O retinoblastoma é o tumor intraocular maligno mais frequente na infância. O gene RB1 exerce papel essencial como supressor tumoral, inibindo o desenvolvimento neoplásico, porém, mutações ou alterações nesse gene resultam na formação do Retinoblastoma em bebês. Trata-se de um câncer tratável, cuja detecção e intervenção precoces podem possibilitar preservação da retina. Sem tratamento, entretanto, a doença é invariavelmente fatal.
As manifestações clínicas mais comuns incluem leucocoria e estrabismo, sendo a leucocoria o sintoma de apresentação em cerca de 60% dos casos.
Nesse cenário, uma revisão abrangente publicada em 2025 por Alpana Kumari et al. teve como propósito analisar a epidemiologia, os fatores de risco, a fisiopatologia e as estratégias terapêuticas do Retinoblastoma, com especial atenção a seus aspectos genéticos e moleculares.

Tipos de Retinoblastoma
Retinoblastoma Hereditário
O Retinoblastoma pode se apresentar de duas formas: como resultado de um gene herdado dos pais ou decorrente de uma alteração genética aleatória (esporádica). Quando herdado, recebe a denominação de Retinoblastoma hereditário, que geralmente compromete ambos os olhos e está associado a maior risco para outras neoplasias malignas, como melanoma uveal e sarcoma.
Apesar do termo “hereditário”, a maioria das crianças afetadas não possui histórico familiar de malignidade, pois a mutação no RB1 não se origina nos pais. Nesses casos, a variação genética surge durante a embriogênese e o desenvolvimento fetal.
O Retinoblastoma hereditário corresponde a cerca de 40% de todos os casos, sendo aproximadamente 80% bilaterais, 15% unilaterais e 5% trilaterais (envolvendo ambos os olhos e a glândula pineal). Nos casos bilaterais, a mutação pode ser transmitida às gerações seguintes.
Retinoblastoma Não Hereditário
O Retinoblastoma não hereditário, responsável por aproximadamente 60% dos casos, ocorre quando ambas as mutações do gene RB1 surgem de forma somática em uma única célula progenitora da retina, resultando tipicamente em doença unifocal e unilateral. Em comparação à forma hereditária, essa variante costuma ser diagnosticada em idade mais avançada e não está associada ao mesmo risco elevado de desenvolvimento de malignidades não oculares subsequentes.
De forma geral, cerca de 90% de todos os casos de retinoblastoma são esporádicos, sem histórico familiar, enquanto apenas 10% apresentam caráter familiar. Assim, a ausência de antecedentes familiares não exclui a possibilidade de mutação hereditária.
Carga Global do Retinoblastoma
Atualmente, a única causa conhecida de Retinoblastoma é uma mutação genética. O Retinoblastoma é um câncer ocular infantil tratável quando detectado precocemente, mas sua sobrevida varia muito pelo contexto econômico. Em países de alta renda, como EUA e Japão, quase todas as crianças sobrevivem (taxas de sobrevida superiores a 95%), enquanto em regiões da Ásia e África, onde se concentram a maioria dos casos, a detecção tardia leva a mortalidade de 40% a 70%. A maior carga ocorre em populações com alta taxa de natalidade e pouco acesso a diagnóstico e tratamento. Melhorar o reconhecimento precoce dos sintomas e ampliar o acesso a terapias padronizadas é essencial para reduzir essas disparidades.
Metástases
A metástase no Retinoblastoma, presente em cerca de 10 a 15% dos casos, representa um grande desafio clínico, com disseminação que pode ocorrer por vias diretas, hematogênicas ou linfáticas. O tumor costuma se espalhar pelo nervo óptico, especialmente se ultrapassar a lâmina cribrosa, atingindo o sistema nervoso central, além de invadir tecidos adjacentes como a órbita ocular, esclera e músculos oculares. Também pode alcançar órgãos distantes como ossos, medula óssea e fígado, levando a sintomas como proptose, pancitopenia, hepatomegalia e complicações neurológicas. A metástase linfática, embora menos comum, afeta linfonodos cervicais e submandibulares, agravando o quadro clínico e exigindo estratégias terapêuticas mais complexas.
Sintomas e Diagnóstico do Retinoblastoma
A leucocoria e o estrabismo os sinais mais frequentes. Em bebês muito pequenos, é necessário exame sob anestesia para uma avaliação adequada. O diagnóstico envolve exames de imagem como ultrassonografia e ressonância magnética, além de testes genéticos do gene RB1, que auxiliam na identificação de casos hereditários e orientam o tratamento e o aconselhamento familiar. Em casos suspeitos de disseminação, podem ser realizados exames adicionais, como punção lombar ou biópsia de medula óssea. A precisão no diagnóstico é essencial para evitar procedimentos desnecessários e garantir o encaminhamento adequado para tratamento especializado.
Tratamento
Ensaios clínicos recentes vêm explorando novas abordagens terapêuticas promissoras para o retinoblastoma, como a imunoterapia com células T CAR direcionadas a alvos tumorais específicos (como GD2 e CD171), com bons resultados em modelos animais e potencial para aplicação tópica no olho. A viroterapia oncolítica, com destaque para o adenovírus VCN-01, mostrou eficácia em destruir células tumorais e impedir metástases cerebrais em camundongos. Além disso, a nanotecnologia tem ganhado destaque no tratamento do Retinoblastoma, com diferentes tipos de nanopartículas — metálicas, poliméricas e lipídicas — desenvolvidas para melhorar a entrega ocular de medicamentos, superar barreiras anatômicas e aumentar a eficácia terapêutica com menos efeitos colaterais. Quanto ao tratamento, estratégias variam conforme o envolvimento unilateral ou bilateral da doença, priorizando a preservação da vida, do olho e da visão, com enucleação mais comum em casos unilaterais e abordagens conservadoras, como quimioterapia e terapias focais, predominando em casos bilaterais.
Conclusão
Os tumores de retina, tradicionalmente associados à mutação no gene RB1, têm revelado uma complexidade maior do que se imaginava, com novas alterações genéticas e fatores ambientais influenciando sua progressão. A interação entre o microambiente tumoral e o sistema imunológico também tem ganhado destaque, sugerindo que o sucesso do tratamento depende não apenas da destruição do tumor, mas também da resposta imune do paciente. Avanços em imagem, biópsia líquida e terapias personalizadas vêm transformando o diagnóstico e a condução clínica, apontando para uma era mais precisa e menos invasiva.
Apesar dos progressos no tratamento do Retinoblastoma intraocular, sobretudo em países de alta renda, ainda enfrentamos um grande desafio nos casos metastáticos e em países no qual é difícil o acesso terapêutico. O futuro do tratamento do Retinoblastoma depende diretamente do investimento contínuo em terapias inovadoras, como imunoterapia, viroterapia e nanotecnologia, com foco na eficácia, segurança e acesso global ao cuidado oncológico infantil.
Autoria

Alléxya Affonso
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.