Em uma reportagem recente em nosso portal, Juliana Festa comentou um artigo da Hypertension sobre “não-adesão” ao tratamento antihipertensivo na Inglaterra e na República Tcheca, mostrando as taxas de prevalência e os fatores associados. Hoje, vamos nos aprofundar um pouco mais no assunto, sempre com foco prático.
Adesão é um aspecto importante no tratamento de qualquer doença, mas que ocupa menos de 2 minutos nas consultas: “o senhor está tomando os remédios direitinho? Algum está faltando?”. E um mero sim/não nos conforta (ou não) sobre o uso correto do tratamento.
Primeiro, é importante frisar que a adesão diz respeito ao tratamento como um todo: dieta, medidas não farmacológicas, medicação e, para parte dos autores, até a realização de exames e comparecimento à consulta. Segundo conceito: menor adesão apresenta associação com pior prognóstico → maior mortalidade! Logo, é um risco real e concreto no longo prazo. Para piorar, estima-se que no tratamento da HAS, 40% dos pacientes não seguem as recomendações médicas devidamente. No Brasil, os dados variam conforme a região, com taxas de não-adesão de 20 a 80%!!
O próximo passo agora é identificar os fatores associados à não-adesão, isto é, qual é o perfil de paciente para o qual devo estar mais atento? Há controvérsias entre os estudos, mas a maior parte da literatura aponta para os fatores do quadro 1.
Quadro 1. Fatores de risco para não-adesão ao tratamento antihipertensivo
- Idade
- Nível educacional
- Prescrição de diurético
- Polifarmácia
- Maior número de tomadas diárias
- Comorbidade psiquiátrica
- Disability
- Presença de múltiplas comorbidades
Diante da suspeita de não-adesão, um questionário pode ser uma ferramenta fácil para screening inicial. Uma dica pessoal: o paciente que sabe os remédios que toma – diz nome e posologia – provavelmente está usando de fato as medicações. Mas se o paciente não souber, fortes suspeitas estão lançadas.
Dos diversos questionários padronizados, no Brasil é muito comum o uso do Morisky Adherence Questionnaire (MAQ), que tem versões com 4 ou 8 perguntas. Quanto mais itens, melhor sua acurácia, mas piora a aplicabilidade prática. Outra opção também bastante usada é o Brief Medication Questionnaire. Um problema dos questionários é a superestimativa da adesão, estimada em 20%. A maior causa é que os pacientes dizem estar tomando as medicações para agradar ao médico e o receio de “sofrerem punições”.
Por conta das limitações dos questionários, outras formas objetivas (ou diretas) de avaliação da adesão são recomendadas pelos pesquisadores, sendo as mais comuns:
- Controle da distribuição nas farmácias: em muitos países, pelo registro (ex: número do SUS) é possível saber se o paciente retirou a quantidade necessária de comprimidos. O problema é que não temos como saber se de fato ele os ingeriu de modo correto.
- Contagem de pílulas/cartelas: é fornecida uma quantidade certa da medicação e no retorno, conta-se quantos comprimidos foram usados. É o método mais usado nos ensaios clínicos patrocinados pela indústria.
- Tomada por observação direta: é o “tratamento supervisionado”, muito usado nos pacientes em tratamento para tuberculose e condições sociais ruins.
- Dosagem bioquímica no sangue e urina: é o padrão-ouro, porém o menos factível na vida real.
Para o futuro, está em desenvolvimento comprimidos eletrônicos que emitem sinal WiFi quando em contato com suco gástrico!
Agora que você já sabe se o paciente está usando a medicação corretamente ou não, o que fazer? Há poucos estudos bons sobre intervenções para aumentar a adesão, uma vez que os fatores da vida cotidiana influenciam muito nesse aspecto e são difíceis de controlar em um ensaio clínico. Mesmo assim, a Tabela 1 traz as principais recomendações para melhorar a adesão do seu paciente ao tratamento proposto:
Tabela 1. Medidas para aumentar adesão ao tratamento antihipertensivo
Simplifique posologia | Reduza número de medicações |
Prefira combinações de fármacos em um único comprimido | |
Faça, no máximo, duas tomadas diárias (manhã/noite) | |
Se possível, use as mesmas medicações nas duas tomadas. Exemplo: 01 cp losartana 50 mg e 01 cp anlodipino 5 mg de 12/12h – “um de cada de manhã e de noite” | |
Envolva o paciente no tratamento | Explique o tratamento: importância e metas |
“Aconselhamento”: discuta sobre as medicações em uso e o porquê delas, em linguagem simples (não é aula de farmacologia!) | |
“Concordância”: não insista com um medicamento que o paciente associa a efeito colateral, mesmo que você não veja relação direta. Ex: se o paciente acha que enalapril causou tonteira e boca seca, tente outro iECA ou um BRA | |
Medidas rotineiras da PA em domicílio (“auto-monitoramento”) | O paciente que participa do tratamento em geral tem melhor adesão. Cuidado só para ele não medir apenas “quando passar mal”. Tente adaptar uma MRPA, padronizando as medidas |
Envolva a família no tratamento | É especialmente importante em idosos, pacientes com deficiência visual ou auditiva e naqueles com baixa escolaridade |
Acompanhamento por telefone | Há estudos com mensagens de texto e alarmes de smartphones lembrando o paciente do horário das medicações |
Outra forma de lembrar das ações para aumentar a adesão ao tratamento é o mnemônico SIMPLE:
Simplifique posologia
Intensifique a oferta de conhecimento sobre a patologia para o paciente
Modificar crenças e mitos
Promover melhora da comunicação entre médico, paciente e familiares
Levar em consideração aspectos demográficos
Evolução da aderência
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Referências:
- Gupta et al. How to Screen for Non-Adherence to Antihypertensive Therapy. Curr Hypertens Rep. 2016 Dec;18(12):89.
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