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Cardiologia20 julho 2022

Choque cardiogênico: classificação, características e mortalidade

A definição de padrões de populações e evolução do choque cardiogênico podem ajudar na criação de algoritmos para o manejo dos pacientes.

O choque cardiogênico apresenta grande morbidade e mortalidade e tem tratamento bastante heterogêneo. Em 2019 a Sociedade de Angiografia e Intervenção Cardiovascular propôs uma classificação para definir a gravidade do choque, categorizando os pacientes em 5 estágios, de A a E. Desde então a associação desses diferentes estágios com a mortalidade parece estar mais bem estabelecida.

Porém, o choque é dinâmico e os pacientes podem mudar de um estágio para outro. Além disso, os parâmetros de exame físico, alterações laboratoriais e hemodinâmicas utilizados para classificar o paciente não são uniformes. Sendo assim, é necessária uma melhor definição desses parâmetros, com utilização de informações facilmente acessíveis e aplicáveis, com significado clínico e que realmente façam diferença na prática.

Foi então feito um estudo com objetivo de refinar as definições de 2019. Os dados de pacientes em choque cardiogênico são documentados e analisados por um grupo chamado Cardiogenic Shock Working Group (CSWG) desde 2016, com informações de 17 centros nos EUA. A partir desses dados foram selecionados e validados parâmetros clínicos referentes a hipotensão e hipoperfusão, com objetivo de definir intervalos específicos para cada parâmetro utilizado na classificação dos estágios de choque. Além disso, foram obtidos dados sobre incidência e progressão do choque em relação ao estágio inicial da internação e feita a correlação entre mortalidade intra-hospitalar e estágio de choque inicial e máximo alcançado.

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Choque cardiogênico classificação, características e mortalidade

Métodos do estudo e população envolvida

Os dados obtidos foram os mais próximos possíveis da admissão e em momentos específicos ao longo da internação. Para o diagnóstico de choque era necessário ter pelo menos uma das alterações de forma sustentada: PA sistólica (PAS) < 90 mmHg por pelo menos 30 minutos, uso de drogas vasoativas (DVA) para manter PAS, índice cardíaco (IC) menor que 2,2 L/min/m2 na ausência de hipovolemia ou uso de dispositivo de assistência ventricular mecânico.

Entre 2016 e 2020 foram obtidos dados de 3.455 pacientes admitidos com diagnóstico de choque cardiogênico. Foram selecionados parâmetros específicos para definir a gravidade do choque: presença de PCR extra-hospitalar, nível de lactato, TGP, PAS ou PA média (PAM) e pH. Cada parâmetro foi avaliado de forma isolada em relação a mortalidade intra-hospitalar.

Os estágios de choque foram definidos de forma retrospectiva conforme os parâmetros a seguir:

  • Estágio B: hipoperfusão isolada (lactato 2-5 mmol/L ou TGP 200-500 U/L) OU hipotensão (PAS 60-90 mmHg ou PAM 50-65 mmHg) sem uso de DVA ou dispositivos.
  • Estágio C: hipoperfusão E hipotensão, com os mesmos critérios do estágio B, ou uso de 1 DVA (vasopressor ou inotrópico) ou 1 dispositivo.
  • Estágio D: hipoperfusão (lactato 5-10 mmol/L ou TGP > 500 U/L) E hipotensão (PAS 60-90 mmHg ou PAM 50-65 mmHg), ou uso de 2 a 5 DVA ou dispositivos. Este grupo também incluiu pacientes com 1 DVA ou 1 dispositivo com hipotensão e hipoperfusão persistentes apesar do tratamento.
  • Estágio E: hipotensão (PAS < 60 mmHg ou PAM < 50 mmHg) ou hipoperfusão (lactato > 10 mmol/L ou pH ≤ 7,2) ou necessidade de mais de 3 DVA ou 3 dispositivos. Este grupo também incluiu todos os pacientes com PCR extra-hospitalar.

Resultados

Os pacientes tinham idade média de 62 anos, 71% eram homens e 59% brancos. A causa do choque cardiogênico foi infarto agudo do miocárdio (IAM) em 32%, insuficiência cardíaca (IC) em 52% e outras causas em 16%.

Comparado aos pacientes com IC, os pacientes com IAM eram mais velhos e tinham maior prevalência de hipertensão e diabetes, menor prevalência de fibrilação atrial (FA), doença renal crônica (DRC) e valvopatias. Também tinham maior fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), PAM, lactato e TGP e menor frequência cardíaca (FC), pressão média da artéria pulmonar e níveis de creatinina.

A mortalidade intra-hospitalar geral foi de 35%, sendo maior nos pacientes com IAM comparado aos com IC (42% x 25%, p < 0,0001). A mortalidade foi maior nos pacientes que tiveram PCR extra-hospitalar, tanto no total quanto nos grupos com IAM e IC. Pacientes que morreram tinham mais comorbidades, maior pressão de enchimento ventricular e maior FC, menor PAM e menor índice de pulsatilidade da artéria pulmonar.

Houve associação direta da mortalidade intra-hospitalar com a intensidade do tratamento, ou seja, quanto maior a quantidade de DVA e dispositivos maior a mortalidade (OR 2,304, IC95% 2,13-2,49, p < 0,001). Isso ocorreu tanto em casos de IAM quanto IC. Cada parâmetro selecionado (PAS, PAM, lactato, TGP, pH) teve associação com a mortalidade e essa associação se manteve significativa após análise multivariada.

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Em relação aos diferentes estágios de choque, a maioria dos pacientes estava inicialmente em estágio D (23%) ou E (22,8%) e houve associação significativa com a mortalidade. Além do estágio inicial de choque, o pior estágio alcançado na internação também teve relação com maior mortalidade. Pacientes com IAM em choque inicialmente estágios D e E e os que atingiram os estágios C, D e E na internação tiveram mortalidade maior comparado aos com IC.

Quanto à progressão do choque ao longo da internação, 90% dos pacientes que chegaram em estágio B mudaram para uma categoria pior em uma média de 52 horas, 68% dos em estágio C pioraram em uma média de 103 minutos e 18% dos que chegaram em estágio D mudaram para estágio E em uma média de 178 horas. A piora até o estágio E, independente do estágio inicial teve relação com alta mortalidade e progredir para este estágio teve maior mortalidade que já chegar nele. Pacientes com IC demoraram mais para progredir de estágio em relação aos pacientes com IAM.

Comentários e conclusão

Este estudo trouxe resultados interessantes:

  • A mortalidade de pacientes em choque cardiogênico foi maior quando a causa era IAM comparado a IC e as características de base desses dois grupos de pacientes eram diferentes.
  • Houve associação de mortalidade com ocorrência de PCR extra-hospitalar, com intensidade de tratamento e com cada parâmetro de hipotensão e hipoperfusão avaliado de forma isolada. Além disso, esses parâmetros foram facilmente utilizados para classificar os pacientes nos diferentes estágios de choque e conseguiram auxiliar na detecção de pacientes em perfil B sem hipotensão, o que possibilita início de tratamento mais precoce.
  • A progressão do estágio inicial de choque para um pior foi comum e o tempo para essa progressão variou a depender do estágio inicial e a depender da causa do choque, pacientes com IC demoraram mais para evoluir com piora que pacientes com IAM.

Apesar de ter sido um estudo observacional e retrospectivo, que não permite excluir possíveis fatores de confusão, esses resultados mostraram uma classificação mais objetiva do choque cardiogênico e características diferentes dos pacientes a depender da sua causa.

A definição de padrões de populações e evolução do choque podem auxiliar na criação de algoritmos para melhorar o manejo desses pacientes e os parâmetros de definição de choque, agora mais bem definidos, ajudaram no diagnóstico, o que possibilita o tratamento e estabilização mais precoces, auxiliando na redução de progressão do choque, que teria consequente redução da mortalidade.

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Referências bibliográficas

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