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Ortopedia23 dezembro 2025

Células mesenquimais na ortopedia: entre promessas e evidências limitadas

Revisão mostra que terapias com células mesenquimais na ortopedia seguem promissoras, porém com evidências clínicas limitadas.

Nas últimas décadas, foi observado um expressivo aumento do interesse por terapias ortobiológicas aplicadas às patologias musculoesqueléticas. Dentre estas, destaca-se a utilização de plasma rico em plaquetas (PRP) e, mais recentemente, das células-tronco mesenquimais (CTMSs).  

Embora o PRP já possua evidências bem estabelecidas quanto à sua eficácia em tendinopatias e lesões musculares, os dados disponíveis sobre CTMSs ainda são limitados, sobretudo no que se refere à sua utilização em populações específicas e que requerem alta eficácia, como os atletas de elite.  

As CTMSs representam uma população heterogênea de células com origem em diferentes tecidos, e sua aplicação clínica é marcada pela heterogeneidade entre os protocolos de injeção, das fontes celulares utilizadas e das características dos pacientes incluídos nos estudos.  

Tendo em vista essa tendência atual e a paucidade de informações mais fidedignas sobre o tema, Berzuglov et cols, pesquisadores russos, analisaram os resultados dos protocolos de pesquisa existentes para melhor compreender qual a perspectiva relacionada ao uso das CTMSs na ortopedia e traumatologia. O objetivo foi analisar o panorama atual das pesquisas clínicas envolvendo injeções de CTMSs aplicadas às condições ortopédicas e traumatológicas. 

Joelho ou articulação com destaque para cartilagem e terapia regenerativa

Qual a metodologia? 

Foram analisados protocolos de ensaios clínicos randomizados (RCTs) registrados nas plataformas ClinicalTrials.gov, International Clinical Trials Registry Platform e EU Clinical Trials Register, além de protocolos de revisões sistemáticas (RSs) cadastradas na base PROSPERO. A busca contemplou todos os registros disponíveis até dezembro de 2023. Foram extraídas informações sobre o número de estudos concluídos, publicados, tipos de condições investigadas, fontes de células utilizadas, doses aplicadas e países com maior produção científica na área. 

Principais achados 

Foram identificados 449 RCTs e 114 protocolos de revisões sistemáticas sobre o uso de CTMs em ortopedia e traumatologia. Entre os ensaios clínicos, 35,4% haviam sido concluídos até o momento da análise, mas apenas 12,5% apresentavam resultados publicados em periódicos revisados por pares. No caso das revisões sistemáticas, 28,1% foram concluídas e 26,3% publicadas. 

As indicações mais frequentes para o uso de CTMs foram osteoartrite de joelho e quadril (37,6%), lesões medulares (10,5%), defeitos de cartilagem e fraturas (7,8%). As fontes celulares mais utilizadas foram: medula óssea (26,5%), tecido adiposo (20,5%) e cordão umbilical (15,4%) (8–10). 

As concentrações celulares variaram amplamente (0,5 × 10⁶ a 9,7 × 10⁸ células), sendo as concentrações mais usuais 1 × 10⁷, 2 × 10⁷, 5 × 10⁷ e 10 × 10⁷ células. Contudo, mais da metade dos protocolos (55,5%) não especificaram a concentração utilizada. 

A distribuição global de estudos varia, com destaque para o maior número de ensaios registrados na China (69), EUA (51) e Espanha (50), sendo esta última também destaque entre os países com maior número de ensaios concluídos, perfazendo total de 22, juntamente com EUA (20) e Coreia do Sul (19). 

A análise de risco de viés revelou que todos os estudos incluídos apresentaram risco moderado, com falhas principalmente com relação à aleatorização, cegamento, definição de desfechos e relato de financiamento. Ressalta-se ainda a ausência completa de ensaios clínicos envolvendo atletas como população de estudo, mesmo sendo esse grupo com alta demanda e frequentemente exposto às terapias com CTMs. 

Limitações 

Entre as limitações do estudo, destaca-se a possível defasagem na atualização dos registros das plataformas consultadas, o que pode comprometer a acurácia quanto ao status de conclusão e publicação dos estudos. Além disso, parte dos ensaios concluídos pode estar em fase de revisão por periódicos, o que retardaria sua divulgação.  

Observou-se também uma escassez de informações detalhadas sobre os métodos de preparo das CTMs, como o processamento celular e o uso de frações vasculares estromais (SVF), elementos essenciais para a reprodutibilidade e avaliação metodológica rigorosa. Outro ponto crítico é a significativa heterogeneidade metodológica dos estudos, o que dificulta a realização de metanálises robustas. Por fim, a carência de estudos que incluam atletas, população com alta exigência funcional, evidencia uma lacuna importante na literatura. 

Uma busca na base PROSPERO identificou 114 protocolos de revisão sistemática. Até o momento do estudo, 32 estudos (28,10%) haviam sido concluídos, com os resultados de 30 (26,32%) publicados em periódicos revisados ​​por pares.  

O uso das CTMs no tratamento da osteoartrite foi o de maior frequência (59,65%), seguido pela osteonecrose (8,77%) e lesões ósseas traumáticas e isquêmicas (5,26%). Já dentre as revisões concluídas e publicadas, a maior porcentagem foi observada para os estudos que investigaram sua eficácia no tratamento de lesões da medula espinhal (100%), tendinopatia (50%) e lesões da cartilagem articular (60%). 

Mensagem prática 

Percebe-se então, que apesar do avanço nas pesquisas sobre o uso de CTMs na Ortopedia, ainda temos poucas respostas concretas. Muitos estudos não foram publicados, os protocolos variam bastante e algumas condições clínicas continuam pouco exploradas. Isso mostra que, por enquanto, o uso dessas células na prática deve ser feito com cuidado.  

Os dados que temos são promissores, mas ainda preliminares. Para realmente saber se essa abordagem funciona — especialmente em grupos específicos, como atletas — precisamos de ensaios clínicos mais bem planejados e padronizados. Só assim poderemos ter recomendações seguras e confiáveis.

Autoria

Foto de Juliana Pina Potenguy de Mello

Juliana Pina Potenguy de Mello

Medicina – Fundação Técnico Educacional Souza Marques - 2005 • Médica ortopedista – SPDM - PAIS • Atendimento de urgências e emergências relacionadas a lesões no sistema musculoesquelético • Experiência em perícia médica, farmacovigilância, relacionamento médico e escrita científica.

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Referências bibliográficas

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