O rotavírus é o principal causador de diarréias graves que levam ao óbito de crianças menores de cinco anos em países de renda média e baixa. Essa foi a conclusão de um estudo realizado pela Rede Global de Vigilância da Diarréia Pediátrica, coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e com participação do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O levantamento incluiu dados de 28 países e, apesar do Brasil não estar entre eles, o país também registra crescimento dos casos da doença. Mesmo com o fato do rotavírus ser prevenível por vacinas gratuitas e disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) e recomendadas para bebês aos dois e quatro meses de idade.
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Os pesquisadores, em sua maioria americanos, estimam que, entre 2017 e 2019, a enfermidade tenha causado 200 mil óbitos por ano, enquanto outros patógenos estudados, como a bactéria Shigella, os adenovírus e os norovírus, somam juntos 136 mil óbitos.
O continente americano foi a única região pesquisada onde o rotavírus não foi a principal causa das internações por diarréias graves. Nos quatro países da América do Sul, a maior parte das hospitalizações foi devida ao norovírus. Já nos dois da América Central, a bactéria Shigella foi mais prevalente. Em comum, os países da região têm a vacinação contra o rotavírus incluída nos programas nacionais de imunização desde 2010.
Participantes do estudo
O estudo foi realizado pela Rede Global de Vigilância da Diarréia Pediátrica, coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e com participação do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O Laboratório do IOC atua como centro de referência regional para rotaviroses para o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), recebendo amostras de países como Bolívia, Equador, Paraguai e Peru, além das colhidas no Brasil.
Na América Latina, o levantamento incluiu dados dos seguintes países: Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Honduras e Nicarágua. Há ainda análises sobre Benin, Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Madagascar, Etiópia, Uganda, Zâmbia, Zimbábue e Ilhas Maurício, na África; Ucrânia e Moldávia, na Europa; Armênia, Tadjiquistão e Uzbequistão, na Ásia Central; Índia, China, Indonésia, Ilhas Fiji, Laos, Myanmar e Vietnã, no Sudeste e Leste da Ásia.
Limitações importantes do estudo
O estudo teve como objetivo definir a etiologia da diarréia, que exige internação em crianças em países de baixa e de média renda, uma vez que essa continua a ser uma das principais causas de morbimortalidade na faixa etária pediátrica.
No entanto, conforme mencionado pelos próprios pesquisadores, possui limitações relevantes, como explica a médica pediatra intensivista Roberta Esteves Vieira de Castro, que é mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF), PhD em Medicina (UERJ), professora adjunta de pediatria da Escola de Medicina Souza Marques.
“Uma dessas limitações é o fato de que os hospitais incluídos são referência em centros urbanos, predominantemente. Dessa forma, podem não representar o montante de quadros de diarréia que exigem internação em cada país. Além disso, pode haver algum viés quanto à definição em si de diarréia, que exige hospitalização, e ainda que a internação pode não ser um marco consistente da gravidade em inúmeros cenários. Destaca-se ainda que o estado nutricional dos participantes da pesquisa não foi avaliado. Nenhum país da região do Mediterrâneo Oriental participou do estudo, não havendo, portanto, representatividade de uma expressiva parcela da população mediterrânea. O Brasil também não foi incluído, o que reduz a expressão latino-americana na análise. Por fim, como o acesso aos cuidados de saúde está em contínua melhora, é possível que os casos de diarréia que requerem hospitalização se tornem menos aplicáveis para o entendimento da etiologia da diarreia aguda grave”, destaca Roberta Castro, que também é editora associada do Portal Pebmed/Whitebook, em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED e que não participou do estudo.
Cobertura vacinal contra o rotavírus
Mesmo havendo disponibilidade de vacina, o rotavírus ainda é o principal agente causador de diarréia grave em pacientes pediátricos com menos de cinco anos de idade em países de baixa e média renda, levando a mais de 200 mil óbitos por ano.
O estudo mostrou, inclusive, que o rotavírus foi responsável por 33% das internações hospitalares e que, nos lugares onde a vacinação era efetuada, o impacto desta infecção viral foi reduzido pela metade.
“Dessa forma, diante desse resultado e, apesar do aumento do uso da vacina contra o rotavírus em todo o planeta, a expansão da vacinação, o aumento da cobertura e uma melhor eficácia da vacina devem ser objetivos de futuras pesquisas nos próximos anos. Por fim, a pesquisa descreve que Shigella, norovírus e adenovírus 40/41 também tiveram uma elevada carga de doenças. Saber quais são os principais agentes causadores da diarreia grave é um excelente avanço que pode auxiliar mais pesquisadores na elaboração de abordagens preventivas e no desenvolvimento de novas vacinas. Inclusive, existem pesquisas em andamento para o desenvolvimento de vacinas contra infecções por norovírus e Shigella”, aponta a pediatra Roberta Castro.
Um dos autores do trabalho, o virologista Tulio Fumian explicou em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias que é preciso recuperar a cobertura vacinal contra a enfermidade, que era de 95% em 2015.
“Nas análises de 2022, observamos aumento de infecções por rotavírus. Além disso, como o país apresentou baixa cobertura vacinal em 2020 e 2021, é primordial reverter essa queda”, disse o pesquisador.
No Brasil, a vacina contra o rotavírus foi inserida no Programa Nacional de Imunizações (PNI) em março de 2006. A vacinação acontece por via oral, aos dois e quatro meses de vida. Apesar da disponibilidade gratuita da vacina, apenas 71% do público-alvo foi imunizado em 2021. Os dados de 2022 ainda estão sendo atualizados no sistema de informações do PNI.
Orientações aos médicos
Além da imunização, a prevenção da infecção pelo rotavírus deve incluir o aleitamento materno exclusivo até os seis meses e cuidados de higiene pessoal e doméstica, como lavar sempre as mãos antes e depois de usar o banheiro, ao trocar fraldas de crianças, ao amamentar, manipular alimentos e quando há contato com animais.
Além disso, é recomendável lavar e desinfetar as superfícies, utensílios e equipamentos usados na preparação de alimentos. Deve haver cuidado também na higiene dos utensílios.
É muito importante também checar sempre a procedência da água, não usar água de rio, poço contaminado ou que estejam em garrafas sujas; e caso não haja esgoto, enterrar as fezes longe de cursos de água.
“É importante que não somente os pediatras, mas todos os profissionais que atuam no cuidado infantil, abordarem o tema com as famílias durante o atendimento e expliquem sobre as complicações que podem surgir devido à não vacinação, além de desmistificar muitos boatos sobre insegurança do imunizante”, frisa Roberta Castro.
*Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal PEBMED.
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