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Ortopedia11 agosto 2017

Geno varo: como devo conduzir o caso?

Imagine a seguinte situação: uma mãe traz ao seu consultório dois irmãos, com a mesma queixa: um, com um ano de idade, com peso adequado para a idade, e os genos varos; outro, com dois anos e meio.

Por David Nordon

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

Imagine a seguinte situação: uma mãe traz ao seu consultório dois irmãos, com a mesma queixa: um, com um ano de idade, com peso adequado para a idade, e os genos varos; outro, com dois anos e meio, 25 quilos, e os joelhos tão ou mais varos do que do irmão mais novo. O que chama a atenção nestes casos? O que fala a favor de normalidade, e o que fala a favor de patologias?

O desenvolvimento normal dos membros da criança é demonstrado no gráfico de Salenius e Vankka (figura 1), no qual se observa que a criança nasce com os joelhos varos e desenvolve um valgismo progressivo. Ao redor de um ano e meio, os joelhos devem estar alinhados; entre os três e quatro anos de idade, apresenta o ápice de valgismo dos joelhos; e até os seis anos, apresentará uma diminuição deste valgismo, até o esperado para um adulto.

Figura 1: gráfico de Salenius e Vankka sobre o desenvolvimento normal do ângulo tíbio-femoral da criança

gráfico de salenius e vankka
Salenius P, Vankka E: The development of the tibiofemoral angle in children. JBJS 1975;57:259

Quando, porém, suspeitar que o varismo dos joelhos está alterado? A idade limite para correção é de dois anos – portanto, qualquer criança com geno varo acima disso quase certamente apresentará alguma doença (embora ocasionalmente algumas crianças apresentem um atraso fisiológico, com correção espontânea após os dois anos, mas são casos de exceção). Entretanto, antes desta idade limite, alguns fatores também chamam a atenção: um geno varo muito acentuado; unilateral; associação a outras deformidades.

A causa mais comum de geno varo na infância é o raquitismo, seja ele por hipovitaminose, hipofosfatêmico, renal ou por falta de cálcio. Desta forma, quando diante de um caso suspeito de geno varo não fisiológico, é essencial que o médico realize uma avaliação completa da criança, buscando outros estigmas de raquitismo, como alargamento das metáfises, baixa estatura, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e da formação dentária (sem incisivos até um ano, sem molares até 18 meses de idade) e o rosário raquítico (figura 2), formação nodular evidente nos arcos costais.

Figura 2: rosário raquítico, ainda leve, observável nos arcos costais

menino apresentando sinais de rosario raquitico
Fonte: Arquivo pessoal. Reprodução autorizada.

Algumas evidências radiográficas falam a favor de raquitismo: varismo harmônico do fêmur e da tíbia; alargamento fisário e fise nebulosa; metáfise em taça; ilhas de cartilagem (figura 3).

Figura 3: paciente com raquitismo hipofosfatêmico: observar as ilhas de cartilagem no meio da diáfise (círculo azul), alargamento fisário (retângulo vermelho) e metáfise em taça (traços verdes).

raio x de raquitismo hipofosfatemico
Fonte: Arquivo pessoal. Reprodução autorizada.

O diagnóstico é realizado através da associação de sinais clínicos e imagens radiográficas; uma vez suspeitado, pede-se um painel de exames laboratoriais para a diferenciação dos quadros de raquitismo, momento em que a atuação do endocrinologista pediátrico é essencial. Os exames de avaliação consistem em: 25-OH-vitamina D; cálcio; fósforo e fosfato (se possível); fosfatase alcalina; PTH; creatinina; cálcio e fósforo urinários em amostra isolada.

A segunda causa mais comum é a doença de Blount. Ela é particularmente suspeitada em pacientes obesos (embora possa ocorrer em pacientes magros), deambuladores precoces e nos quais o varismo ocorre evidentemente na tíbia, ou seja, de forma não harmônica.

Até os três anos, é difícil fechar o diagnóstico desta doença, causada por um defeito na fise medial da tíbia proximal. Alguns achados, porém, chamam a atenção, como o bico metafisário medial (figura 4) e, depois, a deformidade progressiva que ocorre no platô medial.

Figura 4: Radiografia típica da Doença de Blount no início do desenvolvimento: observar o varo não harmônico (centrado na tíbia), o bico metafisário medial, a aparente subluxação dos joelhos.

Radiografia típica da Doença de Blount
Fonte: Arquivo pessoal. Reprodução autorizada.

A criança, quando deambula, classicamente também apresenta a flambagem lateral, ou seja: o joelho subluxa para fora durante a passada.

Até os três anos de idade, a doença de Blount pode ser tratada com órteses valgizantes. Após esta idade, o tratamento se torna progressivamente mais agressivo, envolvendo hemiepifisiodeses laterais, osteotomias valgizantes e correção progressiva com fixador externo circular.

No primeiro caso apresentado, portanto, a criança deve passar por uma avaliação completa, buscando outras deformidades e excluindo raquitismo, por mais que a idade aponte para um varismo fisiológico, pois este é um diagnóstico de exclusão.

No segundo caso, o diagnóstico mais provável é Doença de Blount, mas aqui raquitismo também deve ser excluído, o que é realizado com a avaliação radiográfica e os exames laboratoriais.

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