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Cardiologia8 janeiro 2020

Análise da avaliação cardiovascular em atletas

O artigo fala do acompanhamento de jogadores de futebol com objetivo de identificar eventos cardiovasculares, considerando a avaliação cardiovascular.

Nesta primeira coluna de 2020, tecerei alguns comentários sobre o artigo Cardiovascular incidents in male professional football players with negative preparticipation cardiac screening results: an 8-year follow-up, de Hilde Moseby Berge, Thor Einar Andersen, Roald Bahr, 2019.

Avaliação cardiovascular em atletas

O artigo demonstra o acompanhamento, durante oito anos, de 595 jogadores profissionais noruegueses de futebol com objetivos de identificar eventuais incidentes cardiovasculares (CV), considerando um corte de triagem cardíaca pré-participação.

O rastreio cardíaco teve início na preparação, de fevereiro a abril de 2008, com 604 (seiscentos e quatro) atletas profissionais de futebol masculino de 28 (vinte e oito) das 30 (trinta) equipes da elite norueguesa e das ligas da primeira divisão.

O atletas foram submetidos a exames cardíacos de pré-avaliação, conforme exigido pela Union of European Football Associations (UEFA), durante a pré-temporada em La Manga, Espanha. Os exames incluíram a história de sintomas relacionados às doença cardiovascular (DCV) durante o esporte, história familiar de DCV, medidas da pressão arterial, eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma, conforme determinação da UEFA e FIFA.

Antes da triagem, foi realizado um treinamento, para os cardiologistas envolvidos, sobre as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) de 2005 para eletrocardiogramas de atletas. Os jogadores foram autorizados a jogar ou não pelo cardiologista no local, aplicando os critérios do protocolo recomendado na época. Poucas semanas após a triagem, a maioria dos ECGs foi reexaminada por um dos cinco cardiologistas seniores.

Conforme a análise da coorte, dos 4604 jogadores profissionais de futebol masculino foram selecionados e 595 (98,5%) concordaram em participar do estudo (idade: 25 anos, 18-40; 504 brancos caucasianos, 49 negros e 42 outra etnia). Desses, 563 (94,6%) apresentaram resultados negativos e 32 (5,4%) resultados positivos de triagem. Dois jogadores (ambos com hipertensão grau II e hipertrofia do ventrículo esquerdo na ecocardiografia) não foram autorizados a jogar, mas foram liberados após tratamento apropriado.

Os 30 (trinta) jogadores restantes com resultados positivos de triagem foram autorizados a jogar, mas novas investigações foram recomendadas.

Resultados

Seis (1,0%) jogadores, todos brancos caucasianos, sofreram incidentes cardiovasculares (CV) durante o período de oito anos após a triagem. Três jogadores sofreram SCA (63 por 100.000 atletas anos). Os três jogadores que experimentaram SCA foram ressuscitados com sucesso, dois com o uso de desfibriladores externos automáticos (DEA). Os outros três jogadores sofreram infarto do miocárdio, ataque isquêmico transitório (AIT) e flutter atrial.

Leia também: Estatinas antes de angioplastia previne eventos cardiovasculares?

O artigo demonstrou que três dos jogadores apresentaram dor torácica ignorada, paresia, dispneia ou quase-síncope e dois destes completaram a partida antes de procurar assistência médica. Além do atraso no reconhecimento dos sinais e sintomas, o tratamento adequado foi atrasado após apresentação médica e hospitalar em três casos.

Todos os seis jogadores apresentavam índice de massa corporal, pressão arterial e frequência cardíaca normal durante a triagem. Os resultados das avaliações pré-participação foram dados como negativos, tanto no local da consulta quanto na revisão do cardiologista sênior, onde 80% dos ECGs foram reexaminados.

A interessante análise dos autores revelam que na avaliação retrospectiva do ECG houve clara anormalidade, como: inversões da onda T para todos os três conjuntos de critérios de ECG; e ondas Q anormais de acordo com os critérios de Seattle de 2013, mas não de acordo com os critérios europeus de 2005 ou os critérios internacionais de 2017 como na figura 2 do artigo.

Logo, o estudo aponta que seis (1/100) jogadores profissionais de futebol que foram autorizados a jogar após resultados negativos na triagem cardíaca apresentaram incidentes graves de CV. Três desses eventos foram SCAs. Este é o primeiro estudo de acompanhamento a longo prazo de DCV grave, incluindo síndrome coronariana aguda e displasia arritmogênica de VD, em um grupo homogêneo de atletas adultos que foram liberados para jogar após uma triagem cardíaca única.

Porém espera-se, principalmente, que os protocolos de triagem cardíaca periódica relacionado ao esporte detecte doenças hereditárias dos canais iônicos, vias elétricas acessórias, manifestações de cardiomiopatia, valvulopatias e defeitos de septo congênito.

Algumas limitações devem ser apontadas como o programa de triagem da FIFA/UEFA da época que exigia apenas um único exame. Outra razão para resultados falso-negativos está na má interpretação do médico, como descrito abaixo pelo artigo:

“Muitos estudos se concentraram na capacidade dos médicos de interpretar ECGs. Drezner et al mostraram que médicos de atenção primária, médicos de medicina esportiva e cardiologistas estavam corretos em apenas 73%, 78% e 85% dos casos, respectivamente. Após a implementação de um programa educacional que incluía uma ferramenta de critérios de ECG de duas páginas para orientar interpretação, os diagnósticos corretos aumentaram para 90%, 91% e 96%, respectivamente.”

Conclusões

Isso nos faz repensar a questão de periodicidade das avaliações e atenção a queixas do atleta. Vale lembrar que a cardiomiopatia hipertrófica é a causa mais comum de morte em jovens atletas e a cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é causa comum de morte súbita na Itália. Ambas as condições se desenvolvem com a idade.

Portanto, a triagem deve ser repetida sempre. Em atletas mais velhos (> 35 anos), a cardiopatia isquêmica é a causa mais comum de SCA, mas, geralmente, não é detectada durante a triagem, mesmo se um teste ergométrico for incluído.

Conclui-se que a triagem cardíaca pré-participação deve ser abrangente (como descrito na Diretriz Brasileira de Cardiologia do Esporte e Medicina do Esporte), pois no estudo em análise seis dos 595 jogadores sofreram incidentes cardiovasculares. Assim sendo, os jogadores e supervisores, médicos ou não, na maioria das vezes, ignoram os sintomas do atleta. Com isso, normalmente eles receberam assistência médica atrasada levando a problemas graves.

Portanto, é importante relembrar aos atletas e comissões técnicas que um exame de triagem normal não protege contra todas as doenças cardíacas e que a notificação oportuna dos sintomas é sempre essencial.

Referência bibliográfica:

  • Berge HM, Andersen TE, Bahr R. Cardiovascular incidents in male professional football players with negative preparticipation cardiac screening results: an 8-year follow-up. Br J Sports Med. 2019 Oct;53(20):1279-1284. doi: 10.1136/bjsports-2018-099845
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