Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o surto da Covid-19 como pandemia. Desde então, vimos uma gama de manifestações da doença. Quadros mais leves a quadros mais graves. A partir de casos com necessidade de oxigenioterapia suplementar, vimos por exemplo um alto índice de internações e consumo de oxigênio. Em casos mais graves, a demanda por leitos de UTI e ventiladores mecânicos é alta, uma vez que esses pacientes se apresentam com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo, demandando grande quantidade de recursos e, em alguns cenários, por tempo prolongado, ocasionando escassez durante a pandemia.
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Entendendo que estamos diante de uma pandemia, com um alto número de casos e que os recursos materiais e humanos são limitados, podemos imaginar e constatar cenários de escassez de recursos, como já foi noticiado em alguns locais. Diante desse problema, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), em conjunto com a ABRAMEDE, Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, desenvolveram recomendações para alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia. O documento encontra-se na sua segunda versão e foi publicado em março de 2021 pelas sociedades. A primeira versão havia sido publicada no início da pandemia no Brasil no ano passado e contou com novas atualizações, consulta à comunidade e profissionais do Direito.
Protocolos de triagem
O documento propõe um modelo de triagem, com o intuito de municiar os profissionais de saúde com critérios objetivos para tomada de decisões difíceis em relação ao alocamento de recursos. No entanto, antes de iniciar a adoção do protocolo de triagem, é importante garantir que as condições necessárias para a adoção do mesmo foram preenchidas, sendo possível justificar eticamente sua adoção. Veja abaixo algumas delas:
Condições necessárias para o início da adoção dos protocolos de triagem:
- Declaração do estado de emergência em saúde pública;
- Reconhecimento que tenha havido esforços razoáveis em aumentar a oferta dos recursos em esgotamento;
- Criação de comissões de triagem hospitalares pelos diretores técnicos (vide abaixo);
- Monitoramento contínuo do esgotamento de recursos e dos esforços voltados para a ampliação de serviços, tanto para iniciar o protocolo quanto para avaliar a possibilidade de seu fim (tanto o início quanto o fim da triagem devem ser publicamente anunciados).
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Comissões de Triagem
A comissão de triagem deve ser constituída por pelo menos três profissionais experientes (dois médicos e um profissional da equipe multidisciplinar). Além disso, deve ser formada também por um bioeticista e um representante da comunidade. Importante criar a comissão de forma antecipada, para que, em um momento de crise, a comissão já tenha conhecimento e treinamento no protocolo.
Passo a passo do modelo de triagem
O modelo é de triagem terciária, tendo sido desenvolvido para aplicação intra-hospitalar. No entanto, já existe relato da sua aplicação em cenários de regulação pré-hospitalares. O protocolo foi baseado em modelo proposto por Biddinson et al (Maryland, EUA). Alguns escores foram utilizados como:
- SOFA (Sequential Organ Failure Assessment), com o princípio de salvar o maior número de vidas a curto prazo;
- SPICT (Supportive and Palliative Care Indicators Tool), com o princípio de salvar o maior número de anos/vida;
- ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group), como forma de medida de funcionalidade.
A aplicação do modelo se faz da seguinte forma:
- Manter a estabilização clínica enquanto os dados de triagem necessários sejam colhidos (idealmente devem estar disponíveis em um período de 90 minutos);
- Calcular a pontuação conforme o SOFA, presença de comorbidades que sugiram uma probabilidade maior de sobrevida inferior a um ano (via SPICT) e ECOG;
- Alocar os leitos de UTI e/ou ventiladores mecânicos aos pacientes com menores pontuações;
- Em caso de empate, utilizar a pontuação total do SOFA como critério para desempate. Se o empate persistir, a equipe de triagem deve fazer a alocação baseada em julgamento clínico.
Veja abaixo a tabela com o passo a passo:

- Para saber mais sobre a ECOG, clique aqui.
- Para saber mais sobre o SOFA, clique aqui.
- Para saber mais sobre o SPICT, clique aqui.
Mensagens Práticas:
- Antes da aplicação do modelo de triagem, é fundamental que sua unidade tenha uma Comissão de Triagem pré-estabelecida e que as condições necessárias para adoção do protocolo de triagem foram preenchidas;
- Ao adotar o protocolo, é necessário que ocorra ampla divulgação para a população em geral, assim como para os profissionais de saúde envolvidos na sua unidade hospitalar.
- A utilização de um modelo objetivo auxilia o processo decisório difícil que essas situações geram, retirando da equipe assistente a tarefa emocionalmente árdua de fazer escolhas individuais, à beira-leito.
- O protocolo foi elaborado com a visão de profissionais de saúde, membros da comunidade, bioeticistas e profissionais do Direito. A pluralidade de visões na construção do protocolo reforça a consistência ética do mesmo.
Referências bibliográficas:
- Recomendações da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência, SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por Covid-19. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/24/VJS01_maio_-_Versa__o_2_-_Protocolo_AMIB_de_alocac__a__o_de_recursos_em_esgotamento_durante_a_pandemia_por_Covid.pdf. Acesso em 05 de abril de 2021.
- Daugherty Biddison EL, Faden R, Gwon HS, et al. Too Many Patients…A Framework to Guide Statewide Allocation of Scarce Mechanical Ventilation During Disasters. Chest. 2019;155(4):848-854. doi:10.1016/j.chest.2018.09.025
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