando em consideração as condições globais de cada paciente.
Autoria

Juliana Avelar
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.