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Oftalmologia12 maio 2025

SBG 2025 - Células-tronco para regeneração da malha trabecular

Durante o XXI Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG 2025) especialistas discutiram o papel das células-tronco na regeneração da malha trabecular
Por Redação Afya

Durante o XXI Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG 2025), que ocorreu nos dias 8 a 10 de maio de 2025, foi discutido o papel das células-tronco na regeneração da malha trabecular.  

O glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível no mundo e está intimamente associado à disfunção do escoamento do humor aquoso, em especial pela malha trabecular (MT).  Na patogênese do glaucoma, principalmente no glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), ocorre uma perda progressiva da celularidade da MT, o que leva a um comprometimento do escoamento do humor aquoso com consequente, aumento da pressão intraocular (PIO) e dano às células ganglionares da retina (CGR).  

A malha trabecular é composta de três camadas: uveal, córneo-escleral e justacanalicular. Essa última camada, junto ao endotélio do canal de Schlemm é a principal região de resistência ao escoamento do humor aquoso. A perda de células trabeculares está associada a um aumento na rigidez desse tecido, a um acúmulo anormal de matriz extracelular e aumento da PIO.  

Células-tronco

As células-tronco são células indiferenciadas presentes em tecidos embrionários, fetais e adultos que darão origem a células diferenciadas. São capazes de realizar autorrenovação, de promover diferenciação em múltiplos tipos celulares e de restaurar funcionalmente tecidos danificados. Células-tronco foram identificadas na malha trabecular (TMSCs) na região de Schwalbe e expressam marcadores com potencial de diferenciação para um fenótipo trabecular funcional. Essas células podem ser ativadas, por exemplo, com estímulos via trabeculoplastia a laser. Entretanto, sua capacidade regenerativa decai com o envelhecimento e em glaucomas avançados, o que justifica abordagens exógenas.  

As células-tronco podem ser divididas em: 

  • Células-tronco embrionárias (ESCs): 
  • Pouco utilizadas devido a questões éticas e alto risco de formação tumoral ou teratomas. 
  • Células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs): 
  • São geradas a partir de células somáticas via reprogramação genética; 
  • Podem ser diferenciadas in vitro em células-tronco tipo MT (iPSC-TM); 
  • Possuem menor risco de rejeição com linhagens autólogas, porém existe o risco de tumorigenicidade residual; 
  • Em modelos transgênicos de mutação da miocilina (MYOC Y437H), o transplante preveniu aumento da PIO, preservou a CGR e estimulou a produção endógena de células da MT; 
  • Apresenta menores impasses éticos em relação à ESCs; 
  • Está comercialmente disponível. 
  • Células-tronco mesenquimais adultas (MSCs): 
  • São derivadas de tecido adiposo, medula óssea ou cordão umbilical; 
  • Multipotentes; 
  • Apresentam efeitos neuroprotetores e imunomodulatórios;  
  • Demonstraram eficácia em modelos de hipertensão ocular induzida por cauterização de veias episclerais. 
  • Células-tronco precursoras específicas do tecido/residentes: 
  • Apresentam menor risco de desencadear resposta imune; 
  • Exemplo: células tronco da MT presentes na linha de Schwalbe. 

O olho é um órgão que apresenta diversas vantagens para o tratamento com células-tronco visto que é um órgão que pode ser acessado facilmente, pode ser diretamente visualizado e monitorado. Além disso, o risco de efeitos adversos sistêmicos é menor e o olho detém um sistema imune privilegiado.  

Células-tronco específicas da malha trabecular (TMSCs)

As células presentes na linha de Schwalbe foram identificadas em 1982 e estão localizadas na área de transição entre o endotélio corneano e a inserção da MT. Essas células correspondem a cerca de 2-5% do total de células da MT.  

Essas células foram isoladas e caracterizadas in vitro e apresentaram: 

  • Expressão positiva de marcadores de células-tronco 
  • Multipotência; 
  • Possibilidade de diferenciação em células da MT funcionais 

Regeneração da malha trabecular 

A MT é um tecido poroso tridimensional pelo qual o humor aquoso é drenado da câmara anterior para o canal de Schlemm. No GPAA, a celularidade reduzida da MT está associada a um aumento da resistência ao escoamento do humor aquoso, seguido da elevação da PIO.  

Acredita-se que as TMSCs percam sua capacidade regenerativa ou estejam em número reduzido em pacientes com GPAA. Dessa forma, alguns estudos têm avaliado a utilização de células-tronco na regeneração da MT e restauração da PIO.  

Estudos pré-clínicos 

Manuguerra-Gagné (2013) utilizou MSCs derivadas da medula óssea humana e aplicou em olhos de rato cujas MT foram danificadas previamente com laser. As células injetadas migraram para a região danificada da MT, restauraram sua função e reduziram a PIO. Os refeitos regenerativos da aplicação das MSCs podem ter ocorrido em função da secreção de fatores parácrinos e da ativação de um mecanismo de reparação endógeno. 

Abu-Hassan (2015) demonstrou uma diferenciação bem-sucedida de IPSCs em células similares às da MT in vitro e as transplantou para o segmento anterior de doadores de olhos humanos (ex vivo). Essas células novas (que se transformaram em células similares às da MT) integraram a MT desses olhos e restauraram a PIO.  

Roubeix (2015) utilizou MSCs derivadas da medula óssea de ratos e as transplantou em modelos de olhos de ratos com hipertensão ocular. As MSCs integraram a MT, reduziram a PIO e exerceram um efeito neuroprotetor nas CGR.  

Yun (2018) aplicou TMSCs humanas em olhos de rato que tiveram suas MT danificadas previamente com laser e observou uma migração dessas células para a região danificada da MT. Essas células se diferenciaram em células similares às da MT, restauraram sua função, aumentaram o escoamento do humor aquoso e reduziram a PIO. Esse trabalho demonstrou que o par de quimiocinas CXCR4/SDF1 pode desempenhar um papel no direcionamento dessas células-tronco para a malha trabecular.  

Xiong (2021) injetou TMSCs humanas em olhos de rato geneticamente modificados (mutação no gene da miocilina que gerou olhos com hipertensão ocular). O estudo observou uma redução da PIO, aumento do escoamento do humor aquoso e preservação da função das CGR.  

Mensagem prática

A possibilidade de regeneração da malha trabecular via terapia com células-tronco representa uma importante mudança de paradigma no tratamento do glaucoma. Estudos prévios in vitro e in vivo demostraram que as células tronco têm potencial para regenerar a MT de olhos glaucomatosos e, com isso, restaurar o escoamento do humor aquoso, regularizar a PIO e preservar a saúde da camada neurorretiniana.  

É necessária, porém, a realização de ensaios clínicos em humanos para conferir maior robustez aos achados encontrados nos estudos pré-clínicos e para, futuramente, poder transladar os benefícios desse possível tratamento para a prática clínica.  

 

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Referências bibliográficas

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