O que você precisa saber sobre alergia a penicilinas
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Os betalactâmicos (BL) estão entre os antibióticos mais prescritos no mundo e são considerados de escolha para tratamento de diversas infecções, incluindo faringites, infecções cutâneas por Streptococcus do grupo A e Staphylococcus aureus e a sífilis (particularmente em gestantes), assim como sepse puerperal pelo Streptococcus do grupo B.1-4
Estudos epidemiológicos demonstraram que cerca de 10% da população se declara alérgica à penicilina e cerca de 1,3% relata ter alergia a cefalosporinas.2 No entanto, após adequada investigação diagnóstica, menos de 5% dos pacientes se mostrou verdadeiramente alérgico.2,3
Embora outras classes de antimicrobianos possam ser alternativas adequadas para o tratamento dos pacientes alérgicos aos BL, é comum que sejam menos efetivos, mais caros, provoquem maior risco de efeitos adversos e possam contribuir para o aumento de resistência bacteriana. Dessa forma, o diagnóstico da alergia aos BL é um importante problema de saúde pública.2-4
Relevância da estrutura molecular
O grupo dos BL é composto por subgrupos, as penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos e monobactâmicos, separados de acordo com suas estruturas químicas.1,2
Além do anel betalactâmico, presente em todas as moléculas desta classe, os antimicrobianos BL podem compartilhar outras estruturas, conhecidas como anel adjacente e cadeias laterais.1,2 Todas essas estruturas são potenciais sítios imunogênicos, isto é, porções capazes de desencadear sensibilização imune.1 A similaridade entre essas estruturas nas diferentes moléculas de antibióticos BL são fatores determinantes nas reações cruzadas entre os antimicrobianos dessa classe. Por isso, seu conhecimento é de grande importância nas decisões clínicas.1,2
As penicilinas têm em sua molécula um anel betalactâmico, um anel adjacente (tiazolidina) e uma cadeia lateral (R1). As cefalosporinas têm um anel betalactâmico, um anel adjacente (dihidrotiazina) e duas cadeias laterais (R1 e R2). Os carbapenêmicos têm um anel betalactâmico, um anel adjacente (dihidropirrole) e duas cadeias laterais (R1 e R2). Os monobactâmicos tem apenas o anel betalactâmico associado a uma cadeira lateral.1,2
Embora qualquer uma dessas porções possa gerar sensibilização alérgica, nos últimos anos tem ficado cada vez mais evidente a relevância das cadeias laterais (principalmente as cadeias R1) nas reações cruzadas entre diferentes drogas do grupo dos BL, sendo hoje aceito que essas cadeias são o epítopo responsável pela maioria das reações.1
Uma doença superestimada?
As penicilinas já foram associadas aos mais diversos mecanismos de hipersensibilidade, podendo estar envolvidas em quadros desde reações leves, como urticárias agudas e exantemas maculopapulares (EMP) benignos, até reações graves, como anafilaxia, DRESS (drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms) e a Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ)/Necrólise Epidérmica Tóxica (NET).1,2
Essa variedade de sinais e sintomas e o medo de sofrer uma reação alérgica grave são os principais responsáveis pela alta prevalência de diagnósticos equivocados de alergia à penicilina. Dentre os principais fatores, encontram-se os exantemas de etiologia viral, interações antibiótico-vírus (ex.: vírus Epstein-Barr e amoxicilina), efeitos adversos sem mecanismo alérgico (ex.: náusea, diarreia, dor abdominal) e história familiar de alergia a penicilinas.3
Isso se ilustra pelo fato de a maioria desses diagnósticos ocorrer até os 3 anos de idade, em um contexto no qual é comum a prescrição de antimicrobianos desnecessariamente para tratamento de doença de etiologia viral. Este rótulo é frequentemente carregado até a vida adulta e, com o passar dos anos, gera grande medo e ansiedade no paciente. Estes sentimentos atrelados à dificuldade de lembrança dos detalhes da reação geram resistência do médico e do paciente no correto manejo.3
Por isso, é imprescindível que, em caso de reação na qual se suspeite de alergia, os dados referentes ao episódio sejam relatados detalhadamente em prontuário médico, incluindo sintomas apresentados, todas as drogas que estavam sendo utilizadas pelo paciente, o contexto clínico no qual a reação ocorreu, se a mesma medicação já foi utilizada novamente, comorbidades apresentadas pelo paciente e a cronologia da reação, já que essas informações têm implicação direta no raciocínio clínico e na tomada de decisão futura.1,3,4
Investigação de caso suspeito
As reações de hipersensibilidade à droga (RHD) compreendem por definição reações alérgicas (mecanismos imunológicos) e não alérgicas (mecanismos não-imunológicos) que têm caráter reprodutível.2 As reações de base imunológica podem ser classificadas como imediatas, quando os sintomas ocorrem em até 6 horas após administração da droga, e não imediatas, quando os sintomas ocorrem após o período de 1 hora, geralmente mais de 24 horas após.2,4
Essa classificação auxilia no raciocínio dos mecanismos imunológicos envolvidos e, consequentemente, das estratégias disponíveis para investigação de cada tipo de reação.
As reações imediatas são conhecidas como mediadas por IgE e se caracterizam por surgimento rápido (geralmente na primeira hora após o contato) de sintomas como prurido, urticária, angioedema, broncoespasmo, edema laríngeo, vômito e/ou hipotensão. Nesses casos, a investigação é realizada por testes in vitro quando disponíveis, mas principalmente testes in vivo, como os de leitura imediata (teste de puntura e intradérmico) e o teste de provocação (padrão-ouro).1-4
Por outro lado, é importante verificar se a reação apresentada pelo paciente pode ser compatível com mecanismo não mediado por IgE e, principalmente, se a suspeita é de uma reação grave, incluindo DRESS, SSJ, NET, pustulose exantemática generalizada aguda (GEPA), doença do soro-like, citopenias autoimunes, hepatite e nefrite intersticial, nas quais testes de provocação e dessensibilização estão contraindicadas. Nestes casos, a principal estratégia de investigação é através dos testes de contato de leitura tardia.1,2
Os objetivos dessa investigação são: avaliar qual o risco de uma nova reação, indicar o teste de provocação nos pacientes provavelmente tolerantes e disponibilizar medicamentos alternativos para os pacientes verdadeiramente alérgicos.1,2
A partir disso, existem diferentes estratégias propostas para a investigação dos pacientes com suspeita de alergia a penicilinas e outros BL, havendo alguns pontos em comum:2
- Pacientes com história clínica vaga ou incompatível com reação alérgica: sem necessidade de investigação complementar e o paciente pode receber BL;
- Pacientes que não se recordam de detalhes sobre a reação ou que faziam uso de múltiplos medicamentos: investigação completa com testes cutâneos e provocação;
- Pacientes com história familiar de alergia a BL, mas sem histórico de reação compatível: sem necessidade de investigação complementar e o paciente pode receber BL;
- Pacientes com EMP leve: indicado teste de provocação sem necessidade de teste cutâneo;
- Pacientes com história clínica de reação imediata: indicado teste cutâneo:
- Pacientes com história clínica de reação imediata e teste cutâneo negativo: teste de provocação;
- Pacientes com história clínica de reação imediata e teste cutâneo positivo: confirmada alergia, avaliar alternativas seguras.
Drogas alternativas
Em se tratando de uma queixa comum, diante de um paciente com relato de alergia a penicilinas e com necessidade de uso de antibiótico, o médico deve ser capaz de considerar os principais aspectos relacionados a essa condição na sua decisão clínica, especialmente no que tange a aminopenicilinas e cefalosporinas, fármacos amplamente usados na prática clínica.1
Não há uma resposta definitiva sobre qual a melhor alternativa diante da suspeita de alergia a um BL, mas nesta decisão consideramos as características de gravidade ou não da reação e se foi uma reação imediata ou não imediata.1,3,4
Uma opção que seria adequada a todos os casos é apenas evitar todas as drogas da classe dos BL, optando por outras classes, como os macrolídeos, as sulfonamidas e as fluoroquinolonas, até que o paciente possa ser investigado pelo especialista.4
No caso de pacientes com reações imediatas à penicilina que tenham alto risco para gravidade, como os que apresentaram anafilaxia, broncoespasmo, urticária e edema laríngeos, outra conduta possível seria fazer uso de dose teste de uma cefalosporina de terceira, quarta ou quinta geração, já que suas estruturas de cadeias laterais são diferentes de todas as penicilinas.4
Usualmente, o uso da dose teste é realizado em duas etapas, nas quais, inicialmente, é administrado apenas 10% da dose indicada para o paciente seguido da administração da dose completa indicada cerca de 1 hora após, caso o paciente não apresente reação.4
Já para os pacientes com reação imediata ou não imediata, mas com baixo risco para gravidade, como urticária de início tardio (> 6 horas após dose), prurido isolado, sintomas gastrointestinais leves, urticária no local da infusão venosa e EMP leve/moderado, recomenda-se dose plena de uma cefalosporina de terceira, quarta ou quinta geração.4
Embora o risco de reatividade cruzada entre aminopenicilinas (amoxicilina e ampicilina) e penicilinas (benzilpenicilinas) seja alto, o contrário nem sempre é verdadeiro. Pacientes alérgicos a aminopenicilinas frequentemente têm testes cutâneos e de provocação negativos para penicilinas.1,4
Com relação às cefalosporinas, os estudos mostram que também há uma superestimativa sobre os riscos de reação cruzada com as penicilinas. A cefuroxima e o ceftriaxone, especificamente, são drogas de cadeia lateral bastante distinta em comparação com as penicilinas, havendo reação cruzada em menos de 5% dos casos. Dessa forma, são alternativas geralmente seguras.1,4
Nos casos de suspeita de alergia a penicilinas e outros BL, a prioridade será investigar o paciente ambulatorialmente, considerando todas as etapas descritas neste artigo. Em situações de urgência, a abordagem principal é determinar qual droga seria potencialmente eficaz e segura, sendo o parâmetro mais importante de escolha uma cefalosporina de cadeia lateral diferente da encontrada na penicilina que causou a reação inicial.1
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