Desde 2014 sem uma profunda atualização, as novas Diretrizes Brasileiras sobre angina instável e infarto agudo do miocárdio sem supradesnível do segmento ST – 2021 da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Diretrizes de SCA s/SST) foi elaborada com o intuito de adaptar as novas evidências científicas sobre o tema à realidade dos serviços de saúde brasileiros. As principais mudanças na prática clínica serão abordadas nesse texto.
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Troponina como principal marcador de necrose miocárdica.
Com o advento das técnicas de dosagem de troponina ultrassensível o diagnóstico de infarto do miocárdio se tornou mais preciso e rápido. A troponina é o biomarcador com maior especificidade de sensibilidade para o diagnóstico de lesão miocárdica, entretanto ela não é capaz de elucidar o mecanismo da lesão. Portanto para casos em que o infarto do miocárdio se dá pela isquemia muscular gerada pela obstrução das artérias coronárias deve-se aliar a troponina a um quadro clínico suspeito ou compatível, alterações eletrocardiográficas e um padrão de curva de ascensão da troponina.
A unidade usada para expressar os valores da troponina convencional é ng/mL, e na troponina ultrassensível, os valores podem ser expressos em ng/L, com poder de detecção 10 a 100 vezes maior que o das troponinas convencionais. O serviço que dispões dessa tecnologia não mais necessita dosar outros biomarcadores para o diagnóstico de infarto, tanto a troponina convencional, quanto a ultrassensível são suficientes, em conjunto com outras variáveis clínicas (quadro clínico, ECG) para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.
Quando a troponina ultrassensível estiver disponível, a dosagem sérica deve ser realizada na admissão e, idealmente, reavaliada em 1 hora ou até 2 horas. Caso indisponível, a troponina convencional deve ser coletada na admissão e repetida pelo menos uma vez, 3 a 6 horas após, caso a primeira dosagem seja normal ou discretamente elevada.
Em casos em que somente a troponina qualitativa (positiva ou negativa) ou nenhuma troponina esteja disponível a CK-MB massa pode ser utilizada. A mioglobina não é mais preconizada para o diagnóstico de SCA s/SST.
Trazendo o teste ergométrico para dentro do hospital
Em pacientes de baixo risco, sem alterações nos marcadores de necrose miocárdica com 9 a 12 horas de observação podem ser encaminhados ao teste ergométrico ainda na unidade hospitalar e não mais a nível ambulatorial. Este exame pode ser utilizado como critério de alta, pois sua normalidade está atrelada a um baixo risco de eventos cardiovasculares. No entanto, devem ser afastadas as situações de SCA de moderado a alto risco, doenças agudas da aorta, tromboembolismo pulmonar, miocardite e pericardite, pois são contraindicações absolutas para realização desse exame.
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Na impossibilidade de realização do TE ou ECG não interpretável (bloqueio de ramo esquerdo, marca-passo artificial, fibrilação atrial, sobrecarga ventricular esquerda etc.), o paciente pode ser submetido a exames provocativos de isquemia associados à imagem não invasiva.
Queda de recomendação da morfina venosa e benzodiazepínicos
A morfina venosa tem diversas consequências no organismo, além da possibilidade de depressão respiratória, a morfina pode propiciar a eventos cardiovasculares e arritmias, por isso sua recomendação caiu na nova diretriz, devendo ser usada apenas em casos refratários a outros analgésicos como nitratos e betabloqueadores. Os benzodiazepínicos, pelo mesmo princípio, tiveram seu nível de recomendação reduzido.
Nitrato sublingual preferencialmente
A nova diretriz coloca o nitrato venoso como máxima indicação apenas aos casos de dor refratária ao nitrato sublingual.
Queda na recomendação do uso de betabloqueadores
A falta de evidência na redução de desfecho duro, associado a possíveis complicações, como bradicardia e choque fez com que a recomendação dos betabloqueadores caísse de I para IIa. Sendo assim eles devem ser administrados nas primeiras 24 horas do infarto, na ausência de contraindicações.
Queda dos inibidores da GP IIb/IIIa
Com a retirada do abciximab do mercado aliado a falta de evidências clínicas houve redução da recomendação dos inibidores da GP IIb/IIIa. Portanto na estratégia conservadora, adição de tirofiban em pacientes que apresentam recorrência de sintomas isquêmicos na vigência de dupla antiagregação plaquetária oral e anticoagulação fica com recomendação IIb e nível de evidência C.
Conceito de pré-tratamento e o tempo ideal para o início dos inibidores P2Y12
A administração de um segundo antiagregante plaquetário, em conjunto ao AAS traria a possibilidade de alcançar inibição plaquetária eficaz e prevenção de maior agregação, sobretudo preparando e protegendo o paciente para estratégia invasiva, potencialmente reduzindo a extensão da trombose, risco de IAM recorrente e minimizando o risco de complicações relacionadas à ICP como trombose de stent e infarto periprocedimento. Essa estratégia foi nomeada como pré-tratamento pelas diretrizes europeias e trazida com o mesmo termo para brasileira. Entretanto a estratégia do pré-tratamento tem reconhecido impacto em aumentar o sangramento, seja ele associado a cirurgia de revascularização ou não o que agrega significativa morbidade aos pacientes com síndrome coronariana aguda.
Estudos como o PLATO, CURE e TRITON mostraram o benefício do pré-tratamento nessa população, entretanto, estudos subsequentes como PRELOAD, ARMIDA-5, ACCOAST, CREDO, DUBIUS e outras metanálises mostraram que não existe claro benefício do segundo antiagregante plaquetário na abordagem inicial, principalmente quando uma estratégia invasiva era proposta nos momentos seguintes. Sendo assim a escolha e o uso do segundo antiagregante pode ser protelado até o momento do cateterismo.
Pacientes com baixo risco de sangramento, sem proposta de estratégia invasiva precoce com risco moderado a alto na doença arterial coronariana pode ser beneficiar do pré-tratamento. É importante salientar que, na decisão de pré-tratamento sem anatomia conhecida, está contraindicado o uso de prasugrel.
Manejo dos inibidores P2Y12
A diretriz prioriza o uso do ticagrelor ou prasugrel em relação ao clopidogrel sempre que possível. Não há preferência pelo prasugrel como na diretriz europeia após o estudo ISAR REACT-5 que mostrou benefício maior com o uso dessa droga. A diretriz entende que as duas drogas têm maior poder sobre a agregação plaquetária em relação ao clopidogrel e que devem ser usadas conforme o contexto. Em pacientes renais ou com risco maior de sangramento o clopidogrel ainda é a melhor opção.
Anticoagulação
A indicação da heparina não fracionada (HNF) cai de I para IIa em pacientes obesos > 150 kg, ela pode ser usada na maioria das situações, mas demanda infusão contínua e dosagem de PTT para manter o alvo a cada 6 horas. O tempo de uso da heparina até o cateterismo fica mantido, sendo que nos grandes centros ela pode ser de pouca utilidade. Preferir o uso de enoxaparina à HNF em pacientes com clearance ≥ 15mL/min/1,73m²), a não ser que cirurgia de revascularização miocárdica esteja planejada para as próximas 24 horas. O Fondaparinux também aparece como opção viável a anticoagulação. A diretriz ainda recomenda o monitoramento do fator anti-Xa em pacientes com clearance entre 15 e 30mL/min e obesos com peso entre 100 e 150kg em uso de enoxaparina.
Novidades
A diretriz ainda versa que pacientes com suspeita de SCA s/SST e dor persistente, dispneia, palpitações ou síncope devem ser encaminhados para serviços de emergência idealmente monitorados em ambulância, o demais podem procurar os serviços por meios próprios.
O ECG deve ser repetido sempre que houver recorrência dos sintomas, e as derivações V3R-V4R, V7-V9 devem ser realizadas em pacientes que permanecem sintomáticos e apresentam ECG de 12 derivações não diagnóstico.
A técnica do descarte tripo (avaliação de dissecção de aorta, TEP e angiotomografia de coronárias em um mesmo exame) foi incorporada a diretriz com indicação IIb e nível de evidência B.
A introdução dos escores HEART, EDACS e ADAPT para estratificação de risco clínico, ainda sim enfatizando a história clínica, o exame físico e o ECG em 10 minutos.
Atenção especial deve ser dada aos níveis de glicemia e seu tratamento.
Por fim, pacientes com angina refratária e/ou instabilidade hemodinâmica e/ou elétrica (sem comorbidades graves ou contraindicações para esses procedimentos) devem ser levados ao laboratório de hemodinâmica o quanto antes.
Referências bibliográficas:
- Nicolau JC, Feitosa-Filho G, Petriz JL, Furtado RHM, Précoma DB, Lemke W, et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021. Arq Bras Cardiol. 2021. Disponível em: https://abccardiol.org/article/diretrizes-da-sociedade-brasileira-de-cardiologia-sobre-angina-instavel-e-infarto-agudo-do-miocardio-sem-supradesnivel-do-segmento-st-2021/
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