Parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar é responsável por pelo menos 350 mil mortes anualmente na América do Norte e dessas, quase 100 mil ocorrem por fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TVSP). Apesar dos avanços na tecnologia e uso dos desfibriladores, quase metade desses pacientes apresenta FV refratária apesar de múltiplas tentativas de desfibrilação e o uso de amiodarona ou lidocaína também não parece trazer grandes benefícios.
Já foram descritas algumas técnicas diferentes de desfibrilação, sendo elas:
- Dois choques sequenciais realizados rapidamente por dois desfibriladores com as pás posicionadas em duas posições diferentes, anterolateral e anteroposterior (double sequential external defibrilation – DSED)
- Mudança da posição das pás da posição ântero-lateral para ântero-posterior, chamada técnica de mudança de vetor (vector-change – VC)
Estudo DOSE VF
Essas técnicas foram descritas em relatos de casos, estudos observacionais e revisões sistemáticas com resultados controversos na resolução da arritmia. Foi feito então um estudo, apresentado no congresso da AHA, chamado DOSE VF, com objetivo de comparar essas duas técnicas à desfibrilação padrão em pacientes com FV refratária e com PCR extra-hospitalar.
Métodos do estudo
Foi estudo randomizado em três grupos que incluiu pacientes do Canadá de 2018 a 2022: grupo de desfibrilação convencional, grupo DSED e grupo VC.
Os critérios de inclusão eram pacientes com mais de 18 anos com PCR extra-hospitalar com FV refratária e causa cardíaca presumida. FV refratária foi definida como ritmo inicial de FV ou TVSP ainda presente após três checagens de ritmo consecutivas e realização de desfibrilação convencional.
Todos os pacientes recebiam atendimento inicial padronizado, sendo os três primeiros choques com a desfibrilação convencional e a partir daí seguiam a randomização, com as técnicas descritas acima.
O desfecho primário foi sobrevida na alta e os desfechos secundários eram término da FV (ausência de FV no ciclo seguinte), retorno de circulação espontânea e bom desfecho neurológico na alta (escala de Rankin 0, 1 ou 2).
Resultados
Foram incluídos 405 pacientes, 136 no grupo de tratamento padrão, 144 no grupo VC e 125 no DSED. A idade média era 63,6 anos e 84,4% eram homens. No geral, 67,9% das PCR foram presenciadas e 58% receberam reanimação cardiopulmonar (RCP), sendo que o tempo para desfibrilação foi semelhante entre os grupos.
Em relação ao desfecho primário, ocorreu em 38% dos pacientes do grupo DSED, 21,7% no grupo VC e 13,3% no tratamento padrão, com diferença estatística entre eles. Também houve diferença em relação ao desfecho secundário, com maior benefício no grupo DSED e VC em relação a desfibrilação convencional.
Comentários e conclusão
Neste estudo foi visto que pacientes submetidos a desfibrilação com as técnicas DSED e VC tiveram maior chance de sobreviver à alta hospitalar, assim como maior probabilidade de resolução da FV, retorno de circulação espontânea e de desfecho neurológico melhor, comparado a desfibrilação padrão.
O tempo para a desfibrilação e utilização de epinefrina e antiarrítmicos no atendimento da PCR foi semelhante entre os grupos, não sendo possível atribuir os melhores resultados a algum desses fatores.
Apesar de ser um estudo de alta qualidade, com grupos randomizados e realização de RCP de alta qualidade por equipe treinada, o número de eventos foi baixo e esses resultados precisam ser confirmados por estudos maiores. Além disso, a utilização da técnica DSED na prática pode ficar limitada pela necessidade de dois aparelhos desfibriladores, sendo que a técnica VC parece mais factível.
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