Relataremos o caso que ocorreu na Argélia com um menino de 7 anos, 22kg, com criptorquidia bilateral. Submetido aos 5 anos para correção do testículo direito, sob anestesia geral com halotano, propofol e fentanil, sem a ocorrência de qualquer complicação. Dois anos depois, programada nova intervenção para correção do testículo esquerdo.
O paciente foi monitorizado com eletrocardiografia, pressão não-invasiva, oximetria de pulso, capnografia e sensor de temperatura. Após 75 minutos da indução anestésica com propofol, fentanil e rocurônio, houve aumento progressivo do CO2 expirado (54mmHg) e rigidez muscular sinalizada pelo cirurgião. A temperatura neste momento era de 36,2ºC e a ausculta pulmonar normal. A ventilação-minuto foi ajustada e nova dose de rocurônio foi administrada, porém o CO2 expirado continuava a subir (80mmHg), junto com a frequência cardíaca (FC: 130bpm), pressão arterial sistólica (PAs: 135mmHg) e temperatura (38,3ºC).
Frente à suspeita de hipertermia maligna (HM), o sevoflurano foi interrompido; foi iniciado infusão de propofol e solução salina gelada, com troca do circuito de gases do aparelho de anestesia e ventilação com O2 100%. Como não havia Dantrolene disponível no hospital, foi realizado apenas suporte clínico. Um cateter vesical foi instalado e exames laboratoriais coletados: CK 3905UI/L; Na 140 mEq/L; K 4,4 mEq/L; Ureia 30mg/dL; Creatinina 0,8mg/dL
A cirurgia terminou sem outras complicações. O paciente foi extubado com sucesso após o controle da temperatura e do CO2 expirado. O pós-operatório imediato foi marcado apenas por um aumento da CK, tratada com infusão venosa de solução salina. O paciente teve alta para casa no 8º dia de internação.
Revisão
A Hipertermia Maligna é uma síndrome hereditária caracterizada por rigidez muscular, aumento de temperatura e acidose metabólica. Ocorre um aumento exagerado da concentração de cálcio no retículo sarcoplasmático na presença do agente desencadeante (agentes anestésicos inalatórios principalmente e relaxantes neuromusculares despolarizantes) levando à contração muscular mantida, formação de ácido lático e calor. A lesão muscular pode ainda levar à rabdomiólise e insuficiência renal. A síndrome tem alta mortalidade se não reconhecida precocemente (80-90%), mas apresenta bom prognóstico se tratada de forma rápida (com mortalidade de 5%).
Em geral, ela ocorre 1h após a exposição do agente desencadeador, com: aumento CO2 expirado (sinal mais precoce decorrente de um estado hipermetabólico com aumento do consumo de O2 e produção de CO2), aumento de temperatura, frequência cardíaca e pressão arterial, rigidez muscular (especialmente de masseter) e arritmias ventriculares. Laboratorialmente temos acidose mista (acidose metabólica e respiratória), hipercalemia, hiperfosfatemia, aumento de CPK e mioglobina.
Como diagnósticos diferenciais temos: síndrome neuroléptica maligna, síndrome de feocromocitoma, bacteremia, tempestade tireoidiana, convulsões e outros estados hipermetabólicos. Miopatias e a distrofia muscular de Duchene estão associadas com maior chance de desenvolvimento de HM.
O tratamento consiste em interrupção imediata do agente desencadeador; suporte clínico para controle da temperatura, frequência cardíaca e pressão arterial; hidratação vigorosa afim de evitar insuficiência renal; e administração do Dantrolene (bolus de 2-3 mg/kg, seguido de 1-10 mg/kg conforme a necessidade).
Leia também: Uso de dantrolene sódico para tratamento de rabdomiólise tardia por Covid-19
Em suma, a síndrome de hipertermia maligna é uma condição vista apenas na anestesiologia. O reconhecimento precoce aliado ao tratamento adequado de forma rápida são cruciais no prognóstico do paciente. A capnometria é o sinal mais sensível e o suporte clínico o tratamento mais importante.
Referência bibliográfica:
- Menasri S. Successful management of malignant hyperthermia without dantrolene in paediatric anaesthesia. Update in anaesthesia 2019; 33: 70-72. https://resources.wfsahq.org/wp-content/uploads/uia33-Successful-management-of-malignant-hyperthermia-without-dantrolene-in-paediatric-anaesthesia.pdf
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.