As vasculites associadas ao ANCA (AAV) são um grupo heterogêneo de doenças cujas características comuns são a presença de vasculite de pequenos e médios vasos, associados à presença dos anticorpos contra citoplasma de neutrófilos (ANCA). Este grupo é formado pela granulomatose com poliangiite (GPA), a poliangiite microscópica (PAM) e a granulomatose eosinofílica com poliangiite (GEPA).
Essas doenças possuem um alto risco de morbidade e letalidade; desse modo, o diagnóstico precoce e a prescrição de tratamentos eficazes são fundamentais para prevenir danos e melhorar o prognóstico desses pacientes.
Nesse sentido, a Sociedade Britânica de Reumatologia, em conjunto com diversas outras sociedades (British Thoracic Society, UK Kidney Association, British Laryngological Association e Vasculitis UK), publicou recentemente suas recomendações para o tratamento das VAA.
A seguir, serão resumidas as principais recomendações apresentadas nesse documento.
Recomendações
- Todas as pessoas com VAA ativa (recém-diagnosticada ou em recidiva) devem ser consideradas como tendo potencial risco de ameaça à vida ou a órgãos (GRADE 1C, SoA 98%).

Indução primária de remissão para GPA e PAM
- Todas as pessoas com GPA ou PAM ativa devem ser avaliadas para tratamento de indução de remissão com imunossupressores combinados a glicocorticoides (GC) ou avacopana (GRADE 1A, SoA 99%).
- As opções recomendadas para imunossupressão na indução de remissão de GPA ou PAM recém-diagnosticada são ciclofosfamida (CYC) intravenosa em pulsos ou rituximabe (RTX) (GRADE 1A, SoA 98%).
- Para doença ativa em recidiva, o tratamento com RTX é preferido (GRADE 1B, SoA 97%).
- Uma combinação de CYC e RTX pode ser considerada para doença com risco de vida ou de órgãos (GRADE 2C, SoA 98%).
- Para pacientes com GPA ou PAM ativa e sem evidência de risco de vida ou de perda de função de órgãos, podem ser considerados para terapia alternativa de indução com metotrexato (MTX) ou micofenolato mofetil (MMF) (GRADE 1A, SoA 96%).
Plasmaférese para GPA e PAM
- GPA ou PAM ativa e envolvimento renal grave com creatinina >3,4 mg/dL podem ser considerados para plasmaférese adjuvante, desde que o risco de potenciais eventos adversos tenha sido considerado (GRADE 2B, SoA 96%).
- Para crianças com GPA ou PAM ativa, não há dados suficientes para recomendar rotineiramente a plasmaférese em casos de comprometimento renal grave; portanto, deve ser considerada apenas caso a caso após discussão com um centro especializado (GRADE 2C, SoA 96%).
- A plasmaférese adjuvante não é rotineiramente recomendada para hemorragia pulmonar sem envolvimento renal grave (GRADE 1A, SoA 96%).
Tratamento com glicocorticoides para GPA e PAM em pacientes não considerados para uso de avacopana
- Em doença com risco de vida ou de órgãos, os autores recomendam o tratamento com GC oral em dose inicial de 50–75 mg ou 1,0 mg/kg/dia (dependente do peso, com máximo de 75 mg/dia). GC oral (prednisolona) deve ser reduzido de acordo com o esquema de desmame do PEXIVAS, atingindo uma dose equivalente a 5 mg de prednisolona por dia em 4–5 meses (GRADE 1B, SoA 96%).
- Em doença sem risco de vida ou de órgãos, podem ser considerados esquemas de redução mais baixos, com dose inicial de 0,5 mg/kg/dia de GC oral (prednisolona), com redução conforme o regime LoVAS (GRADE 1B, SoA 97%).
- Embora crianças não tenham sido incluídas no PEXIVAS, esse regime de desmame pode ser considerado para adolescentes. Para crianças mais novas, também pode ser considerado o guia SHARE para redução de prednisolona [32] (GRADE 2C, SoA 96%).
- Apesar do uso frequente, há falta de evidência de ensaios clínicos que sustentem o uso de pulsos de metilprednisolona intravenosa (MP IV). Portanto, pulsos de MP IV não são rotineiramente recomendados, mas podem ser reservados como opção para manejo de manifestações com risco de órgãos, incluindo doença renal ativa e hemorragia alveolar difusa (GRADE 2C, SoA 97%).
Uso do inibidor do complemento avacopana
- Pacientes com GPA ou PAM ativa devem ser considerados para uso de avacopana como agente poupador de esteroides, com ou sem um curto curso de GC (redução em quatro semanas) (GRADE 1A, SoA 96%).
Manutenção da remissão para GPA e PAM
- Após a indução de remissão com regime baseado em RTX ou CYC, os autores recomendam a manutenção da remissão com RTX em preferência a outros agentes (GRADE 1A, SoA 98%).
- O rituximabe para manutenção deve ser administrado em dose de 500 mg a 1000 mg a cada 4–6 meses (GRADE 1A, SoA 97%).
- Azatioprina (AZA) ou MTX podem ser considerados como opções alternativas (GRADE 1A, SoA 98%).
- MMF é uma opção apenas em casos de intolerância ou contraindicação a RTX, AZA ou MTX (GRADE 2B, SoA 97%).
Manutenção da remissão para GPA e PAM: duração da imunossupressão
- A manutenção da remissão deve ser mantida por um período de 24–48 meses (GRADE 1A, SoA 97%).
- Pacientes com acometimento renal grave que permanecem dependentes de diálise possuem alto risco de infecção. Pacientes com doença renal limitada que permanecem dependentes de diálise podem não necessitar de imunoterapia contínua. A terapia de manutenção para prevenir recaída deve ser equilibrada com os riscos da imunossupressão (GRADE 2C, SoA 98%).
Manutenção da remissão para GPA e PAM: duração do tratamento com GC
- A duração ótima do tratamento com GC durante a fase de manutenção é incerta; a retirada completa do GC pode ser possível dentro de 6–12 meses após a indução da remissão (GRADE 2B, SoA 98%).
Momento do transplante renal em GPA e PAM
- Pessoas com GPA ou PAM devem estar em remissão clínica estável por pelo menos 6–12 meses antes de receber um transplante renal (GRADE 2C, SoA 98%).
Considerações diagnósticas na estenose subglótica relacionada à GPA
- Sintomas de via aérea (dispneia aos esforços, estridor) associados à GPA devem ser investigados por um especialista em Otorrinolaringologia e/ou Pneumologia com expertise em vasculite e estenose de via aérea (GRADE 1C, SoA 99%).
Opções de tratamento sistêmico e cirúrgico na estenose subglótica
- A terapia com GC pode ajudar a reduzir a inflamação na estenose subglótica por GPA, mas não é a opção preferida para manutenção. Doença mais significativa requer indução e manutenção conforme recomendações para GPA e PAM sistêmica (GRADE 1C, SoA 98%).
Nomenclatura na GPA sinonasal
- O termo “GPA limitada” pode subestimar a carga da doença; termos como GPA localizada em vias aéreas superiores ou GPA sino-nasal são preferidos (GRADE 1C, SoA 97%).
Avaliação multidisciplinar integrada na GPA sino-nasal
- Todas as pessoas com VAA afetando o trato sinonasal devem ser avaliados por uma equipe multidisciplinar, incluindo otorrinolaringologia e médicos com expertise em VAA (GRADE 1C, SoA 98%).
Reconhecimento de condições de vasculite associada à cocaína
- Histórico de uso prévio e atual de cocaína deve ser avaliado (tanto história quanto toxicologia) na primeira avaliação em todos os indivíduos com suspeita de VAA. A triagem toxicológica pode ser repetida em pacientes com doença sinonasal persistente ou refratária (GRADE 1B, SoA 99%).
Tratamento da doença sinonasal
- Imunossupressão: tratamento de primeira linha com RTX ou CYC e GC ou avacopana para doença sinonasal com risco de órgãos é recomendado, pois proporciona controle precoce da doença e limita o acúmulo de dano (GRADE 1A, SoA 98%).
- Tratamentos tópicos e sintomáticos locais devem ser oferecidos a pessoas com doença sinonasal (GRADE 1B, SoA 99%).
- Triagem para colonização e infecção bacteriana, e tratamento antimicrobiano quando indicado, devem ser oferecidos a pessoas com doença sinonasal (GRADE 1C, SoA 98%).
Momento da cirurgia reconstrutiva sino-nasal
- Recomenda-se que a doença esteja em remissão por pelo menos 12 meses (preferencialmente com prednisolona ≤5 mg) no momento da cirurgia reconstrutiva; caso contrário, taxas altas de falha e complicações são elevadas (GRADE 1C, SoA 97%).
Diagnóstico de GEPA
- O diagnóstico de GEPA pode ser desafiador devido ao fenótipo clínico heterogêneo e requer abordagem multidisciplinar especializada para excluir síndromes eosinofílicas alternativas (GRADE 1C, SoA 99%).
- Manejo da GEPA deve ser estratificado de acordo com manifestações clínicas e gravidade da doença (GRADE 1C, SoA 99%).
Indução de remissão para GEPA
- Todas as pessoas com GEPA ativa (recém-diagnosticada ou em recidiva) devem ser consideradas como tendo potencial risco de ameaça à vida ou a órgãos (GRADE 1C, SoA 99%).
- Todas as pessoas com GEPA ativa devem ser avaliadas para tratamento de indução de remissão com GC combinado a outros agentes imunomoduladores (GRADE 1C, SoA 99%).
- As opções imunomoduladoras recomendadas para pessoas com GEPA com risco de vida ou de órgãos são pulsos IV de CYC como primeira linha OU RTX se CYC for contraindicado ou inaceitável para o paciente (GRADE 1C, SoA 98%).
- Terapias anti-IL-5/IL-5R demonstraram ampla eficácia na GEPA e são recomendadas (se disponíveis para qualquer das indicações aprovadas) para indução de remissão em doença sem risco de vida ou de órgãos (GRADE 1A, SoA 98%).
- Em GEPA ativa sem risco de vida ou de órgãos, terapia alternativa de indução com MTX, MMF ou AZA pode ser considerada quando anti-IL-5/IL-5R não estiver disponível ou como terapia adjuvante, dependendo do fenótipo da doença (GRADE 2C, SoA 98%).
Manutenção da remissão para GEPA
- Terapias anti-IL-5/IL-5R são recomendadas (se disponíveis para qualquer das indicações aprovadas) para manutenção da remissão e para auxiliar na redução de GC (GRADE 1A, SoA 99%).
- RTX, MTX, MMF ou AZA podem ser considerados como opções alternativas quando anti-IL-5/IL-5R não estiver disponível, ou como terapias de manutenção adjuvantes, dependendo do fenótipo da doença (GRADE 2C, SoA 98%).
- GC deve ser reduzido à menor dose eficaz possível, mantendo a remissão da doença e considerando manifestações específicas do paciente, comorbidades e preferências (GRADE 1A, SoA 99%).
Autoria

Gustavo Balbi
Editor-chefe de Clínica Médica da Afya • Residência em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Reumatologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro • Doutorando pela USP • Professor de Reumatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora • Chefe do serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora • Membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide e da Comissão de Vasculites da Sociedade Brasileira de Reumatologia
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