A evolução do PET-PSMA transformou completamente o manejo das recidivas do câncer de próstata. Hoje, lesões mínimas que antes passavam despercebidas aparecem com clareza, e isso abriu espaço para uma estratégia que ganhou enorme popularidade, que é tratar todas as metástases visíveis com radioterapia ablativa estereotáxica (SBRT). A promessa é eliminar cada foco identificável para postergar o uso de terapia hormonal.
O problema surge frequentemente na prática clínica. Mesmo irradiando todas as lesões detectadas, a maioria dos pacientes volta a progredir em meses quase sempre com novas metástases, que apenas não apareciam antes. Esse fenômeno revela a limitação central da abordagem: o PET mostra muito, mas não mostra tudo. Micro metástases permanecem vivas prontas para reaparecer.
O estudo LUNAR tenta resolver justamente essa lacuna; a sua ideia é usar 177LuPSMA antes da SBRT numa tentativa de atingir focos microscópicos espalhados pelo organismo, ao mesmo tempo em que a SBRT oferece controle quase absoluto sobre os focos detectáveis. É uma estratégia que parece lógica do ponto de vista biológico e muito atraente no consultório. Faltava saber se na prática o plano funcionaria.
Esse estudo responde essa pergunta, e com resultados que chamam atenção principalmente por propor uma alternativa ao uso precoce de ADT, preservando o paciente por mais tempo dos efeitos colaterais dessa terapia.

Metodologia
O LUNAR é um ensaio fase II, randomizado, controlado, de braço paralelo, conduzido na UCLA. São poucos centros no mundo com expertise suficiente em PSMA teranóstica para executar um estudo desse tipo com padronização adequada. O desenho é simples, mas muito rigoroso: pacientes com até cinco lesões no PET-PSMA foram alocados para SBRT isolada ou para duas aplicações de 177Lu-PNT2002, administradas oito semanas antes da radioterapia.
Há dois detalhes metodológicos importantes: o primeiro é que a progressão foi definida por PET-PSMA obrigatoriamente, seja em caso de elevação do PSA ou de forma sistemática, aos 12 meses. Isso tornou o estudo mais sensível para captar progressões precoces do que estudos como STOMP, ORIOLE e EXTEND, que dependiam principalmente de imagem convencional. O segundo detalhe é que a intervenção não incluía ADT, ao contrário de vários ensaios recentes. Isso permite avaliar o efeito isolado da combinação entre radioterapia ablativa e radio ligante, algo inédito no cenário hormônio-sensível.
Todas as análises foram feitas por intenção de tratar e o desenho estatístico visava detectar redução importante do risco de progressão com 90 pacientes. O que chama atenção é que o estudo conseguiu um efeito muito maior que o esperado na projeção inicial, aumentando a força das conclusões.
População envolvida
O estudo avaliou 87 pacientes tratáveis após cinco desistências pós-randomização. É uma população representativa de quem vemos no consultório quando surge uma recidiva detectada por PET-PSMA: homens de idade mediana de 70 anos, PSA em torno de 1 ng/mL e lesões predominantemente nodais ou ósseas pequenas.
Há um equilíbrio razoável entre os grupos em variáveis importantes como número de lesões, grau ISUP, PSA basal e exposição prévia à ADT, A maioria havia sido tratada inicialmente com prostatectomia, o que reflete o perfil típico americano. Cerca de 40% já tinham recebido ADT no passado, mas não recentemente.
É uma coorte com doença de baixo volume, porém agressiva o suficiente para justificar intervenção. O fato de metade ter apenas uma lesão e a outra metade duas a cinco é relevante porque garante que os resultados não foram dependentes de casos extremos.
Outro ponto importante é que o estudo incluiu pacientes com múltiplas recidivas anteriores, tornando seus achados ainda mais aplicáveis ao mundo real, onde a história natural costuma ser marcada por ciclos repetidos de ressurgimento da doença.
Resultados
Os achados são apresentados de forma clara e impactante. A primeira observação relevante aparece antes mesmo da SBRT: após duas aplicações de 177Lu-PNT2002, 71% dos pacientes tiveram queda de PSA, muitos deles com reduções superiores a 50%. No PET, 16% apresentaram diminuição do tamanho de alguma lesão e 4% tiveram desaparecimento completo das captações. Já se percebia aí um efeito sistêmico que poderia teoricamente facilitar o trabalho da radioterapia.
Mas é a curva de sobrevida livre de progressão (PFS) que realmente define o estudo. A mediana de PFS no grupo SBRT isolada foi de 7,4 meses enquanto no grupo que recebeu LuPSMA antes da SBRT foi de 17,6 meses. É mais do que o dobro com um hazard ratio de 0,37 e p< 0,0001. Isso não é apenas estatisticamente sólido, é clinicamente transformador. Em doenças oligometastáticas, onde cada mês conta para atrasar a castração, pular de sete para dezessete meses sem progressão é uma conquista enorme
A análise detalha ainda que 98% das progressões ocorreram por novas lesões no PET e quase nunca por falha local das lesões tratadas. Isso significa que a SBRT já cumpria muito bem seu papel e que o ganho veio justamente do que o Lu conseguiu fazer, que é atingir metástases microscópicas invisíveis ao PET.
Outro dado forte é o tempo até início de terapia hormonal. O grupo SBRT isolado precisou iniciar ADT em mediana de 14,1 meses; o grupo combinado em 24,3 meses. Quase um ano a mais sem castração farmacológica, e com qualidade de vida significativamente melhor.
Quanto à segurança o perfil foi confortável. A única toxicidade grau 3 significativa foi linfopenia em poucos pacientes, sem diferença relevante entre os braços. Sintomas como boca seca, fadiga ou efeitos gastrointestinais foram leves e pouco frequentes. Isso mostra que ao menos no curto prazo, adicionar Lu à SBRT não aumenta o risco de eventos adversos significativos.
Mensagem prática
O estudo LUNAR vem preencher uma lacuna importante no manejo da doença oligometastática hormônio-sensível. Na prática clínica é comum a sensação de que tratamos tudo quando irradiamos todas as lesões visíveis, mas a realidade mostra que uma boa parte da doença fica oculta, pronta para ressurgir em poucos meses. O que o LUNAR demonstra é que, ao adicionar duas doses de Lu-PSMA antes da SBRT, é possível estender de forma substancial o período sem progressão e empurrar para mais longe a necessidade de iniciar ADT sem aumentar toxicidade.
Para o médico no consultório isso significa ter uma alternativa concreta para oferecer ao paciente que deseja postergar o uso de terapia hormonal, preservando libido massa muscular, cognição e bem-estar. É também uma estratégia que combina duas armas complementares: uma sistêmica com seletividade tumoral e uma local com altíssimo poder de controle.
Ainda não é hora de transformar a abordagem em padrão universal pois é um estudo fase II, de centro único e carecemos de validação multicêntrica e fase III. Mas os sinais são fortes, coerentes e biologicamente plausíveis. Na evolução da oncourologia o LUNAR pode ser lembrado como o estudo que abriu a porta para o uso precoce de rádio ligantes no cenário oligometastático hormônio-sensível, justamente onde a biologia do tumor é mais favorável.
Para o clínico, a mensagem é simples: SBRT sozinha funciona, mas tem limites claros. Combinar 177LuPSMA com SBRT, quando possível, oferece um salto de eficácia sem pênalti de toxicidade e isso é exatamente o tipo de avanço que buscamos na medicina contemporânea.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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