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Reumatologia9 setembro 2020

Como são os desfechos gestacionais nas vasculites sistêmicas?

O artigo aborda uma revisão narrativa, reunindo dados sobre as diversas vasculites sistêmicas e seus desfechos gestacionais.

Por Gustavo Balbi

As vasculites sistêmicas são um grupo heterogêneo de doenças que cursam com inflamação vascular. Devido às recentes melhoras em termos de diagnóstico e tratamento, houve um aumento na expectativa de vida desses pacientes e um consequente aumento no interesse por questões ligadas à saúde reprodutiva de mulheres com tais doenças, especialmente com relação aos desfechos gestacionais.

O artigo escolhido para esta semana, publicado por Ross et al., traz uma revisão narrativa sobre o tema, reunindo dados sobre as mais diversas vasculites sistêmicas e seus desfechos gestacionais. Vou resumir os pontos mais importantes a seguir.

Gestante em consulta devido vasculites sistêmicas

Vasculites sistêmicas: conceitos gerais

É sempre importante discutir o tema com pacientes com algum tipo de vasculite sistêmica. A gestação, idealmente, deve ser sempre programada: a paciente deve estar em remissão ou atividade mínima por, no mínimo, 6 meses antes da concepção, bem como deve estar utilizando medicações compatíveis com a concepção e gestação.

O seguimento deve ser frequente e o médico deve se lembrar que alguns parâmetros se alteram de maneira fisiológica na gestação (p.e., VHS se eleva, ocorre anemia dilucional, entre outros). Esse dado é fundamental na hora de interpretar possíveis quadros sugestivos de reativação da doença.

Os exames de imagem não devem ser atrasados, se clinicamente indicados. No entanto, deve-se ter cuidado, uma vez que o gadolíneo foi recentemente associado com o aumento do risco de perdas fetais e mortes neonatais. Deve-se sempre pesar o risco e benefício da propedêutica instituída.

Leia também: Doenças reumatológicas autoimunes e saúde reprodutiva

Efeitos da vasculite na gestação

  • Vasculites em atividade apresentam maiores taxas de perda gestacional (20-53% vs. 13% na população geral);
  • Hipertensão: ocorre em até 20% das gestações. No entanto, a arterite de Takayasu (TAK) apresenta maiores taxas de hipertensão e pré-eclâmpsia que as demais;
  • Diabetes mellitus gestacional: parece se correlacionar mais com o uso de corticoide do que com alguma doença específica;
  • Perdas gestacionais: mais frequentes, especialmente na doença de Behçet (DB), TAK e vasculites associadas ao ANCA (AAV), podendo atingir 34% das gestações (vs. 15-20% na população geral americana);
  • Baixo peso ao nascer: 10% das gestações, com maiores chances de o feto necessitar de terapia intensiva;
  • Crescimento intrauterino restrito: mais frequente em vasculites de pequeno calibre, acometendo até 30% das gestações;
  • Parto cesáreo: mais frequente, em até 50% dos casos, principalmente por indicação obstétrica.

Efeito da gestação na vasculite

Gestação não é tida como um fator de risco para desenvolvimento de vasculites, mas o diagnóstico pode acontecer em qualquer momento da assistência pré-natal/período puerperal. Alguns estudos sugerem que os desfechos gestacionais prévios em pacientes com vasculites não predizem desfechos gestacionais futuros.

Existe um registro prospectivo em curso (V-Preg) desde 2015. De acordo com resultados preliminares com 62 pacientes incluídas, 75% das pacientes estavam em remissão ou com baixa atividade no primeiro trimestre, sem relatos de perdas fetais.

  • Atividades de doença: acontecem em 20-40% dos casos, especialmente naqueles com mau controle da doença antes da concepção. No entanto, isso pode variar de acordo com o tipo de vasculite: DB parece melhorar durante a gestação, enquanto que as vasculites retinianas, de pequenos vasos e necrotizantes, apresentam maior risco de reativação durante a gestação;
  • Mortes maternas: raras (especialmente por atividade de doença), principalmente em pacientes com TAK, poliarterite nodosa (PAN) e AAV;
  • Puerpério/pós-parto: 20-40% de reativações até 3 meses após o parto. Parece ser mais frequente em pacientes com DB;
  • Evitar gestação: acometimento renal grave, insuficiência cardíaca, granulomatose eosinofílica com poliangiíte (EGPA) não controlada, hipertensão pulmonar grave e hipertensão arterial sistêmica descontrolada com acometimento renal.

Tratamento

É fundamental que as pacientes com vasculites sistêmicas estejam em bom controle da doença por, pelo menos, 6 meses antes da concepção. Além disso, as medicações em uso para manutenção da remissão da doença devem ser compatíveis com a concepção e gestação.

  • Medicações que podem ser utilizadas na gestação: corticoide (na menor dose possível), azatioprina, imunoglobulina humana, hidroxicloroquina, colchicina, ciclosporina e tacrolimo. De maneira geral, os anti-TNF podem ser utilizados no início da gestação, mas devem ser suspensos no terceiro trimestre (exceção: certolizumabe pode ser utilizado durante toda a gestação);
  • Medicações teratogênicas: metotrexato, leflunomida, micofenolato mofetil e ciclofosfamida.

Para detalhes com relação às medicações e seu manejo, vide nossos temas no Whitebook (Lúpus Eritematoso Sistêmico e Gestação; e Gestação e Artrite Reumatoide) e os guidelines atuais.

O uso do AAS na prevenção de pré-eclâmpsia é bem estabelecido em populações de alto risco não-selecionadas, porém seu papel nas vasculites sistêmicas ainda não está bem estabelecido. Devido ao risco aumentado de pré-eclâmpsia em pacientes com TAK, alguns autores advogam seu uso nesse contexto.

Veja mais: Vasculite ANCA-associada: uso de plasmaférese pode melhorar prognóstico?

Doenças específicas

O artigo original se encontra nas referências abaixo. Nele, sugiro que vejam a tabela que resume os principais desfechos gestacionais de 16 vasculites diferentes.

Dentre as vasculites sistêmicas, a DB apresenta um achado curioso que vale o comentário específico: a DB neonatal. Existem relatos na literatura de neonatos que desenvolvem úlceras orais ou genitais e manifestações cutâneas da DB no período neonatal, que podem persistir até 8 semanas após o nascimento. Normalmente os sintomas são leves e se resolvem espontaneamente. No entanto, já foram descritos casos de acometimento neurológico, vilite necrotizante, vasculite decidual e morte fetal. O mecanismo fisiopatogênico sugerido é o de transferência de anticorpos maternos para o feto.

Comentários

Trata-se de um artigo de revisão bastante completo, apesar das evidências limitadas nesse contexto.

Pacientes com vasculites sistêmicas devem ser consideradas de alto risco gestacional e, portanto, sua assistência pré-natal deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar com expertise na área. O tratamento das reativações difere pouco do que é feito fora da gestação, mas atenção especial deve ser dada para que se utilize procedimentos diagnósticos e medicações que sejam compatíveis com o momento gestacional em questão, de modo a minimizar o risco de teratogênese e de complicações neonatais.

Referência bibliográfica:

  • Ross C, D’Souza R, Pagnoux C. Pregnancy outcomes in systemic vasculitides. Current Rheumatol Rep. 2020;22:63.
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