A cirurgia da coluna vertebral, especialmente em casos de deformidades complexas como a escoliose idiopática do adolescente ou a espondilolistese degenerativa, apresenta risco significativo de perda sanguínea, que pode aumentar a morbidade, prolongar o tempo de internação e elevar a necessidade de transfusões — e estas, por sua vez, associam-se com riscos imunológicos, infecciosos e consequentemente, maior custo hospitalar.
Dentro deste contexto, o ácido tranexâmico (TXA) vem ganhando papel importante como agente antifibrinolítico adjuvante, por meio da inibição competitiva da ativação do plasminogênio, que reduz a degradação do coágulo fibrinoso e promove hemostasia intraoperatória eficaz, o que é favorável especialmente em cirurgias ortopédicas de grande porte.
Numerosos estudos clínicos, incluindo ensaios randomizados e metanálises recentes, demonstram que o TXA, tanto em doses altas quanto baixas, é eficaz na redução da perda sanguínea e da necessidade transfusional em cirurgias de coluna, sem aumento significativo do risco de eventos tromboembólicos ou convulsões, especialmente em pacientes jovens e sem comorbidades.
No entanto, ainda há controvérsias quanto à dose ideal, à via de administração mais eficaz e ao perfil de segurança em populações específicas, como idosos, pacientes oncológicos ou com histórico de epilepsia. Assim, a escolha da posologia deve ser individualizada, considerando o tipo de cirurgia, o risco hemostático, e a experiência da equipe cirúrgica e anestésica.
A fim de avaliar a dose ideal do ponto de vista de eficácia e segurança, o artigo “Comparative efficacy and safety of high-dose versus low-dose tranexamic acid in adolescent idiopathic scoliosis” traz uma contribuição oportuna para a cirurgia da escoliose idiopática do adolescente (EIA) — um cenário em que a perda sanguínea intraoperatória ainda representa um dos principais desafios anestésico-cirúrgicos.
O que o estudo analisou?
Realizou-se busca nas bases PubMed, Web of Science, Embase, Cochrane Library e China National Knowledge Infrastructure (CNKI) até março de 2024, para identificar estudos controlados randomizados (RCTs) e estudos retrospectivos controlados (RCSs) que comparassem os efeitos de doses altas versus baixas de ácido tranexâmico (TXA) sobre a perda sanguínea perioperatória e a necessidade de transfusão em cirurgias de fusão espinhal para escoliose idiopática do adolescente.
A metanálise utilizou após screening 6 estudos, envolvendo 611 indivíduos — sendo 304 no grupo de TXA em alta dose, e 307 no grupo de baixa dose, oferecendo dados comparativos entre doses altas e baixas de TXA.
Foram avaliados perda sanguínea intraoperatória, taxa de transfusão e tempo cirúrgico.
Principais achados
Observou-se divergência entre os resultados dos estudos randomizados (RCTs) e os retrospectivos (RCSs), os autores atribuem maior peso aos RCTs — apesar de sua quantidade e tamanho amostral limitados. As diferenças podem ser explicadas por variações metodológicas.
Apesar dos vieses e heterogeneidade entre os estudos, os dados sugerem que, em comparação com a baixa dose de TXA, altas doses não implicam em diferença significativa em termos de perda sanguínea, tempo cirúrgico ou taxas de transfusão entre doses altas e baixas.
Não houve aumento estatisticamente significativo em efeitos adversos, como trombose ou convulsões — um receio comum em uso de TXA em altas doses.
Limitações
Ressalta-se que o artigo apresenta limitações importantes, como o número reduzido de estudos (apenas 6), amostras pequenas e falta de padronização nas doses de TXA e nos métodos de medição da perda sanguínea. Além disso, o acompanhamento dos pacientes foi curto, dificultando a avaliação da segurança a longo prazo.
Assim, os resultados devem ser interpretados com cautela, e novos estudos randomizados, maiores, com dosagens padronizadas e acompanhamento prolongado, são necessários.
Mensagem prática
Na prática, sempre deve ser balanceado o controle hemostático e risco de efeitos adversos, visto que essas são cirurgias com tempo operatório mais prolongado, com maior exposição ao sangramento. Porém, para a utilização segura e eficaz, é essencial lembrar que a aplicação clínica da dose deve sempre considerar o treinamento da equipe anestésica, com avaliação pré-operatória rigorosa, além do monitoramento hemodinâmico contínuo.
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