ACC 2024: Podemos manter paciente com IAM apenas com ticagrelor após angioplastia?
Pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) tem risco aumentado de óbito e infarto agudo do miocárdio (IAM) comparado aos pacientes com doença coronária crônica. Esses pacientes têm benefício de revascularização precoce seguida de dupla antiagregação plaquetária (DAPT) com aspirina associada a um inibidor de P2Y12 por 12 meses, com objetivo de reduzir risco de IAM e trombose de stent. Porém, a dupla antiagregação aumenta o risco de sangramento.
A monoterapia com inibidor de P2Y12 tem sido estudada após intervenção coronária percutânea (ICP) e parece que o uso de DAPT por seis meses ou menos foi associado a menor risco de sangramento e morte nos pacientes com SCA.
Foi então realizado um estudo com DAPT por apenas um mês seguida de monoterapia com ticagrelor, com objetivo de avaliar se essa estratégia reduziria sangramento maior sem aumentar eventos isquêmicos. Foi o estudo ULTIMATE-DAPT, apresentado no congresso do American College of Cardiology.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo randomizado, placebo controlado, duplo cego realizado em 58 centros. Os critérios de inclusão eram idade maior ou igual a 18 anos, SCA com indicação de ICP com stent farmacológico de segunda geração e randomização em até 30 dias do evento.
Os critérios de exclusão eram acidente vascular cerebral há 3 meses ou déficit neurológico persistente, sangramento intracraniano prévio ou doença intracraniana, cirurgia de revascularização cardíaca prévia, cirurgia programada nos próximos 12 meses, doença renal crônica grave, uso de anticoagulantes orais, plaquetopenia, contraindicação a DAPT, cirrose hepática, intenção de gestação, expectativa de vida menor que 1 ano.
O paciente realizava a ICP e era tratado com aspirina 100mg 1x ao dia e ticagrelor 90mg 2x ao dia, com a primeira dose realizada antes da ICP. Após 1 mês, se o paciente não tivesse nenhum sangramento ou evento isquêmico, era randomizado para receber DAPT com as mesmas medicações ou ticagrelor na dose de 90mg 2x ao dia associado a placebo por 11 meses.
O estudo teve 2 desfechos primários: o desfecho primário de superioridade era ocorrência de sangramento clinicamente relevante (sangramento tipo 2,3 ou 5 da classificação de BARC) e o desfecho de não inferioridade era a ocorrência de MACCE (morte cardíaca, IAM, AVC isquêmico, trombose de stent definida e revascularização guiada pela clínica).
Resultados
Foram incluídos 3400 pacientes, metade para o grupo ticagrelor e aspirina, metade para o grupo ticagrelor e placebo. Os dois grupos tinham características semelhantes, com mediana de idade de 63 anos, 74,1% do sexo masculino, 31,6% com diabetes, 59,5% com IAM, a maioria tinha doença uniarterial e 24,6% tinha fluxo TIMI menor que 3 antes da ICP.
O desfecho primário de superioridade de sangramento clinicamente relevante ocorreu em 2,1% do grupo ticagrelor mais placebo e em 4,6% do grupo DAPT (HR 0,45; IC95% 0,30-0,66, p < 0,0001). Não houve diferença na análise de subgrupos.
O desfecho primário de não inferioridade de MACCE foi semelhante entre os grupos, ocorrendo em 3,6% no grupo ticagrelor e placebo e em 3,7% no grupo DAPT. Ou seja, ticagrelor apenas foi não inferior a DAPT.
Comentários e conclusão
Atualmente, com o uso de stents farmacológicos mais modernos, a maior parte da proteção isquêmica com uso de DAPT vem do inibidor do P2Y12 e a aspirina acaba sendo causa de muitas complicações hemorrágicas.
Estudos anteriores já haviam testado monoterapia com inibidores do P2Y12 após ICP, porém a maioria era aberto, o tempo para início variava entre 1 e 3 meses e a medicação nem sempre era ticagrelor ou prasugrel. Além disso, nesses estudos a definição de sangramento era bastante variável e a randomização ocorria desde o início. Este estudo excluiu pacientes que tiveram eventos isquêmicos ou de sangramento até 30 dias da ICP.
Os resultados mostraram que que monoterapia com ticagrelor iniciada 1 mês após ICP é segura, sem aumento do risco trombótico ou isquêmico e com redução significativa de sangramento comparado ao uso de DAPT por 11 meses adicionais.
Importante ressaltar que a maioria dos pacientes eram da China e aproximadamente 40% tiveram diagnóstico de angina instável (boa parte deles não tinha troponina ultra-sensível disponível). Assim, devemos ter cuidados ao extrapolar esses resultados para outras populações.
Como conclusão parece haver benefício na utilização de monoterapia com ticagrelor no paciente com SCA que não apresentou evento isquêmico ou de sangramento no primeiro mês após a SCA. O objetivo dessa estratégia é reduzir sangramento, principalmente nos pacientes com alto risco. Muito provavelmente esses achados devem trazer alguma mudança para os próximos guidelines. Porém, seria interessante estudo com maior quantidade de pacientes com IAM, no intuito de confirmar a segurança dessa estratégia e possivelmente identificar subgrupos que se beneficiariam mais.
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Confira também o Instagram e o site da Afya CardioPapers para mais informações sobre a edição deste ano do congresso do American College of Cardiology.
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