A Helicobacter pylori (H. pylori) coloniza a mucosa gástrica, resultando em gastrite crônica e com possível evolução para condições mais graves como úlceras pépticas, adenocarcinoma gástrico e linfoma do tecido linfoide associado à mucosa (MALT). Na população pediátrica, essa é uma infecção comum, com dados de prevalência de 30,31% na China, e pode comprometer o crescimento infantil. Logo, a erradicação da infecção é essencial para reduzir a recorrência de úlceras e a progressão de outras condições como a anemia por deficiência de ferro e doença inflamatória intestinal (DII). No entanto, devido ao aumento do perfil de resistência a antibióticos a eficácia da terapia tripla padrão vem diminuindo na pediatria, trazendo mais desafios para o manejo desta condição nesta população.
A proposta de novas terapias para o tratamento da H. pylori ganham espaço, porém as terapias quádruplas atuais mostraram melhores taxas de erradicação apenas em adultos, sendo ainda pouco estudadas nas crianças. Já a terapia sequencial envolvendo inibidores de bomba de prótons (IBPs) com amoxicilina (AMO) por 5 dias, seguida por IBP, claritromicina (CLR) e metronidazol (MET) por mais 5 dias foi identificada como mais eficaz do que a terapia tripla convencional, segundo uma revisão da Cochrane. Apesar disso, as diretrizes chinesas e internacionais (ESPGHAN/NASPGHAN) recomendam as terapias quádruplas à base de bismuto como tratamento de primeira linha em áreas com alta resistência à claritromicina. No entanto, carecem de estudos clínicos bem direcionados para esta população.
Neste contexto, Miao e colaboradores elaborou um ensaio clínico randomizado, para comparar a taxa de erradicação, eventos adversos e adesão entre a terapia quádrupla à base de bismuto (bismuto + omeprazol + amoxicilina + claritromicina) de 14 dias, a terapia sequencial (omeprazol + amoxicilina por 5 dias seguido de omeprazol + claritromicina + metronidazol por 5 dias) de 10 dias e a terapia tripla padrão (omeprazol + amoxicilina + claritromicina) de 14 dias. Foram recrutadas apenas crianças com idade entre 6 a 14 anos, com diagnóstico confirmado de H. pylori e indicação de erradicação conforme o consenso Chines para o tratamento de H. pylori em pediatria. Para avaliação da erradicação após os tratamentos, foi utilizado o teste respiratório da ureia marcada com carbono-13 após 4-6 semanas da conclusão da terapia. Dentre os resultados obtidos, destacam-se:
Veja também: H. Pylori resistente ao tratamento: o que fazer?

Características dos Pacientes
- Um total de 2554 pacientes realizou endoscopia gastrointestinal alta de junho de 2018 a dezembro de 2019 no Hospital Universitário:
- Desses pacientes, 276 crianças foram diagnosticadas com infecção por H. pylori.;
- A taxa geral de infecção por H. pylori em crianças submetidas à gastroscopia foi de 10,81%;
- Não houve diferenças significativas em relação à idade (P=0,938) ou sexo (P=0,064) entre os três grupos;
- Quatro crianças foram retiradas do estudo porque não receberam ou completaram a terapia;
- Doze crianças perderam o acompanhamento e estavam com dados incompletos.
Resultados do Tratamento
- As taxas de erradicação da terapia tripla padrão de 14 dias, da terapia quádrupla à base de bismuto de 14 dias e da terapia sequencial de 10 dias foram de 70,0% (28 de 40, IC 95% 55,2-84,8%), 78,9% (30 de 38, IC 95% 65,4-92,5%) e 50,0% (19 de 38, IC 95% 33,3-66,7%) na análise por protocolo, e 63,6% (28 de 44, IC 95% 48,8-78,4%), 68,2% (30 de 44, IC 95% 53,9-82,5%) e 43,2% (19 de 44, IC 95% 27,9-58,4%) na análise por intenção de tratar.
- Estes resultados indicam que houve diferença significativa entre os três grupos, com a eficiência da terapia sequencial de 10 dias sendo significativamente menor do que a da terapia tripla padrão de 14 dias e da terapia quádrupla à base de bismuto de 14 dias.
- A taxa de erradicação não diferiu entre os grupos de 14 dias de tratamento.
- Os desfechos foram semelhantes nas análises por protocolo e por intenção de tratar.
Conclusão e mensagem prática
O tratamento da infecção por H. pylori segue sendo um desafio. O estudo em questão traz resultados não tão promissores em relação ao manejo desta condição. A terapia sequencial de 10 dias de tratamento teve baixas taxas de erradicação, não sendo recomendável para crianças que vivem em regiões com alta resistência a antibióticos como a claritromicina e o metronidazol. Além disso, a terapia quádrupla à base de bismuto não foi superior à terapia tripla padrão, sendo ainda a terapia preferível em regiões onde a cepa predominante é suscetível a claritromicina.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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