No segundo dia do congresso da American Heart Association tivemos mais trabalhos relacionados ao tratamento da fibrilação atrial (FA). Um deles avaliou o uso de metformina como tratamento adjunto à ablação por cateter e o outro avaliou a dapagliflozina no mesmo contexto.
Abaixo seguem os principais pontos sobre o META-AF, que avaliou a utilização da metformina e, após, o DAPA-AF, que avaliou a utilização da dapagliflozina.
A obesidade é um fator de risco bastante frequente em pacientes com FA e tem tanto relação com o aumento do risco, quanto sua progressão e falha da ablação por cateter. Algumas coortes observacionais e modelos experimentais mostraram que a metformina pode ter papel na redução de FA e em estudos randomizados de pacientes sem diabetes foi associada a perda de peso e redução da massa do ventrículo esquerdo.
Esse foi o embasamento para a realização do META-AF, que teve como hipótese que o tratamento com metformina em pacientes não diabéticos e com índice de massa corpórea (IMC) ≥ 25 kg/m2 reduziria a recorrência de arritmias atriais após ablação por cateter.
Foi estudo randomizado, aberto e com grupos paralelos que incluiu pacientes com IMC ≥ 25 kg/m2 e FA paroxística ou persistente submetidos a ablação. A metformina era iniciada 0-6 semanas antes do procedimento e otimizada até a dose máxima tolerada, com máximo de 1000mg 2x ao dia. Além disso, todos os pacientes recebiam orientações sobre mudanças de estilo de vida.
A ablação era realizada por isolamento das veias pulmonares na região antral e os pacientes eram monitorizados em relação a sintomas e eletrocardiograma (ECG). O desfecho primário era recorrência de arritmias atriais > 30 segundos em 12 meses de seguimento.
Foram incluídos na análise final 49 pacientes no grupo metformina + ablação e 50 pacientes no grupo ablação. No grupo metformina + ablação os pacientes tinham idade média de 62 anos, a maioria era do sexo masculino (76%), o IMC foi de 32,1, hemoglobina glicada de 5,6%. Já no grupo ablação a idade média era de 63,2 anos, 64% eram do sexo masculino, o IMC foi de 32,8 e a hemoglobina glicada de 5,7. Todos sem diferença estatística.
Do total de pacientes, quase metade tinha FA paroxística e os fatores de risco foram bastante semelhantes, exceto por doença coronária, que ocorreu em 31% no primeiro grupo e 16% no segundo. As características da ablação também foram bastante parecidas entre os grupos, assim como a monitorização dos pacientes no seguimento.
O desfecho primário mostrou menor recorrência de arritmia no grupo que usou metformina, com HR 0,50 (IC95% 0,2-0,9) e p=0,04. Na análise de desfechos secundários, a carga de FA também foi estatisticamente menor no grupo que utilizou metformina (8% x 16%). A perda de peso foi semelhante nos dois grupos, assim como a melhora da qualidade de vida.
Apesar de ser um estudo pequeno, unicêntrico e aberto, os resultados sugerem que a metformina pode auxiliar na redução de recorrência de arritmias atriais após ablação de FA em pacientes com sobrepeso e/ou obesidade.
A medicação foi bem tolerada pela maioria dos pacientes e não houve grandes mudanças em relação ao peso e controle glicêmico nos dois grupos. Mais estudos são necessários para confirmar esses resultados, porém a medicação pode ser uma opção para auxiliar o tratamento desses pacientes.
Já o DAPA-HF se embasou no fato de inibidores de iSGLT2 mostrarem diversos benefícios cardiovasculares e nas análises post-hoc dos estudos houve sugestão de que seu uso poderia reduzir o risco de FA em pacientes diabéticos. Porém, até o momento não havia estudos avaliando especificamente pacientes neste contexto.
Foi estudo que incluiu pacientes de 18-80 anos, com diagnóstico de FA persistente com programação de ablação por cateter. Os pacientes eram randomizados 24 horas após a ablação para receber dapagliflozina 10mg 1x ao dia por três meses ou tratamento habitual. O desfecho primário era carga de FA em três meses e os desfechos secundários eram recorrência de FA três meses pós ablação, alterações ecocardiográficas relacionadas ao átrio esquerdo e qualidade de vida em três meses.
Foram randomizados 100 pacientes para cada grupo, que tinha características semelhantes entre si, com idade média 58-59 anos, maioria do sexo masculino e prevalência semelhante de comorbidades. O procedimento de ablação também foi semelhante e a aderência ao uso da dapagliflozina foi boa.
Em relação aos desfechos, não houve diferença entre os grupos dapagliflozina e tratamento habitual, nem em relação a carga de FA, nem em relação a recorrência da FA, alterações no ecocardiograma ou qualidade de vida.
Algumas limitações foram que o estudo foi pequeno, com tempo de seguimento bastante curto, de 3 meses. Além disso, o estudo foi aberto, com chance de viés, e os pacientes foram avaliados com eletrocardiograma e não método com maior probabilidade de detecção de arritmias. Porém, não parece haver benefício da dapagliflozina nesse contexto.
Autoria

Isabela Abud Manta
Editora médica de Cardiologia da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Atua nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.
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