Pacientes sobreviventes após uma infecção por covid-19 apresentam uma série de manifestações clínicas e sequelas ainda pouco compreendidas. Além disso, pouco se sabe sobre imagem de longo prazo e função pulmonar de pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI) que sobrevivem à covid-19. Estudos prévios mostraram que 76,5% dos pacientes que se recuperaram ainda apresentavam pelo menos uma anormalidade na tomografia computadorizada (TC) de tórax seis meses após a internação, sendo mais frequente naqueles pacientes internados na UTI do que em pacientes de enfermaria.
O objetivo deste estudo brasileiro foi investigar as consequências em longo prazo da covid-19 no sistema respiratório de pacientes com alta hospitalar após uma internação em UTI e identificar fatores de risco associados TC de tórax e gravidade do quadro.
Métodos
Foi um estudo prospectivo de coorte de pacientes com covid-19 internados em UTI de um hospital terciário no Brasil (entre março e agosto de 2020), e acompanhados seis a doze meses após a internação. Todos foram avaliados inicialmente com escala de dispneia modificada do Medical Research Council (mMRC), avaliação da saturação periférica de oxigênio, capacidade vital forçada e radiografia de tórax. Aqueles que tiveram pelo menos um desses fatores alterados aproximadamente 16 meses após a internação foram convidados a realizar uma tomografia de tórax e uma prova de função pulmonar completa (PFP).
O desfecho primário foram as alterações na tomografia de tórax, classificadas como fibróticas ou não fibróticas. A associação com dados clínicos possibilitou a criação de um modelo de machine learning para prever a gravidade das alterações tomográficas.
Resultados
No total, 326 pacientes (72%) foram elegíveis para TC de tórax e PFP. Lesões na TC de covid-19 foram identificadas em 81,8% dos pacientes, e metade deles apresentou comprometimento pulmonar restritivo leve e capacidade de difusão pulmonar prejudicada. Os pacientes com achados na TC foram estratificados em duas categorias de gravidade da lesão: tipo não fibrótico (50,8% de opacidades, reticulações em vidro fosco) e tipo fibrótico (49,2%-bronquiectasia de tração/distorção arquitetônica).
Nenhuma associação entre a gravidade das lesões da TC e a difusão pulmonar alterada ou distúrbio restritivo/obstrutivo foi encontrada. O modelo preditor de gravidade utilizando técnicas de machine learning encontrou sexo masculino, internação em UTI, ventilação mecânica, traqueostomia e necessidade de drogas vasoativas como preditores de risco para lesões na tomografia de tórax (sensibilidade, 0,78±0,02; especificidade, 0,79±0,01).
Este foi o maior estudo prospectivo de pacientes brasileiros até o momento, demonstrando os efeitos da COVID a longo prazo na população internada em unidades de terapia intensiva. Os resultados são compatíveis com estudos internacionais, tanto na presença de alterações tomográficas como em alterações na função pulmonar.
A alta frequência de lesões pulmonares verificadas foi particularmente preocupante, principalmente porque as lesões tomográficas graves foram mais frequentes em idosos e pacientes com mais comorbidades, propensos a infecções e episódios agudos de exacerbação. Parte das limitações do estudo incluem a não inclusão de outros centros e a perda de seguimento de pacientes que deixaram de realizar exames como a difusão de monóxido de carbono.
Mensagens práticas
- A covid-19 possui um potencial de gerar sequelas a longo prazo e monitorar suas características é fundamental para atuação em novos casos;
- Casos graves, submetidos à ventilação mecânica e uso de vasopressores, internados em UTI foram mais associados a presença de lesões na tomografia de tórax e alterações na função pulmonar.
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