No contexto da pandemia atual por SARS-CoV-2, o foco do Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva deste ano (CBMI 2020) não poderia ser outro, senão este tema. No centro das discussões, algumas reflexões foram recorrentes no primeiro dia de palestras. Quais foram nossos acertos ao longo desses últimos meses? Onde erramos?
SARS-CoV-2 e terapia intensiva
Certamente um dos problemas iniciais no manejo destes pacientes foi nossa tentativa de “reinventar a roda”. Décadas de ensaios clínicos, arduamente conduzidos pelos colegas que vieram antes de nós, construíram “tijolo a tijolo” as evidências em que baseamos o tratamento atual dos pacientes críticos. Diante da emergência de uma doença nova, com alta transmissibilidade e elevada mortalidade, acabamos deixando de lado, inicialmente, os fundamentos do nosso conhecimento.
Todos nós cedemos sob a pressão imposta pela tragédia causada por esta nova e misteriosa doença. O nosso instinto nos mandou agir, pois a ponderação poderia ser vista como hesitação, insegurança, ou ainda pior, inércia. Partimos em busca de uma solução mágica, que pudesse salvar nossos pacientes mais graves; decidimos repensar nossa forma de utilizar a ventilação mecânica; acreditamos fielmente nos resultados de estudos clínicos sem grupo controle.
No entanto, gradualmente observamos que a Covid-19, na maioria dos aspectos, se assemelha às grandes síndromes clínicas que sabemos tratar há décadas (ex.: sepse + SDRA). Foi abandonada a ideia de intubação precoce indiscriminada. Voltamos a minimizar a sedação dos pacientes e ventilar os mesmos de forma protetora. A posição prona, que há muito tempo já havia demonstrado redução de mortalidade nessa população, foi usada extensamente. Acima de tudo, observamos a condução de estudos clínicos randomizados e controlados absolutamente bem desenhados, em meio a uma sobrecarga do sistema hospitalar.
Graças ao esforço internacional, com grande importância de pesquisadores brasileiros, voltamos aos fundamentos da medicina baseada em evidências. Tratamentos que agem pontualmente em um sistema complexo (ex.: tocilizumabe para inibir IL-6 em paciente com sepse), dificilmente são capazes causar efeito clinicamente relevante. Diante de estudos rigorosos, diversas terapias propostas foram abandonadas, seja por ineficácia ou por maleficência, enquanto outras se tornaram “standard of care”.
Mensagens práticas
Após alguns meses de muito esforço, a pandemia nos deixa algumas lições. Primeiro, se você não sabe o que fazer, não se precipite na tomada de decisões. Segundo, faça o seu cuidado habitual, “o feijão com arroz”, muito bem feito. Terceiro, vamos reconhecer humildemente nosso imenso desconhecimento, e nos esforçar diariamente para melhor compreender essa doença, assim como as próximas que estão por vir.
Estamos acompanhando o CBMI 2020. Fique ligado!
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Autoria

Vinícius Zofoli de Oliveira
Editor chefe de Terapia Intensiva da Afya ⦁ Graduação em Medicina pela UFRJ ⦁ Residência em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da USP ⦁ Residência de Medicina Intensiva no Hospital das Clínicas da USP ⦁ Fellowship de Cardiointensivismo no Hospital Samaritano Paulista (SP) ⦁ Preceptor da Disciplina de Emergências Clínicas da USP (2019-2020) ⦁ Médico Assistente do Pronto Socorro do Hospital Universitário da USP (2019) ⦁ Médico Assistente da UTI de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor-SP) e Médico Diarista da UTI do Hospital Samaritano Paulista ⦁ Editor do livro Manual de Condutas na Covid-19 ⦁ Coautor dos livros: Medicina de Emergência - Abordagem Prática (FMUSP), Medicina Intensiva - Abordagem Prática (FMUSP) e Manual do Residente de Clínica Médica (FMUSP) ⦁ Membro Fundador da @emergencia.simm
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