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Cardiologia31 julho 2025

Cateterização Cardíaca Direita: Indicações e como interpretar

Entenda quando indicar e como interpretar a cateterização cardíaca direita na IC, HP, choque e transplante. Evidências e boas práticas.
Por Isabela Abud Manta

A cateterização do coração direito tem papel crucial na insuficiência cardíaca (IC), tanto no cenário ambulatorial quanto na avaliação de pacientes em choque cardiogênico, candidatos a dispositivos de assistência ventricular esquerda (DAVE) e candidatos a transplante cardíaco. 

O primeiro cateter de artéria pulmonar foi utilizado em 1970 e em 1971 surgiu a medida de débito cardíaco (DC) por termodiluição. Em seguida, as medidas de pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) e do DC foram reconhecidas como medidas essenciais para o diagnóstico de IC aguda pós infarto. Porém, nas décadas seguintes seu uso diminuiu, apesar de trazer benefício em situações específicas. 

Recentemente foi publicada uma revisão sobre esse procedimento, suas principais indicações e orientações sobre interpretação. A seguir, encontram-se os principais pontos comentados. 

cateterização

Metodologia 

Para a correta interpretação dos resultados é essencial aderir às melhores práticas, já que pequenos desvios dos protocolos podem levar a variação significativa das medidas, gerando resultados não verdadeiros da resistência vascular pulmonar (RVP) e resistência vascular sistêmica (RVS), o que pode ser prejudicial ao paciente.  

Seguem algumas considerações importantes em relação às medidas: 

  • O paciente deve estar na posição supina; 
  • O acesso deve ser pela veia jugular direita preferencialmente; 
  • O sistema deve ser zerado na altura do nível médio da caixa torácica, que corresponde à altura do átrio esquerdo; 
  • Todas as medidas devem ser interpretadas ao final da expiração, não forçada. 

A medida do DC deve ser realizada pelo método de Fick (padrão ouro). Caso não seja possível, utiliza-se o método de termodiluição, atentando-se às contraindicações (presença de shunts intra ou extra cardíacos) e considerando-se a média de 3 a 5 medidas com variação menor que 10%. Na prática utiliza-se mais a medida do índice cardíaco (IC), que considera o DC em relação à superfície corpórea.  

A RVP é calculada subtraindo-se a POAP da pressão arterial pulmonar média (PAPm) e dividindo-se o resultado pelo DC. Cuidado: medidas superestimadas do DC podem levar a valores menores de RVP e medidas subestimadas do DC podem levar a valores maiores de RVP, o que é causa comum de uso inapropriado de vasodilatadores pulmonares.  

O valor normal da POAP é considerado 15mmHg na maioria dos estudos e diretrizes, porém estudos mais recentes mostraram limite normal até 12-13mmHg, com valores um pouco maiores nas mulheres que nos homens.  

Sua medida deve ser realizada ao final da expiração, imediatamente antes da onda C e é praticamente idêntica à pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE). Caso a onda C não seja visível, podemos nos guiar pelo eletrocardiograma. A medida da saturação de oxigênio (SO2) na região do cateter onde se obtém a POAP auxilia na confirmação de que a medida está adequada.  

Regras práticas: a POAP é sempre igual ou menor que a PAP; ondas A e V devem ser claramente visíveis. 

A medida da POAP e RVP podem ser influenciadas pelo status volêmico do paciente, com a POAP falsamente baixa após diurese ou alta no paciente descompensado. Em alguns casos pode ser necessário um teste provocativo com fluidos para identificar POAP falsamente baixa. 

É importante avaliar a saturação arterial de oxigênio e a saturação venosa mista de oxigênio (SVO2), que deve ser ≤ 75%. Caso maior, devemos suspeitar de shunt esquerda-direita e novas avaliações são necessárias. 

Segurança do procedimento 

O procedimento é considerado seguro, com eventos adversos próximo de 1% em centros experientes, sendo a complicação mais temida a perfuração da artéria pulmonar. A mortalidade é muito baixa, de 0,055%.  

Contraindicações relativas são presença de trombo ou tumor no átrio ou ventrículo direito (VD), marcapasso implantado há menos de 1 mês, valva mecânica do lado direito, TriClip e infecção aguda. 

O posicionamento incorreto do balão do cateter pode fornecer medidas erradas, assim como cateter com dobras, trombo, ar no sistema, perda de conexões e formato arredondado da curva da pressão arterial. Essas ocorrências são mais frequentes quando o exame é realizado a beira leito. 

Indicações e interpretação 

  • IC crônica 

Tem papel no diagnóstico de disfunção esquerda, direita ou biventricular e no diagnóstico etiológico de cardiomiopatias e doenças pericárdicas. Padrão ouro para diagnosticar e classificar a hipertensão pulmonar e usado para avaliar shunts cardíacos congênitos. Também pode ser utilizado para confirmar o diagnóstico de IC com fração de ejeção preservada (FEP) e na suspeita de IC por pericardite constritiva, cardiomiopatia restritiva, doenças congênitas e estados de alto débito.  

Hipertensão pulmonar (HP) é definida como PAPm > 20mmHg em repouso. Quando a POAP é ≤ 15mmHg com RVP > 2 unidades woods (UW) sugere HP pré capilar, vista em pacientes com HP e IC direita, associada a doença pulmonar ou tromboembolismo crônico. 

POAP > 15mmHg sugere HP pós capilar, que pode ser isolada (RVP ≤ 2UW) ou combinada pré e pós capilar (RVP > 2 UW). A IC esquerda, tanto em pacientes com ICFEP quanto IC com fração de ejeção reduzida (FER) geralmente leva a POAP > 15mmHg. No início do quadro o DC costuma estar normal, porém diminui com a evolução da doença, que pode levar a consequente disfunção direita, com aumento da pressão no átrio direito (PAD) e congestão sistêmica. 

A disfunção biventricular decorrente da IC esquerda costuma ser caracterizada por FEVE reduzida, disfunção do VD leve a moderada, PAPm aumentada (25-35mmHg), POAP > 15mmHg, PAD > 8mmHg e RVP um pouco aumentada (2-5 UW).  

Já no subgrupo onde há predomínio da IC direita, ocorre aumento mais importante da PAPm (> 35mmHg), POAP > 15mmHg, PAD > 12mmHg e RVP > 5 UW, com índice cardíaco muito reduzido (< 2,2L/min/m2), insuficiência tricúspide importante e disfunção grave do VD. 

As medidas citadas até aqui também podem auxiliar no diagnóstico de IC latente, principalmente ICFEP, quando as medidas de pressões ainda são normais no repouso, porém podem se alterar no exercício ou com provas volêmicas. 

  • IC aguda 

Os achados são de POAP > 15mmHg, IC ≥ 2,5L/min/m2, que pode ficar mais reduzido nos casos mais graves. A pressão arterial (PA) normalmente está mantida. Na IC direita aguda, o paciente apresenta PAOP normal ou pouco aumentada (<18mmHg), IC < 2,5L/min/m2, PA reduzida e PAD > 8mmHg. Já na disfunção biventricular ocorre POAP > 15mmHg, PAD > 8mmHg, IC < 2,5L/min/m2 e PA reduzida. Nesse caso geralmente a RVP/POAP é > 0,5.  

Dependendo da apresentação, as medidas podem auxiliar na titulação de vasopressores e avaliação da volemia. 

  • Choque cardiogênico 

Definido como disfunção miocárdica grave que leva a DC inadequado e hipoperfusão sistêmica apesar de status volêmico adequado. As medidas nessa situação mostram DC reduzido, altas pressões de enchimento e alta taxa de extração de oxigênio. A avaliação da SVO2 também auxilia e todos os parâmetros em conjunto classificam os pacientes nos estágios A a E do choque cardiogênico.   

O melhor momento para avaliar os pacientes nessa situação não é bem definido, porém uma utilização mais precoce parece levar a menor ocorrência de insuficiência renal, maior uso de suporte circulatório mecânico, menor tempo de internação e menor taxa de readmissão. Alguns estudos sugerem benefício em mortalidade, que seria decorrente de utilização de dispositivos de assistência ventricular mais precocemente. 

  • Doença valvar 

O exame geralmente é indicado quando os exames não invasivos são inconclusivos ou discordantes, principalmente quando intervenção está sendo considerada. Se o critério para intervenção é presença de HP vista no ecocardiograma, é recomendado que a HP seja confirmada pela cateterização direita. 

  • Avaliação para transplante cardíaco 

O procedimento tem objetivo de avaliar a presença de HP e gravidade da IC, tanto na avaliação inicial como periodicamente até que o transplante ocorra, o que possibilita ajustes medicamentosos e estima o risco de IC direita pós transplante. 

Quando o paciente está na lista de transplante, a recomendação é que seja repetido a cada 3 a 6 meses, com teste com vasodilatador, ou mais frequentemente se indicado. Caso o paciente tenha pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) ≥ 50mmHg com RVP ≥ 3 UW o transplante não pode ser realizado. Se com o vasodilatador, houver queda da RVP para valores < 3 UW com manutenção de PA sistólica > 85mmHg, o paciente pode ser listado. Caso a PA sistólica caia também, o risco de IC direita é muito alto e o paciente deve ser avaliado para DAVE, que também tem cortes específicos de medidas. 

Comentários e conclusão 

A cateterização direita é exame invasivo, apresenta indicações específicas e quando bem aplicada pode ser de grande auxílio na prática clínica. Atualmente, continua sendo o padrão ouro para obtenção de medidas de POAP, PAPm, DC e RVP. Existem novas tecnologias em desenvolvimento com objetivo de obter essas medidas de forma não invasiva, sendo esse um campo que ainda necessita de muito estudo e pode trazer novidades nos próximos anos.  

Veja mais: Você dá importância para a insuficiência do ventrículo direito?

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Referências bibliográficas

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