Logotipo Afya
Anúncio
Saúde29 agosto 2025

Impactos do castigo físico na saúde de crianças e adolescentes  

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) abordou a prevalência e as consequências da punição corporal em crianças  
Por Gabriela Costa

Estima-se que 1,2 bilhões de crianças sejam submetidas a punições corporais em casa ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, recentemente, o relatório “Corporal punishment of children: the public health impact”, um boletim abordando a prevalência, os fatores de risco e as consequências do castigo corporal à saúde de crianças e adolescentes.  

A prevalência da punição corporal no ambiente doméstico varia consideravelmente quando analisada em diferentes países. Dados de oito países de baixa e média renda mostraram que a prevalência de punição corporal aplicada por pais e cuidadores a crianças de 2 a 14 anos, em julho de 2025, variou de 30% no Cazaquistão e 32% na Ucrânia, passando por 63% na Sérvia, até 77% e 64% no Togo e em Serra Leoa, respectivamente. Além disso, na África e na América Central, 70% das crianças passam por situações de abuso físico na escola durante os anos de formação. 

Veja mais: Maus-tratos na infância e na adolescência [podcast] 

Consequências do castigo físico  

A punição corporal direcionada a crianças e adolescentes pode desencadear diversas consequências que persistem por toda a vida dos menores. O castigo físico está associado a danos à saúde física e mental, prejuízos ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional, desenvolvimento cerebral atípico, comportamentos antissociais e violentos tanto na infância quanto na vida adulta, relacionamentos familiares prejudicados e baixo desempenho e rendimento educacional. 

Além das marcas físicas, o castigo corporal afeta diretamente o desenvolvimento cognitivo das crianças. Segundo dados da OMS, em 49 países de baixa e média renda, observou-se que crianças expostas a punição física tinham uma probabilidade cerca de 24% menor de estarem com o desenvolvimento em dia, quando comparadas com crianças que não foram submetidas a castigos corporais. Os impactos incluem confusão, hiperatividade, vocabulário reduzido e habilidades cognitivas mais fracas.  

Segundo Amanda Neves, pediatra e editora do Whitebook, a criança exposta à punição física pode demonstrar déficits de memória e atenção, dificuldade no controle de impulsos, atraso na linguagem e consequente redução do rendimento escolar. Ainda segundo a médica, em situações em que a criança já está sofrendo os impactos, são necessárias a avaliação clínica e a escuta qualificada. “Cabe ao pediatra, registrar adequadamente os relatos obtidos e as suas impressões clínicas. A notificação da violência, por sua vez, deve ser realizada de maneira compulsória, ou seja, mesmo diante da suspeita, com o objetivo de garantir a proteção integral dos direitos da criança.”, alerta a especialista. 

De acordo com a pesquisa “Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida”, realizada em 2025 pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 47% das mulheres entrevistadas acreditam que a violência física resulta em comportamentos agressivos nas crianças. Enquanto 31% delas declaram que a violência gera dificuldades de relacionamento, apenas 21% dos homens concordam com isso. 

Abuso físico infantil no Brasil  

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), uma média de 196 casos de violência física contra crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foi notificada nas unidades de saúde do Brasil, todos os dias, ao longo de 2023. Além disso, cerca de 80% das agressões contra crianças até 14 anos acontecem dentro de casa.  

A pesquisa da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal mostrou que gritar, brigar, dar palmada, beliscão e apertos são métodos adotados com crianças de todas as idades, entretanto, esse número aumenta entre as crianças de 4 a 6 anos. No levantamento, dentre os responsáveis por crianças entrevistados, 17% acreditam que esses são métodos eficazes para educar crianças, 29% alegam que os utilizam sempre ou às vezes.   

Embora o número de cuidadores que ainda exercem punições físicas em crianças seja alto, o relatório da OMS afirma que essa estratégia não possui nenhum benefício comprovado. O médico de família e comunidade e editor do Portal Afya, Renato Bergallo, afirma que essa prática pode ser resultado de uma resistência cultural e faz parte de um repertório limitado de ações e possibilidades que os responsáveis têm para lidar com o filho, que muitas vezes vem de violência da própria infância.  

Impactos do abuso físico na saúde de crianças e adolescentes  

Castigo físico e seus impactos na saúde de crianças e adolescentes. Imagem de freepik  

O papel do médico na segurança das crianças  

A atenção do médico na consulta com crianças é fundamental para perceber e mitigar a violência física contra os menores. A pediatra Amanda falou sobre os sinais que podem ser identificados em uma consulta pediátrica: “As crianças podem demonstrar indícios compatíveis com tal vivência por meio da expressão corporal que adotam como: sensibilidade ao toque, postura corporal tensa e hipervigilante, dificuldade para sentar ou deambular e apatia. Ademais, podem evoluir com pesadelos frequentes, labilidade emocional, comportamentos autodestrutivos, aversão a adultos, agressividade, fugas do domicílio e dificuldades de aprendizado, além de baixa autoestima, humor deprimido e sintomas ansiosos.”.  

Segundo a especialista, o pediatra deve desenvolver uma percepção sensível sobre a dinâmica familiar, acolher as demandas com empatia e buscar abordagem clara e sem julgamento. Amanda ainda deu algumas dicas que podem ser usadas durante a consulta, como questionar aos responsáveis sobre como costumam lidar com as birras e desobediência das crianças e explanar os riscos da punição física e a relevância da educação positiva, pautada no diálogo e no respeito mútuo.  

“É fundamental avaliar a presença de sinais de alerta e fatores de risco para maus tratos na consulta pediátrica. Em caso de castigo físico, a criança pode manifestar durante a consulta, expressões de medo, retraimento ou desconforto, enquanto o acompanhante, pode informar relatos contraditórios e adotar atitudes de desconfiança, bem como postura ameaçadora e desafiadora.”, destaca a pediatra.  

Embora a especialidade que cuida de crianças seja a pediatria, é papel de todos os médicos se atentar para os sinais de castigo físico nos menores. Para Bergallo, o médico de família deve atuar oferecendo informação científica, clara, acessível para essas pessoas sobre os malefícios desse tipo de violência, e dos benefícios de outros para construir junto com elas alternativas educativas que não sejam violentas. O especialista ainda conclui: “A gente corrige esse problema não só para aquela geração, mas para quando essas crianças forem ter seus filhos, eles também vão conhecer, vão ter em seu repertório outras maneiras de lidar.”.

*Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal Afya.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Saúde