Os avanços do cuidado e da tecnologia dos pacientes mais graves no hospital foram notáveis nos últimos 30 anos, e o foco destes avanços ficaram na UTI. Muitos pacientes não conseguiram sobreviver no passado, seja pela falta de coordenação do processo de cuidados, ou pela tecnologia insuficiente para tratar algumas doenças. Estes contratempos vêm sendo contornados progressivamente, com maior sobrevida do grupo mais grave de pacientes; porém, uma parcela destes sobreviventes fica prolongadamente nas UTIs, sendo chamados de doença crítica crônica, persistente, síndrome de cuidados pós-intensivos, síndrome catabólica, inflamatória e imunossupressora pós-aguda, entre outros nomes menos comuns. Como muitos autores cunharam estes termos em diferentes lugares e não fizeram consensos para denominações, as definições do que é persistente, crônico ou pós-crítico ou intensivo ficaram semelhantes e confusas ao mesmo tempo. É como se várias pessoas falassem do mesmo assunto, mas em línguas diferentes. Para tentar normatizar esta síndrome, os autores do Japão realizaram revisão sistemática sobre definições, prevalência, fatores de risco e prognóstico associados a esta condição: pacientes que são graves, conseguem sobreviver às primeiras semanas da gravidade mas não melhoram ao ponto de ter alta da UTI.
Objetivos e Metodologia do artigo
Os autores realizaram procura em duas plataformas – Pubmed e Scopus – com os termos persistent critical illness”, “chronic critical illness”, “chronic critically ill”, “chronically critically ill, e prolonged critical illness. Eles restringiram a procura em pacientes adultos e periódicos na língua inglesa. Meta-análises com dados de idade, prevalência, escore APACHE II e mortalidade hospitalar e em 1 ano foram realizadas. Após recuperar 824 citações, excluiu-se artigos sem definições claras de doença crítica crônica ou seus correlatos e 2 artigos que não conseguiram texto completo. Restaram 99 estudos elegíveis.
Resultados
Foram 5 termos diferentes (mas bem semelhantes) usados nos últimos 30 anos: chronic critically ill, prolonged critical illness, e chronic critically ill foram usados nos anos 2000, enquanto chronic critical illness e persistent critical illness têm sido usados mais recentemente.
Denominação |
N estudos |
chronic critical illness |
64 |
persistent critical illness |
18 |
chronic critically ill |
9 |
prolonged critical illness |
6 |
chronically critically ill |
2 |
A maior parte dos estudos usaram a permanência na UTI e a necessidade de ventilação mecânica para definir esta população. Permanência acima de 10 ou 14 dias, associada com disfunções orgânicas persistentes foram usadas em 76% dos estudos, enquanto ventilação mecânica por mais de 7 ou 21 dias e/ou traqueostomia definiram doentes críticos crônicos ou persistentes em 19% dos estudos. O tempo de permanência mais usado (50%) foi acima de 14 dias. O termo doença crítica persistente foi usada com tempo acima de 10 dias em 15 de 18 estudos que usaram este termo.
A prevalência de doença crítica persistente ou crônica é de cerca de 10% de todos os pacientes que passam pelas UTIs; mas síndromes ou condições agudas podem elevar esta taxa: 28% com sepse, 24% com trauma e 35% com Covid-19 crítica ficam prolongamente na UTI e acumulam disfunções orgânicas e dependência. Mesmo que se estudem termos diferentes como vimos acima, esta prevalência é muito semelhante. Europa e Estados Unidos reportam maior taxa desta população que outros continentes, mas a maioria dos estudos são destas regiões; provavelmente a taxa está subestimada em países do hemisfério Sul. Mas a mortalidade vista em países da América do Sul e da Ásia é maior que no hemisfério Norte, 50% e 43% respectivamente.
Além da estadia prolongada (acima de 10, 14 ou 21 dias), esta população depende mais frequentemente de ventilação mecânica (90%) e precisa de traqueostomia em quase metade dos casos. Alguns fatores de risco também foram levatados nesta quase centena de estudos: idade avançada (10 estudos), escores de disfunção orgânica – SOFA e APACHE II (8), sepse e ventilação mecânica (4 cada), e outros como choque, uso de vasopressores, índice de massa corporal, índice de comorbidades de Charlson, escala de Glasgow, albumina sérica e tempo de protrombina.
A mortalidade hospitalar de pacientes com esta condição é notável: 28% (variando entre 3 e 61% em todos os estudos). Em 1 ano, 45% acaba falecendo… Outro ponto que impressiona é que apenas 1 em cada 4 pacientes que saem do hospital consegue ir pra casa, outro paciente em cada 4 vai para unidade de reabilitação, 16% vai para outro hospital e 9% para instituições de longa permanência como asilos.
Finalmente, parece que os termos mais usados são: doença persistente, quando o paciente prolonga por mais de 10 dias em UTI, com dependência de suporte orgânico; e doença crítica crônica, que ultrapassa 14-21 dias de estadia e presença de ventilação mecânica e outras dependências. Termos como post-intensive care syndrome (PICS) e persistent inflammatory, immunosuppressive, and catabolic syndrome (PIICS), que têm definições mais amplas e menos precisas (incluindo a presença de inflamação), tendem a ser menos usados.
Mensagens para o dia-a-dia
- A doença crítica persistente ou crônica é a condição que afeta 1 em cada 10 pacientes que passam pelas UTIs, na qual o paciente sobrevive a insulto grave;
- Requer estadia prolongada em UTI, geralmente por mais que 10 dias (persistente) ou 14-21 dias (crônica), e 90% necessitam ventilação mecânica e metade com traqueostomia;
- 3 em cada 4 pacientes com doença crítica persistente ou crônica conseguem ter alta hospitalar, porém apenas metade consegue sobreviver após 1 ano;
- Disfunções orgânicas se prolongam por dias e semanas, assim como sequelas físicas e mentais prejudicam o bem estar e ressocialização dos pacientes após alta da UTI e mesmo do hospital.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.