Intervenções da psicocardiologia aplicada a fatores de personalidade
Estudos recentes ttentam estabelecer, por meio da psicocardiologia, uma correlação entre traços e fatores de personalidade e outras variáveis psicossociais.
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Desde a antiguidade, o coração vem sendo objeto de estudo, e apresenta sua construção simbólica, como sendo o centro das emoções, dotado de sentimentos positivos ou negativos que representam o modo de ser do indivíduo. Para além dessa perspectiva figurativa, trata-se de um dos órgãos mais nobres do corpo, responsável pela circulação, pulsação, vida. Por estes motivos, estudos recentes têm buscado estabelecer, por meio da psicocardiologia, uma correlação entre traços e fatores de personalidade e outras variáveis psicossociais, com a ocorrência e prognóstico de doença arterial coronariana (DAC).
A DAC é a manifestação cardíaca da doença aterosclerótica, que determina o bloqueio no fluxo de sangue para as artérias coronárias. Os riscos clássicos para desenvolvimento da DAC são de ordem biológica, física, e de estilo de vida. Afora riscos inevitáveis como hereditariedade, idade, sexo, etnia, um dos maiores riscos é apresentado por níveis elevados de lipídios no sangue e aterosclerose. Um fato importante, é que as doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no mundo.
O estudo dos fatores de estresse, personalidade, estilo de enfrentamento e suas relações com a DAC é de grande importância para a compreensão dos mecanismos que levam as pessoas a desenvolverem cardiopatias coronárias. Entretanto, estudos de DAC caracterizam-se por serem altamente complexos, em razão da grande quantidade de fatores de risco tradicionais, como o tabagismo, obesidade, hipercolesterolemia, etc., interagindo com estresse e traços de personalidade.
A partir de pesquisas empíricas de comportamentos e características comuns em pessoas com cardiopatias, buscou-se identificar um padrão que pudesse estar associado ao desenvolvimento da patologia. Tal padrão comportamental, seria responsável por disparar uma reação de estresse constatada por alterações mensuráveis na reatividade fisiológica do indivíduo1. A esse padrão, atribuiu-se o nome de Padrão Comportamental Tipo A (TABP).
Características da TABP
Qualidades de comportamentos, que incluem hostilidade, competitividade exacerbada, levando o indivíduo a uma orientação agressiva e ambiciosa em relação ao outro, estado de alerta físico e psicológico, tensão muscular e estilo de fala rápida/explosivo. Um senso de urgência crônica leva à agitação, impaciência e aceleração habitual da maioria das atividades, que pode resultar e irritabilidade, raiva e autoconceito rebaixado.
Mais recentemente foi criado um novo modelo teórico sobre a influência de fatores psicológicos como causa da DAC, fundamentada na teoria dos cinco fatores de personalidade (FFM), denominado “Personalidade tipo D” (TDP) por Denollet Vaes e Brutsaert (2000), que representaria indivíduos que apresentam quadro de estresse crônico. Trata-se de uma teoria criada com base no FFM e em evidências empíricas, associados à etiologia e prognóstico da DAC. É a combinação de dois traços de personalidade: afetividade negativa e inibição social.
Características personalidade tipo D
Afetividade negativa é definida como a predisposição emocional de vivenciar uma variedade de estados de ânimo negativos (sensíveis à irritabilidade, pequenas frustrações, mais propensos a ansiedade, hostilidade, culpa, raiva, rejeição, depressão, tristeza, distress e dificuldade em controlar impulsos). A Inibição social é a tendência a reprimir a expressão de emoções em situações de interação social, é consciente e tem por objetivo evitar a desaprovação do outro. O indivíduo avaliado como TDP vive permanentemente um estado emocional conturbado, permeado de sentimentos negativos, mau humor, depressão, ao mesmo tempo em que busca inibir a expressão desta afetividade negativa ao se defrontar com situações de interações sociais.
As pesquisas têm evidenciado que TABP e TDP, apesar de se configurarem em diferentes características, são fatores de risco independentes associados ao desenvolvimento e incidência/progressão de DAC. Trata-se de estilos específicos de respostas de enfrentamento para mediar situações onde há presença de um estressor. Emoções negativas, expressas ou ocultas e coping focado na emoção são respostas ao estresse, comuns tanto ao Tipo A quanto ao Tipo D, e relacionadas à cardiopatia coronária.
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A crença da existência de interações entre o sistema imunitário e o sistema nervoso central (SNC) tem despertado enorme interesse na investigação dentro da área da psiconeuroimunologia (PNI). Esta corresponde ao campo científico que estuda a relação bidirecional entre o SNC e os sistemas imunitário e endocrinológico, assim como possíveis implicações destas relações na saúde física e mental do ser humano2,3,4,5.
O estresse psicológico é um determinante chave para a saúde e doença e seu papel estende-se a inúmeros distúrbios, dos quais se sabe que o surgimento e curso é influenciado pelo sistema imunitário7. Atualmente existem evidências científicas de que eventos agudos de estresse estão geralmente associados a níveis aumentados de defesas imunitárias, sendo o estresse crônico diretamente associado à supressão do sistema imune, em decorrência da sobrecarga orgânica prolongada e alteração hormonal, em especial do cortisol6.
É importante salientar que não é a vivência dos afetos por si só que gera doenças cardiovasculares. Sentir emoções não, necessariamente, causam doenças do coração. Já se sabe que a elevação da pressão, das taxas de colesterol e de triglicérides são respostas normais do nosso corpo às emoções. O fator principal está na forma como essas pessoas vivenciam esses afetos, qual intensidade e qual frequência com que eles ocorrem. Essas vivências ocorridas continuamente tornam as taxas permanentemente alteradas, favorecendo o desencadeamento de doenças desse tipo.
Intervenções ao paciente personalidade tipo A
-Foco na redução e intensidade de atividades laborais, mudanças no padrão de competitividade, desenvolvimento do vínculo de confiança e interação saudável com o outro, reconhecimento da sobrecarga/limites, novos meios de canalização da raiva e estresse, buscando diminuir a sobrecarga fisiológica e emocional.
Intervenções ao paciente personalidade tipo D
Trabalhar pensamentos mais realistas e menos negativos, valorização de pequenas vitórias, aumento da autoestima e autovaloração, estratégias de interação social, autoconfiança, trabalhar na redução de comportamentos de hostilidade, culpabilização. Foco na valorização dos próprios desejos e redução da necessidade de aprovação externa.
Em ambos os casos, a psicoeducação e modificação dos padrões de enfrentamento são necessários, entretanto, pode ser bastante útil identificar o perfil de comportamento e coping dos pacientes. Associando tais informações aos hábitos/rotinas de vida e à subjetividade de cada indivíduo, o psicólogo tem a possibilidade de intervenções hospitalares focadas na “causa” principal (características crônicas), sensibilizando paciente e familiares sobre a importância da mudança dos padrões funcionais na prevenção à recorrência de eventos cardiovasculares.
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Referências:
- Rosenman, R. H., Brand, R. J., Sholtz, R. I., & Friedman, M. (1976). Multivariate prediction of coronary heart disease during 8.5 year follow-up in the Western Collaborative Group Study. The American Journal of Cardiology, 37(6), 903-910.
- Ader R, Cohen N, Felten D. Psychoneuroimmunology: interactions between the nervous system and the immune system. Lancet. 1995;345(8942):99-103.
- Leonard BE, Myint AM. Immune dysfunction, depression and neurodegeneration. Acta Neuropsychiatr. 2009;21 Suppl 2:45-6.
- Raison CL, Capuron L, Miller AH. Cytokines sing the blues: inflammation and the pathogenesis of depression. Trends Immunol. 2006;27(1):24-31.
- Miller AH. Norman Cousins Lecture. Mechanisms of cytokine-induced behavioral changes: psychoneuroimmunology at the translational interface. Brain Behav Immun. 2009;23(2):149-58.
- Altemus M, Rao B, Dhabhar FS, Ding W, Granstein RD. Stress-induced changes in skin barrier function in healthy women. J Invest Dermatol. 2001;117(2):30917.
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