Tratamento de trombose venosa cerebral: o uso de DOACs é mais eficaz do que antagonistas de vitamina K?
A trombose venosa cerebral tem maior incidência nos jovens. Existe alternativa à anticoagulação por tempo prolongado? Veja mais neste artigo.
Quando falamos de trombose venosa cerebral, estamos abordando os eventos trombóticos envolvendo veias superficiais e profundas cerebrais assim como os seios venosos da dura-máter. A incidência na população é estimada em 1,5 casos por 100.000 pessoas/ano, de acordo com literatura norte-americana. Esses pacientes em geral são jovens e o uso de anticoagulação por tempo prolongado, muitas vezes por período indefinido, acaba interferindo substancialmente nas atividades laborais e de vida diária desses pacientes.
Os antagonistas de vitamina K (AVK), representados na prática clínica pela Varfarina (Marevan®) são, ainda hoje, o padrão-ouro para tratamento destes pacientes devido a eficácia e segurança da droga. No entanto, a necessidade de controle periódico dos tempos de atividade de protrombina (AP) e da razão normalizada internacional (RNI), mantendo-os na faixa terapêutica, assim como as múltiplas interações medicamentosas e alimentares com a Varfarina, dificulta o correto manejo desses pacientes por tempo prolongado.
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Desde o surgimento dos anticoagulantes orais diretos (DOACs) com melhor farmacocinética e farmacodinâmica, estes têm sido testados em diferentes cenários clínicos, geralmente em termos de não-inferioridade, para melhor comodidade posológica e manejo dos pacientes no longo prazo. Aqui, não é diferente.
Estudo
Foi publicada em março de 2022, no British Journal of Hematology, uma revisão sistemática e metanálise sobre o uso de DOACS no contexto de trombose venosa intracraniana. Após busca sistematizada na MEDLINE, EMBASE e CENTRAL, foram identificados 23 estudos que correspondiam aos critérios de inclusão, sendo eles: dois ensaios clínicos randomizados, sete estudos prospectivos e 14 estudos retrospectivos.
Dentre os estudos observacionais, também foram incluídas séries de casos com mais de dez participantes avaliados e, nesses casos, sem braço comparador. No total, foram incluídos 618 pacientes em uso de DOACs, um número pequeno de participantes levando em consideração 23 estudos no âmbito de trombose e hemostasia (172 dabigatrana, 304 rivaroxabana, 115 apixabana, 27 não especificados).
Outro ponto importante: o número de estudos observacionais foi significativamente maior quando comparado a ensaios clínicos, sendo 60% deles de caráter retrospectivo. A média de idade dos participantes nas amostras variou de 25 a 49 anos, corroborando a incidência maior na população jovem.
O número de tromboses não provocadas, que em geral são anticoaguladas por períodos mais prolongados, variou muito entre os estudos (15% a 80%), assim como variou a incidência de transformação hemorrágica no baseline (14% a 65%). A abordagem estatística foi adequada, analisando-se a heterogeneidade dos estudos com o teste de I² e os riscos de vieses com ferramentas validadas disponíveis na literatura (Cochrane risk of bias tool, risk of bias in nonrandomized studies of interventions tool, funnel plot para viés de publicação). O intervalo de confiança foi definido em 95%, com nível de significância de 5%.
Antes dos resultados, vamos lembrar das limitações
Além das limitações envolvendo o tamanho da amostra e os designs dos estudos avaliados, devemos também destacar a heterogeneidade dos desfechos avaliados (morte por qualquer causa, sangramento maior, tromboembolismo venoso recorrente, desfecho neurológico favorável, escala de Rankin modificada, recanalização venosa).
Os autores não conseguiram realizar análises de subgrupo levando em consideração a medicação utilizada ou características peculiares de determinadas populações envolvidas nos estudos.
Resultados
Apresento os resultados abaixo na forma de tabela modificada das referências utilizadas, já traduzida para o português.
Desfecho | Taxa DOACs (95% IC) (%) | Taxa AVKs
(95% IC) (%) | Risco Relativo (95% IC) (%) |
Mortalidade | 1.71 (0.44 – 3.68) | 1.08 (0.33 – 2.22) | 1.22 (0.32-4.59) |
Sangramento maior | 2.54(0.94 – 4.81) | 2.72 (086-5.46) | 0.79 (0.33-1.86) |
TEV recorrente | 2.02 (0.75-3.83) | 2.01 (0.4-4.60) | 0.67 (0.26-1.75) |
Desfecho neurológico excelente | 82.4(72.9-93.3) | 75.7 (64.3-85.6) | 1.06 (0.96-1.17) |
Recanalização venosa | 84.9 (76.4-91.8) | 85.1 (77.0-91.7) | 1.0 (0.95 – 1.06) |
Adaptado de Inman BL, et al. J. Annals of Emergency Medicine. 2022
Legenda: DOACs – anticoagulantes orais diretos; AVKs – antagonistas de vitamina K; IC – Intervalo de Confiança; TEV – Tromboembolismo venoso.
E na prática clínica?
Apesar de todas as limitações, o artigo sugere que os DOACs são alternativas interessantes para manejo desse subgrupo de pacientes, apresentando resultados não-inferiores a AVKs no que tange eficácia e segurança. Sabemos que, em outros cenários clínicos, os DOACs têm apresentado corpo de evidência cada vez maior nesse sentido.
Em outros artigos publicados na literatura internacional, o uso de DOACs está associado a maiores sangramentos gastrointestinais em pacientes com doenças estruturais, efeito não observado em outros cenários. Quando avaliamos os estudos clínicos envolvendo trombose cerebral, nos deparamos com estudos head-to-head entre Varfarina e Dabigatrana, constituindo maior nível de evidência.
Portanto, apesar de outros estudos serem necessários para observar uma mudança de recomendação em guidelines internacionais, tenho adicionado a dabigatrana (150mg, via oral, 2x/dia) ao meu arsenal terapêutico.
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