O tratamento artroscópico do manguito da lesão do manguito rotador constitui um desafio para pacientes e cirurgiões, especialmente quando é identificado no pré-operatório um quadro de rigidez no ombro. Este cenário se torna ainda mais complexo: a dor aumenta, a reabilitação atrasa e os resultados funcionais podem ficar aquém do esperado. Tradicionalmente, muitos cirurgiões optam por associar uma liberação capsular parcial ou completa durante o reparo artroscópico. Mas será que existe uma alternativa menos invasiva para lidar com a rigidez?
Foi exatamente essa a pergunta de um ensaio clínico randomizado prospectivo publicado na revista científica Arthroscopy. O estudo comparou duas estratégias em pacientes submetidos ao reparo artroscópico do manguito rotador que também apresentavam rigidez:
- Grupo A – reparo do manguito + capsulotomia artroscópica;
- Grupo B – reparo do manguito, seguido de injeção de corticoide intra-articular (1 ml de triancinolona acetonida) com 2 meses de pós-operatório.
O desenho do estudo
Foram incluídos 73 pacientes com lesão do manguito e diagnóstico clínico de rigidez no ombro. A randomização dividiu 38 para o grupo capsulotomia e 35 para o grupo injeção. As avaliações foram realizadas aos 3, 6 e 12 meses, incluindo:
- Amplitude de movimento (elevação, rotação externa e interna);
- Dor (escala EVA);
- Função (escala ASES- American Shoulder and Elbow Surgeons, CONSTANT – Constant-Murley shoulder outcome score, KSS, Korean Shoulder Scale);
- Taxa de re-ruptura (avaliada por imagem).
Resultados principais
- Amplitude de movimento: ambos os grupos mostraram melhora significativa, sem diferença estatística relevante entre eles.
- Dor e função: os dois grupos tiveram evolução semelhante nos escores de função ao longo do acompanhamento, e de dor aos 6 e 12 meses, mas o grupo com injeção de corticóide apresentou menos dor na avaliação com 3 meses (grupo 1, 3.4 +/- 1.5; group 2, 2.1 +- 1.0; P <.001).
- Complicações e re-ruptura: não houve diferença significativa na taxa de re-ruptura entre capsulotomia e corticoide.
- Reabilitação precoce: pacientes do grupo corticoide apresentaram melhora mais rápida da dor nas primeiras semanas, facilitando o início da fisioterapia.
Em resumo: o corticoide pós-operatório foi tão eficaz quanto a capsulotomia artroscópica em termos de dor, função e mobilidade.
O que isso significa na prática?
- A capsulotomia segue sendo uma opção válida, mas a injeção de corticoide pós-operatória pode ser alternativa menos invasiva, com recuperação inicial até mais confortável.
- Em pacientes de maior risco cirúrgico, evitar um tempo operatório adicional pode ser vantajoso.
- O receio de que o corticoide pudesse comprometer a cicatrização do tendão não se confirmou neste estudo.
Pontos de atenção
- O acompanhamento foi de 12 meses; não sabemos ainda se, no longo prazo, há diferença no risco de recidiva da rigidez.
- A escolha pode depender da experiência do cirurgião e da disponibilidade de reabilitação intensiva precoce.
- Ainda que eficaz, o corticoide deve ser usado com critério — não como solução indiscriminada para todos os casos.
O que podemos levar para casa?
Em pacientes com lesão do manguito rotador e rigidez, a injeção de corticoide intra-articular no pós-operatório mostrou resultados clínicos equivalentes à capsulotomia artroscópica associada ao reparo. Uma medida simples, aplicada no momento certo, pode oferecer o mesmo benefício que uma intervenção mais complexa — e ainda tornar o início da recuperação mais confortável para o paciente.
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