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Geriatria4 abril 2025

Impacto dos psicofármacos na cognição em idosos

Revisão sistemática avaliou o impacto de psicofármacos na cognição dos idosos e se as características do baseline influenciam o impacto cognitivo dessas medicações
Por Tayne Miranda

Uma em cada cinco pessoas acima de 65 anos tem um transtorno mental, com os transtornos de ansiedade sendo os mais comuns, seguidos por transtornos do humor e transtorno por uso de substâncias. Consequentemente, o uso de psicofármacos é frequente entre idosos. Ao mesmo tempo, o envelhecimento aumenta o risco de declínio cognitivo, sendo essencial compreender os efeitos desses medicamentos na cognição. Assim, entender o impacto dos psicofármacos na cognição de idosos é central para qualquer tentativa clínica ou de pesquisa para prevenir o declínio cognitivo.  

Muitos psicofármacos possuem ação anticolinérgica e o efeito das medicações anticolinérgicas no declínio cognitivo em idosos é bem conhecido. Outros mecanismos associados com os psicofármacos, como as alterações em dopamina e serotonina são associados a mudanças no humor e cognição, bem como alterações de neuroplasticidade.  

As evidências disponíveis mostram uma associação entre o uso de benzodiazepínicos e declínio cognitivo, embora tal achado não seja consistente. Quanto aos antidepressivos, os achados são mistos. As evidências são limitadas em relação às demais categorias.  

O objetivo da revisão sistemática de Chandramouleeshwaran e colaboradores é avaliar o impacto de antidepressivos, antipsicóticos, benzodiazepínicos, estabilizadores de humor e/ou a combinação deles na cognição dos idosos. O estudo também avaliou se as características do baseline influencia o impacto cognitivo dessas medicações. 

Saiba mais: Efeitos colaterais de antidepressivos e antipsicóticos e prescrição personalizada

Método 

A revisão foi realizada de acordo com as diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECRs) publicados e estudos de coorte prospectivos e retrospectivos, abrangendo estudos em casas de repouso, hospitais e comunidades. Foram incluídos estudos com participantes com 55 anos ou mais, com grupos controle de pessoas não expostas a psicofármacos, amostras > 50 pessoas, um seguimento de, no mínimo, 6 meses e o uso de escalas validadas para avaliação cognitiva. A faixa etária de 55 anos ou mais foi utilizada para captar os pré-idosos que podem ser mais vulneráveis ​​ao desenvolvimento de alterações cognitivas precoces com o uso de psicofármacos. As buscas foram realizadas em 12 de abril de 2019 e atualizada em 22 de abril de 2022, nas seguintes bases de dados, sem restrições de linguagem ou data: Medline (incluindo Epub ahead of print, inprocess e outras citações não indexadas), PsycINFO e Embase por meio da plataforma Ovid, CINAHL por meio da EBSCO e Web of Science. Uma meta-análise não foi realizada devido à heterogeneidade entre os estudos, dados quantitativos inconsistentes e escalas cognitivas variadas utilizadas.  

Resultados 

27 artigos foram incluídos na revisão. 9 relataram os efeitos cognitivos de antidepressivos, 9 de benzodiazepínicos, 3 de antipsicóticos, 1 de estabilizadores de humor e 5 da combinação dessas categorias. 2 estudos eram ensaios clínicos randomizados e 25 coortes. Os participantes variaram desde idosos cognitivamente saudáveis ​​que vivem na comunidade até aqueles com demência avançada que vivem em casas de repouso.  

Impactos dos Antidepressivos 

É desafiador entender o impacto relativo dos antidepressivos e da depressão na cognição, pois o tanto as medicações quanto a depressão podem explicar o declínio cognitivo, além do que há pesquisas indicando que a depressão é um fator de risco independente para o desenvolvimento de demência. 

Participantes sem comprometimento cognitivo no baseline parecem ter maior risco de desenvolver declínio cognitivo com o uso de antidepressivos, em comparação com aqueles com comprometimento cognitivo preexistente. Esses achados devem ser examinados com cuidado, pois a maioria dos estudos incluídos na revisão foi conduzida entre participantes sem comprometimento cognitivo no baseline, com menos representação daqueles com declínio cognitivo leve ou demência. 

Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e antidepressivos tricíclicos (ADTs) estiveram associados ao declínio cognitivo nessa população, sendo a paroxetina o ISRS mais associado ao declínio cognitivo. O declínio cognitivo causado pelos ADTs e pela paroxetina pode ser explicado por suas propriedades anticolinérgicas.  

Embora um estudo tenha relatado uma redução no ritmo do declínio cognitivo com o uso de ISRS a longo prazo em participantes não deprimidos com declínio cognitivo leve, o número limitado de estudos sobre o tema não permitiu que nenhuma conclusão fosse tirada sobre as propriedades de proteção cognitiva desses agentes nessa população. 

Impacto dos Benzodiazepínicos 

A maioria dos estudos conduzidos entre participantes sem comprometimento cognitivo no baseline relatou um declínio cognitivo significativo associado ao uso de benzodiazepínicos. No entanto, o tamanho do impacto foi pequeno em vários estudos. Os fatores associados ao declínio cognitivo incluem uso regular, maior duração de uso e uso de agentes de ação mais longa. Não há consenso se dose das medicações está associada com o declínio cognitivo, tornando improvável que o declínio pudesse ser explicado exclusivamente pela ação anticolinérgica do medicamento. Não está claro qual o mecanismo das alterações cognitivas causadas pela medicação. 

É importante salientar que oito dos nove estudos foram realizados com participantes sem comprometimento cognitivo no baseline. É possível que os benzodiazepínicos tenham sido mais usados ​​em participantes com demência precoce não diagnosticada para tratar sintomas psicológicos. Portanto, é difícil descartar a causalidade reversa, especialmente porque todos os estudos incluídos são observacionais.  

Com base nessas descobertas e pesquisas anteriores, é possível concluir que o uso regular, de longo prazo de benzodiazepínicos, bem como de medicações de meia vida longa está relacionado com comprometimento cognitivo entre adultos mais velhos sem comprometimento cognitivo no início do estudo, embora o tamanho do efeito seja pequeno nos estudos incluídos.  

Impacto dos Antipsicóticos 

A maioria dos estudos incluídos encontrou um declínio cognitivo significativo com o uso de medicamentos antipsicóticos em adultos mais velhos (o dobro em relação ao controle ou equivalente a um ano de doença degenerativa). Antipsicóticos típicos e atípicos estão igualmente associados com declínio cognitivo. Em um estudo, não houve diferença no declínio cognitivo causado por quetiapina, risperidona e olanzapina, o que leva a crer que o efeito anticolinérgico não é capaz de explicar o declínio cognitivo causado por essas medicações. Todos os estudos incluídos foram conduzidos com participantes com declínio cognitivo prévio e sintomas comportamentais e psicológicos da demência, com indicação clínica para o uso de antipsicóticos.  

Impacto dos Estabilizadores de Humor 

O único estudo incluído mostra um efeito negativo do divalproato na cognição entre idosos com demência.  

Impacto da Combinação de Psicofármacos 

A heterogeneidade do grupo fez com que fosse difícil chegar a um consenso. Houve um declínio cognitivo significativo com o uso de antipsicóticos atípicos e benzodiazepínicos, o que está de acordo com os demais estudos incluídos na revisão. Encontrou-se um aumento de incidência de demência entre participantes sem alterações cognitivas e não deprimidos em uso de benzodiazepínicos de ação prolongada, o que sugere que o efeito cognitivo se deve ao uso do psicofármaco e que a medicação não foi prescrita para o tratamento de sintomas psicológicos prodrômicos da demência. Participantes em uso de benzodiazepínicos e outros psicofármacos apresentaram um aumento da incidência de demência.  

Limitações 

  • A maioria dos estudos incluídos avaliaram o impacto cognitivo de antidepressivos e benzodiazepínicos, com poucos estudos avaliando estabilizadores de humor e antipsicóticos; 
  • A maior parte dos estudos eram observacionais; 
  • A despeito da tentativa de avaliar se os efeitos anticolinérgicos poderiam explicar o efeito cognitivo dos psicofármacos foi difícil fazer tal inferência, uma vez que a maior parte dos estudos não especificaram as medicações usadas de cada classe; 
  • Não é possível descartar a causalidade reversa, especialmente em estudos observacionais com um período de seguimento curto; 
  • Há uma escassez de ensaios clínicos randomizados (RCTs) sobre o impacto dos psicofármacos na cognição de adultos mais velhos com amostras grandes, longos períodos de acompanhamento e o uso de medidas cognitivas padronizadas. 

Impactos para a Prática Clínica 

  • É importante que os clínicos que prescrevem psicofármacos para adultos mais velhos estejam cientes do impacto cognitivo dessas medicações, especialmente porque elas costumam ser prescritas por longos períodos; 
  • Adultos mais velhos em uso regular de benzodiazepínicos de ação prolongada, antipsicóticos, antidepressivos com propriedades anticolinérgicas ou combinações desses psicofármacos são especialmente suscetíveis ao declínio cognitivo; 
  • Participantes sem declínio cognitivo parecem ser mais suscetíveis aos efeitos cognitivos dos psicofármacos do que aqueles com demência prévia; 
  • É importante que seja realizada a avaliação clínica da cognição antes de iniciar psicofármacos implicados no declínio cognitivo e periodicamente durante o uso. 

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Referências bibliográficas

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