A doença de Kienbock tem como epidemiologia dor no punho sem causa esclarecida, com radiografias eventualmente revelando osteonecrose do semilunar. Mais comum em homens, entre 15-40 anos, lado dominante, trabalhador com atividade manual.
Anatomicamente, o semilunar é côncavo distalmente (articular com capitato) e convexo proximalmente (articular com rádio), apresenta a porção dorsal quadrada e mais estreita que a volar. A vascularização é em 74-100% das vezes dorsal e volar. Estudos mostram consistente suprimento volar, mas dorsal às vezes inconsistente. A irrigação é feita por ramos da artéria interóssea anterior. Há três principais padrões de vascularização do semilunar segundo Gelberman – X (10%), Y(59%) e I(31%). O tipo I apresenta maior risco para osteonecrose e o mais comum é o tipo Y.
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Etiologia
A etiologia é incerta, possivelmente multifatorial. Tem como condições associadas: lupus, esclerodermia, anemia falciforme e uso de corticoide. As teorias são: traumática (alta energia ou microtraumas) ou relacionada à vascularização deficiente. Historicamente associada a variância ulnar (VU) negativa, presente em 78% dos casos e possivelmente por uma distribuição desigual da carga (maior pressão durante extensão do punho na posição neutra). A menor inclinação radial também foi associada à doença.
Os pacientes típicos são jovens com dor e rigidez no punho dominante. A dor tem início insidioso localizada na articulação radiossemilunar e pode ter história de trauma em hiperextensão. A dor é pior com mobilização e melhora com repouso, pode haver edema no dorso do punho, sensibilidade no semilunar (distal à borda dorsal do rádio em linha com 3° raio) e diminuição da força da pinça.
Diagnóstico
Para diagnóstico, solicita-se radiografias AP e perfil de punho em rotação neutra. Os achados variam com estágio: esclerose (aumento de densidade pode ser sinal precoce de ausência de vascularização), perda da altura do semilunar, fragmentação do semilunar no AP (fraturas ocorrem principalmente na porção anterior, podendo passar desapercebido no perfil pela sobreposição com estilóide do rádio), perda progressiva da altura carpal, rotação do escafóide (flexão, com aumento do ângulo escafolunar), colapso carpal e degeneração. Os achados na RM e cintilografia (hipercaptação nos estágios iniciais) são mais precoces. Na RM, que é o exame mais sensível, há diminuição uniforme na intensidade de T1 em todo semilunar (“black lunate sign”- menor vascularização). A TC serve para avaliar a morfologia do semilunar e probabilidade de ser salvo.
Classificação
A classificação de Lichtman baseia-se em radiografias e achados na RM. Mostra-se confiável e reprodutível.
- É dividida em quatro estágios
- Estágio I: Radiografias normais ou pode-se observar um traço de fratura por compressão. Diagnóstico normalmente é feito com um aumento da captação na cintilografia ou pela avaliação com RM (diminuição sinal tanto em T1 quanto em T2). Pacientes apresentam dor dorsal no punho intermitente
- Estágio II: Esclerose do semilunar. Não há alteração do tamanho ou forma do semilunar. Pode ter várias linhas de fraturas, mas não há colapso. A radiografia em perfil é mais sensível para esses estágios iniciais. TC com reconstrução coronal e sagital é bastante útil para avaliar o colapso e a possibilidade de reconstrução do semilunar. Paciente se queixas de dor, edema persistente e rigidez do punho.
- Estágio III – Estágio IIIA: o semilunar apresentou colapso, mas não há alteração no alinhamento e na altura carpal. Radiografias em perfil mostram que o semilunar é mais largo na dimensão AP. Estágio IIIB: O capitato migra proximalmente e o escafóide assume uma posição de flexão. Há diminuição da razão da altura carpal, a rotação do escafóide produz o padrão de DISI de instabilidade carpal (ângulo SL>60, o que se relaciona com piores resultados com procedimentos que tentam preservar o semilunar); para diagnóstico de IIIB, deve-se ter ângulo radiossemilunar >60°. A clínica é de rigidez progressiva com diminuição da força e clunck com desvio radial-ulnar.
- Estágio IV: O colapso carpal contínuo está associado a alterações artríticas nas articulações radiocarpal e médio-carpal. Observa-se uma diminuição progressiva do arco de movimento associado a dor constante e edema no punho.
O curso da doença é imprevisível. O algoritmo de tratamento usa a classificação de Lichtman. Podemos dividir as opções cirúrgicas em: diminuição da carga do semilunar, revascularização do semilunar necrótico e salvamento (artrose ou semilunar não pode ser reconstruído).
- Se o semilunar é capaz de ser salvo e o paciente apresenta variância ulnar negativa: osteotomia de encurtamento do rádio de 2 a 3 mm e neurectemia do interósseo posterior.
- Se o semilunar é capaz de ser salvo e há variância positiva ou neutra, realiza-se enxerto ósseo vascularizado com ECA 4,5 e neurectomia do interósseo posterior.
- Se o semilunar não é salvo e a fossa do semilunar e a cabeça do capitato estão preservados, realiza-se carpectomia proximal e neurectomia do interósseo posterior.
- Se o semilunar não é o salvo e a fossa do semilunar e a cabeça do capitato não estão preservados, realiza-se a carpectomia proximal e interposição da cápsula ou artrodese de punho, sendo decidido com o paciente.
É importante lembrar que essa orientação pode servir como guia, porém existem inúmeras outras técnicas que são utilizadas seguindo princípios semelhantes e com diferentes graus de preferência levando em consideração o centro onde são tratados esses pacientes.
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