A dor lombar crônica não específica (NSCLBP – Non-Specific Chronic Low Back Pain) figura dentre as principais causas de incapacidade no mundo. Estima-se que até 23% da população global sofra de lombalgia crônica. Essa é uma condição multifatorial, e frequentemente sem causa definida. Por ser altamente prevalente e impactar de forma significativa a qualidade de vida e a produtividade de quem apresenta tal condição, há uma demanda crescente por tratamentos eficazes e seguros.
Na prática clínica, o manejo farmacológico ainda é amplamente utilizado, mas há controvérsias importantes sobre sua real eficácia e os riscos advindos desta modalidade, principalmente em tratamentos de longa duração. Revisões anteriores analisaram separadamente eficácia e segurança, o que dificulta a aplicação prática dos dados para decisões clínicas baseadas em equilíbrio risco-benefício.
Nesse sentido, um artigo publicado no BMJ Open (2025) apresenta um protocolo de revisão sistemática e meta-análise em rede bivariada bayesiana com o objetivo de comparar eficácia e segurança dos tratamentos farmacológicos mais utilizados para NSCLBP.

Qual a metodologia?
Foram considerados para inclusão ensaios clínicos randomizados (RCTs) comparando ao menos dois medicamentos ou medicamento versus placebo, e desfechos primários a eficácia, traduzida clinicamente pela redução da dor medida por escalas validadas, como EVA ou NRS; e segurança, avaliada pela taxa de descontinuação por eventos adversos.
As bases de dados pesquisadas foram PubMed/MEDLINE, Cochrane Central, Cochrane Reviews e CINAHL (busca até julho de 2024, sem restrições de idioma). Os medicamentos considerados foram AINEs, paracetamol, antidepressivos (tricíclicos, IRSN), gabapentinoides, relaxantes musculares e opioides fracos (opioides fortes foram excluídos),
A abordagem estatística bivariada permite analisar conjuntamente os efeitos positivos (eficácia) e negativos (segurança), simulando a realidade clínica onde essas variáveis estão sempre entrelaçadas.
Principais achados esperados (ausência de dados empíricos ainda)
Por se tratar de um protocolo, o artigo não apresenta resultados empíricos ainda. Entretanto, os autores propõem análises avançadas com os seguintes objetivos esperados:
- Ranking probabilístico dos medicamentos com melhor perfil risco-benefício (eficácia x efeitos adversos)
- Estimativas de comparação indireta entre tratamentos não comparados nos mesmos RCTs
- Avaliação de consistência da rede (verificação entre comparações diretas e indiretas)
- Análises de subgrupos:
- Duração do tratamento (curto vs longo prazo)
- Tempo de seguimento
- Tempo de dor (aguda x subaguda x crônica)
- Meta-regressões para avaliar impacto de variáveis moderadoras (idade, sexo, tipo de tratamento)
- Avaliação da qualidade das evidências segundo GRADE adaptado para meta-análises em rede
Limitações
Apesar de apresentar uma proposta metodologicamente sólida e inovadora, o protocolo da revisão sistemática com meta-análise em rede bivariada para avaliação de tratamentos farmacológicos na lombalgia crônica não específica (NSCLBP) possui limitações relevantes que devem ser consideradas, especialmente quanto à sua aplicabilidade clínica e abrangência científica.
O estudo foca em pacientes com dor lombar crônica de origem não específica, o que exclui uma parcela importante de condições comumente encontradas na prática clínica, como estenose espinhal, espondilolistese, hérnias discais sintomáticas, fraturas osteoporóticas, tumores vertebrais e síndromes pós-operatórias.
Essa decisão metodológica, embora justificada para reduzir heterogeneidade, compromete a generalização dos resultados para subgrupos importantes — especialmente idosos e pacientes com causas estruturais de lombalgia — frequentemente atendidos em serviços de Ortopedia, Reumatologia e Medicina da dor.
A avaliação é exclusiva para intervenções farmacológicas, o que completamente abordagens não medicamentosas, como fisioterapia, reabilitação funcional, acupuntura, terapia cognitivo-comportamental e programas de educação postural — todas com papel reconhecido no tratamento multidisciplinar da lombalgia crônica. Ao não considerar essas estratégias, limita a utilidade clínica dos resultados no contexto de diretrizes modernas, que preconizam a abordagem multimodal para alcançar desfechos mais sustentáveis e efetivos.
Acresce-se a estas limitações o fato de se tratar de um protocolo de estudo, o que impacta na apresentação de dados. Embora o modelo estatístico e os critérios de inclusão sejam claramente definidos, os resultados finais e os rankings comparativos de eficácia e segurança ainda dependem da execução e validação futura da revisão. Isso significa que, até o momento, a proposta permanece teórica e não fornece subsídios diretos para decisões clínicas.
Além disso, a dependência da qualidade metodológica dos estudos primários incluídos representa uma limitação crítica. A confiabilidade dos achados da meta-análise estará condicionada ao rigor dos ensaios clínicos randomizados (RCTs) disponíveis na literatura. Medicamentos amplamente utilizados na prática — como dipirona, ciclobenzaprina ou duloxetina — podem estar sub-representados ou baseados em estudos com alto risco de viés, o que pode comprometer sua posição no ranking final, independentemente de sua eficácia observada em cenários reais.
É digna de nota a possibilidade de viés de publicação, onde estudos com resultados positivos são mais frequentemente publicados do que aqueles com desfechos neutros ou negativos, tendendo a ocorrer uma superestimativa da eficácia dos tratamentos analisados e compromete a acurácia das estimativas produzidas pela meta-análise, especialmente se não houver mecanismos de correção robustos incluídos no modelo estatístico.
Ainda deve ser considerada a limitação decorrente da heterogeneidade entre os ensaios clínicos que deverão compor a rede de comparação. Diferenças entre as populações estudadas, doses utilizadas, critérios diagnósticos de lombalgia crônica, duração dos tratamentos, e desfechos avaliados representam fontes potenciais de inconsistência.
Embora o modelo bayesiano proposto seja adequado para lidar com parte dessa variabilidade, existe o risco de que comparações indiretas entre medicamentos distintos sejam prejudicadas por tais disparidades metodológicas.
Em síntese, embora o protocolo represente um avanço significativo na tentativa de integrar evidências sobre eficácia e segurança dos tratamentos farmacológicos para NSCLBP, suas limitações reforçam a necessidade de interpretar os resultados futuros com cautela, contextualizando-os à luz da prática clínica real e das características individuais de cada paciente.
Mensagem prática
O que podemos observar é a solidez metodológica, abrangência clínica e aplicabilidade direta na prática ortopédica e clínica, podendo atender uma lacuna crítica da literatura ao buscar uma comparação integrada de eficácia e segurança dos medicamentos utilizados para dor lombar crônica.
Os resultados futuros poderão auxiliar a escolha racional de medicamentos na primeira linha, a subsidiar potencial substituição terapêutica por falha ou intolerância; auxiliar a formulação de diretrizes clínicas baseadas em evidência quantitativa comparativa.
Para o médico que lida diariamente com lombalgia crônica, a conclusão prática é clara: essa revisão poderá ser uma referência essencial para decisões terapêuticas mais assertivas, baseadas não só na eficácia do tratamento, mas também em seu perfil de segurança.
Autoria

Juliana Pina Potenguy de Mello
Medicina – Fundação Técnico Educacional Souza Marques - 2005 • Médica ortopedista – SPDM - PAIS • Atendimento de urgências e emergências relacionadas a lesões no sistema musculoesquelético • Experiência em perícia médica, farmacovigilância, relacionamento médico e escrita científica.
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