A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) frequentemente é tratada com cirurgias utilizando enxertos tendinosos para recriar um novo ligamento e estabilizar a articulação. Estes enxertos podem ser retirados de diferentes sítios, sendo os mais populares os tendões flexores (grácil e semitendíneo), o tendão patelar e o tendão do quadríceps. A decisão sobre qual enxerto utilizar envolve uma avaliação relacionada ao perfil do paciente e ao esporte que pratica. Nos pacientes com frouxidão ligamentar a preocupação com o afrouxamento do novo ligamento pode influenciar na decisão do enxerto a ser escolhido.
Um estudo recente publicado em setembro de 2025 na revista científica “Journal of Arthroscopy” investigou a taxa de ruptura do enxerto após reconstruções do LCA assim como a ruptura do LCA contralateral em pacientes com hipermobilidade articular generalizada comparando nestes pacientes o uso de enxerto do tendão patelar (TP) com o uso dos tendões flexores (TF).

Metodologia e detalhes do estudo
Trata-se de um estudo do tipo coorte restrospectiva, incluindo 82 pacientes com hipermobilidade articular generalizada que haviam retornado a esportes de alto impacto após a reconstrução primária do LCA. Os pacientes foram operados em um hospital da Suécia e possuíam idade média de 23 anos. A distribuição por sexo incluía em sua maioria mulheres (72% da amostra).
A técnica utilizando enxerto do tendão patelar foi realizada em 54 pacientes e a técnica com tendões flexores em 28. Os pesquisadores compararam as taxas de nova ruptura em três momentos: 12 meses, 24 meses e no maior tempo de acompanhamento disponível após o retorno ao esporte
Resultados
Os dados indicam que o uso do enxerto dos tendões flexores apresentou uma taxa preocupante de ruptura do enxerto ou de lesão do LCA contralateral, enquanto o uso do tendão patelar se mostrou um fator de proteção destas novas lesões.
- Segunda Ruptura do LCA (Enxerto ou Contralateral):
- No maior tempo de acompanhamento, 29.6% (16 de 54) dos pacientes do grupo TF sofreram uma nova ruptura, contra apenas 7.1% (2 de 28) do grupo TP.
- O risco de uma segunda lesão foi quase 5 vezes maior no grupo que utilizou enxerto de flexores.
- Ruptura Isolada do Enxerto:
- A diferença foi ainda mais marcante: 22.2% (12 de 54) dos pacientes do grupo TF tiveram ruptura do enxerto.
- Nenhum paciente (0%) no grupo TP sofreu ruptura do enxerto em qualquer momento da análise.
Qual é a possível explicação para esse resultado?
Pacientes com hipermobilidade articular generalizada possuem uma frouxidão ligamentar intrínseca, o que pode levar a uma maior lassidão pós-operatória do joelho. Estudos biomecânicos anteriores indicam que o enxerto de tendões flexores, quando comparado ao tendão patelar, pode estar associado a uma maior lassidão residual. Em um joelho já naturalmente mais frouxo, essa característica pode predispor uma nova ruptura, especialmente durante a prática de esportes de pivô e contato.
O que este estudo muda na prática?
Os resultados deste estudo nos motivam a dar importância à avaliação do diagnóstico de hipermobilidade articular durante a avaliação dos pacientes em programação de reconstrução do LCA. O uso de ferramentas objetivas como o Escore de Beighton deve se tornar uma rotina na prática dos cirurgiões.
A escolha do enxerto deve considerar uma chance maior de falha utilizando tendões flexores nessa população de risco e o aconselhamento sobre o uso do tendão patelar pode ser uma alterativa para reduzir as falhas da reconstrução nestes pacientes
A reconstrução do LCA em pacientes hipermóveis exige uma abordagem personalizada. A escolha do enxerto a ser utilizado pode estar associada a uma maior chance de nova ruptura do LCA, assim a escolha do enxerto dos tendões flexores parece se tornar um risco para novas lesões enquanto o uso do enxerto do tendão patelar parece ser um fator de proteção nestes pacientes.
Autoria

Rafael Erthal
Conteudista do Afya Whitebook desde 2017 ⦁ Residência em Ortopedia e Traumatologia pelo INTO ⦁ Especialista em cirurgia de joelho ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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