A terapia nutricional adequada mostra-se um ponto crucial para a recuperação adequada dos pacientes em cuidados intensivos. Sabe-se que uma boa nutrição é capaz de mudar desfechos, visto as alterações que o catabolismo gerado pela doença pode trazer, como por exemplo a sarcopenia. Em pacientes obesos criticamente doenças (OCD), há uma mudança no padrão de demanda metabólica e novos estudos estão surgindo para sanar possíveis lacunas demonstradas no cuidado. As características antropométricas distintas fazem que esses doentes, quando colocados em contextos padronizados, não tenham a oferta proteica e calórica adequada.
Nos OCD, o tecido adiposo é pouco ativo metabolicamente, correspondendo de 20 a 40% do gasto energético em repouso (GER). Existem diversas diretrizes para a nutrição desses pacientes na UTI: a ASPEN recomenda uma ingestão de 11-14 Kcal/kg/dia e 2-2,5g de proteína/kg/dia, baseada no peso real, para pacientes com IMC entre 30-50 kg/m². Em contraponto, a ESPEN aconselha 20-25 Kcal/kg/dia e 1.3g de proteína/kg/dia considerando o peso ajustado. À medida que o IMC aumenta, o GER também se eleva, e especialistas indicam atender entre 60-70% do REE para evitar efeitos adversos da superalimentação, como a hiperglicemia. Contudo, na prática clínica, atingir os alvos nutricionais recomendados por essas diretrizes muitas vezes não é viável, resultando em uma diferença substancial entre a ingestão efetiva de macronutrientes e a quantidade ideal recomendada.
Os pacientes com obesidade apresentam alterações fisiopatológicas que incluem resistência à insulina, sarcopenia, e disfunção imunológica. Essas condições são muitas vezes exacerbadas no cenário crítico, aumentando a complexidade do tratamento nutricional. Na UTI, a avaliação correta da composição corporal é desafiadora, muitas vezes devido à dificuldade em usar métodos comuns de avaliação antropométrica, agravando o risco de erros diagnósticos em desnutrição.
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Além disso, o estado inflamatório elevado frequentemente presente nesses pacientes eleva o catabolismo muscular e o gasto calórico, complicando ainda mais o manejo nutricional. A identificação precisa da necessidade energética e proteica é crucial para evitar a superalimentação.
Ao analisar o estudo observacional em questão, e ainda comparando com outros estudos atuais, podemos tirar algumas conclusões sobre a individualização do manejo nutricional dos OCD.
Análise do estudo: “Nutrition Therapy in Critically Ill Patients with Obesity: An Observational Study”
Metodologia
- Análise observacional multicêntrica
- 37 UTIs espanholas. Foram incluídos
- 525 pacientes, dos quais 150 eram classificados como obesos (IMC ≥30 kg/m²).
- A coleta de dados incluiu características demográficas, comorbidades, estado nutricional avaliado por critérios como a Subjective Global Assessment (SGA) e a entrega média de calorias e proteínas durante os primeiros 14 dias de internação.
- Cuidado nutricional foi iniciado nas primeiras 48 horas admissão na UTI, com padronização no cálculo das necessidades energéticas e proteicas segundo diretrizes da ASPEN e ESPEN.
Resultados
Aporte energético
- 69.3% dos pacientes receberam um aporte considerado adequado, definido como ≥11 Kcal/Kg/dia. Esses pacientes demonstraram uma redução na mortalidade na UTI (16.5%) em comparação aos que receberam menos de 11 Kcal/Kg/dia.
- Em contraste, 30.7% dos pacientes receberam menos de 11 Kcal/Kg/dia. Esse aporte foi associado a uma maior mortalidade na UTI de 32.6%.
Aporte proteico
- Uma proporção significante de 63.3%, dos pacientes obesos recebeu menos de 0.8 g/kg/dia, classificado como aporte proteico inadequado.
- 31.3% dos pacientes alcançaram um aporte insuficiente, entre 0.8 e <1.3 g/Kg/dia.
- Apenas 5.4% dos pacientes atingiram a meta de proteínas, recebendo ≥1.3 g/Kg/dia, o que sugere um desafio em cumprir com as recomendações nutricionais completas nesta população.
Pacientes que receberam um baixo aporte proteico (< 0.8 g/Kg/dia) apresentaram uma mortalidade na UTI de 25.5%, enquanto aqueles com aporte insuficiente (0.8–<1.3 g/Kg/dia) tiveram uma mortalidade reduzida para 14.9%.
Uso da nutrição parenteral (NPT) como estratégia
A NPT foi adotada em casos em que a nutrição enteral não era viável ou insuficiente, auxiliando na adequação nutricional e permitindo alcançar mais consistentemente os objetivos energéticos e proteicos.
Discussão
Os resultados deste estudo reforçam a importância de uma abordagem personalizada na administração de MNT para PwO. Enquanto estudos como o de Compher² demonstram a correlação positiva entre maior ingestão nutricional e menores taxas de mortalidade, o estudo atual enfatiza que a entrega progressiva e adequada de calorias e proteínas pode efetuar desfechos aprimorados em pacientes criticamente enfermos.
Outro estudo relevante, liderado por Yeh³, destaca a resistência anabólica e sua contribuição para a atrofia muscular em pacientes de UTI. O reconhecimento e tratamento dessa resistência são fundamentais para a recuperação eficaz e a melhoria da qualidade de vida pós-UTI.
No entanto, este estudo também destaca limites cruciais, como a ausência de análises com pacientes com obesidade extrema (IMC ≥50 Kg/m²), onde as demandas nutricionais poderiam ser ainda mais complexas. Ademais, as variações nas práticas de cuidados em diferentes UTIs poderiam influenciar a consistência dos resultados.
Mensagens para Casa
- Necessidade de Estratégias Nutricionais Personalizadas: Os achados do estudo enfatizam a urgência de desenvolver estratégias nutricionais individualizadas para OCD em unidades de terapia intensiva.
- Impacto da Nutrição: A terapia nutricional adequada é de suma importância, pois não apenas melhora os desfechos clínicos, mas também contribui para a redução da mortalidade.
- Diretrizes Nutricionais: Implementar diretrizes nutricionais é essencial para alcançar resultados positivos e guiar o tratamento desses pacientes.
- NPT como auxílio: A NPT deve ser considerada uma estratégia para atingir as metas nutricionais, especialmente quando a nutrição enteral e oral se mostra insuficiente ou inadequada.
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