A insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp) representa mais da metade dos casos de insuficiência cardíaca e está associada a maior morbimortalidade, além de redução da capacidade funcional. A inflamação microvascular coronariana, desencadeada por comorbidades como o diabetes mellitus tipo 2 (DM2), é um dos principais mecanismos fisiopatológicos dessa condição.
O DM 2 é um fator de risco independente para ICFEp, contribuindo por meio da disfunção endotelial, estresse oxidativo, redução do óxido nítrico, remodelamento concêntrico do ventrículo esquerdo, fibrose intersticial e disfunção diastólica. A intolerância ao exercício é um dos principais sintomas da ICFEp, limitando a capacidade funcional e afetando negativamente a qualidade de vida. Nesses pacientes, observa-se redução significativa na distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (6MWD).
Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2), além de seu efeito hipoglicemiante, têm mostrado benefícios cardiovasculares relevantes: reduzem hospitalizações por insuficiência cardíaca, mortalidade cardiovascular e melhoram a qualidade de vida, inclusive em pacientes com ICFEp e DM2. Neste contexto, um estudo recentemente publicado avaliou o efeito da empagliflozina 10 mg na melhora dos sintomas de insuficiência cardíaca em pacientes com ICFEp.
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Metodologia
Trata-se de um ensaio clínico prospectivo, randomizado e aberto, realizado em um único centro, com 70 pacientes com DM2 e ICFEp, classificados como classe funcional II ou III da NYHA, fração de ejeção ≥ 50% e evidência de pressão de enchimento elevada em repouso ou durante o esforço. Os participantes foram divididos em dois grupos: empagliflozina 10 mg/dia (n = 35) ou tratamento padrão (n = 35), por um período de 6 meses. Todos receberam orientações sobre estilo de vida e foram acompanhados presencialmente e por telefone.
Critérios de inclusão: pacientes com DM2, ICFEp e disfunção diastólica documentada. Critérios de exclusão: insuficiência renal grave, doenças hepáticas significativas, cardiopatias estruturais relevantes ou outras condições que comprometessem o seguimento.
Apesar da randomização aberta, medidas como a restrição de acesso à alocação e a avaliação cega dos principais desfechos (6MWD, ecocardiografia com estresse diastólico e biomarcadores) foram adotadas para reduzir o viés de aferição.
O desfecho primário foi a variação na distância do teste de caminhada de seis minutos após seis meses. Desfechos secundários incluíram alterações no volume atrial esquerdo, razão E/e′ (indicador de pressão de enchimento ventricular), reservas cardíacas (diastólica, contratilidade atrial e cronotrópica) e níveis de peptídeo natriurético tipo B N-terminal (NT-proBNP) e receptor de interleucina tipo 1 solúvel (sST2). As avaliações seguiram métodos padronizados e foram realizadas por avaliadores cegos à alocação dos grupos.
Resultados encontrados e discussão
Após seis meses, o grupo empagliflozina apresentou melhora funcional significativa, com aumento médio de 16 metros no 6MWD, comparado a apenas três metros no grupo controle, diferença estatisticamente e clinicamente relevante. Além disso, observou-se melhora na função diastólica e nas reservas cardíacas. O grupo empagliflozina apresentou reduções significativas na razão E/e′ (em repouso e sob esforço), melhor contratilidade atrial e resposta cronotrópica, indicando melhor desempenho cardíaco sob estresse.
Quanto à qualidade de vida, os escores de sintomas foram menores no grupo intervenção, refletindo maior tolerância ao esforço. Biomarcadores como NT-proBNP e sST2 também apresentaram redução mais acentuada, sugerindo menor sobrecarga cardíaca e menor ativação neuro-hormonal. A perda de peso, embora modesta, foi estatisticamente significativa e pode ter contribuído para os efeitos observados.
Os dois grupos eram semelhantes em suas características iniciais, o que confirma a eficácia da randomização e reforça que os benefícios encontrados foram, de fato, atribuídos ao uso da empagliflozina.
Conclusão
Este estudo reforça o corpo de evidências já bem estabelecido na literatura médica quanto aos benefícios clínicos dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (SGLT-2), como a empagliflozina, no tratamento da insuficiência cardíaca. Os dados apresentados corroboram que essa classe de medicamentos promove melhora significativa na capacidade funcional, nos parâmetros ecocardiográficos e nos biomarcadores no grupo de pacientes estudados.
Sabidamente benéfico em pacientes com fração de ejeção reduzida, as evidências atuais mostram melhoria de sintomas também naqueles com fração de ejeção preservada, um grupo historicamente desafiador em termos terapêuticos.
Dessa forma, os iSGLT-2 consolidam-se como um dos pilares do tratamento da insuficiência cardíaca, contribuindo para redução da morbimortalidade, melhora dos sintomas e da qualidade de vida, especialmente em pacientes com DM2 e ICFEp.
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