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Oftalmologia12 agosto 2025

Neuroplasticidade por estimulação magnética transcraniana na ambliopia

EMTr combinada à correção óptica melhora visão e neuroplasticidade em adultos com ambliopia anisometrópica, mostra estudo.

A ambliopia, uma alteração do neurodesenvolvimento do sistema visual, é essencialmente causada por alterações na visão binocular durante o período crítico do desenvolvimento visual que culmina em déficits de processamento de informação cortical envolvendo anormalidades na plasticidade neuronal do córtex visual.  

A neuroplasticidade compreende a capacidade de o sistema nervoso se adaptar a mudanças ambientais via alterações sinápticas e remodelagem dos circuitos neuronais, uma propriedade perene ao longo da vida e que justifica a reparação da função cerebral.  

Durante o desenvolvimento da ambliopia, ocorre supressão anormal de informações do olho amblíope para o córtex visual que resulta em um desequilíbrio na visão binocular e comprometimento da estereopsia. Esse comprometimento está associado a alterações na plasticidade do sistema nervoso central.  

O tratamento convencional para a ambliopia envolve a correção refrativa e oclusão para estimular o olho amblíope e eliminar a privação visual. Contudo, essas abordagens têm efeito limitado em pacientes adultos, especialmente na reversão dos padrões de conectividade anormais do córtex visual.   

A estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr), como técnica de neuromodulação não invasiva, gera correntes induzidas que podem induzir plasticidade neuronal do córtex visual e de regiões associadas. A EMTr de alta frequência (5-20Hz) evidenciou aumento da plasticidade sináptica no córtex visual com consequente melhora da acuidade visual e estereopsia em pacientes amblíopes. Contudo, as evidências nesse sentido estão limitadas a análises de curto prazo e carecem de estudo dos mecanismos de remodelagem neural baseados em imagens funcionais, o que limita a otimização dos protocolos de tratamento com EMTr.  

Nesse sentido, a ressonância magnética funcional em estado de repouso (RMf-repouso) constitui uma ferramenta importante para análise da plasticidade neural. A RMf-repouso pode identificar alterações funcionais em regiões cerebrais associadas à ambliopia ao analisar indicadores de atividade neural espontâneos como a amplitude de flutuação de baixa frequência (ALFF) e a homogeneidade regional (ReHO).  

Evidências prévias sugerem que a ambliopia culmina em amplitudes de baixa frequência anormais no córtex visual occipital e na conectividade na rede de atenção fronto-parietal. Dessa forma, os efeitos da EMTr na ambliopia devem ser analisados via imagem multimodal.  

Com isso, foi realizado um ensaio clínico randomizado publicado em 2025 na Journal of Neuroscience Methods. Esse estudo investigou os efeitos da EMTr associada a correção refrativa com lente intraocular de câmara posterior (LIO) sobre a função visual (melhor acuidade visual corrigida – BVCA – e estereopsia) e sobre a neuroplasticidade cortical em pacientes adultos com ambliopia anisometrópica.  

ambliopia

MÉTODOS 

Participantes 

O estudo foi realizado no The First Affiliated Longyan Hospital of Fujian Medical University (Fujian, China) entre setembro de 2020 e dezembro de 2023 e envolveu 148 pacientes adultos com ambliopia anisometrópica. O estudo fora aprovado pelo comitê de ética em pesquisa local e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.  

Os critérios de inclusão foram: 

  • Ambliopia anisometrópica: BCVA <0,8 em um olho e diferença de dioptria entre os dois olhos ≥1.50D; 
  • Idade entre 18 e 50 anos; 
  • Alteração na dioptria nos últimos dois anos ≤0.50D; 
  • Paciente com correção óptica há, pelo menos, três meses e visão abaixo dos níveis normais estável; 
  • Córnea transparente, fundo de olho sem alterações e sem outras doenças oftalmológicas que possam afetar a visão; 
  • Indivíduos que não tivessem contraindicação à realização da RMf-repouso; 
  • Pacientes que cooperassem com o tratamento e seguimento; 
  • Pacientes que consentissem com o procedimento. 

Os critérios de exclusão foram: 

  • Pacientes com ambliopia de privação, estrábica, congênita, etc; 
  • Ambos os olhos com erros refrativos moderados a severos (dioptria esférica >6,00D ou dioptria cilíndrica >3,00D) 
  • Pacientes com doenças oftalmológicas associadas (como glaucoma, catarata, doenças retinianas, etc); 
  • Pacientes com comorbidades que possam alterar a RMf ou afetar a segurança da EMT como epilepsia, doença de Parkinson, sequelas pós-AVC; 
  • Pacientes com alterações psicológicas ou psiquiátricas como depressão, ansiedade ou esquizofrenia; 
  • Mulheres grávidas ou lactantes; 
  • Pacientes já submetidos a cirurgias refrativas ou implante de LIO. 

Os pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: grupo LIO (recebeu LIO de câmara posterior) e grupo LIO+EMTr (recebeu EMTr combinada com LIO de câmara posterior) com 74 casos em cada grupo. Todos os procedimentos foram realizados por avaliadores independentes que mantiveram o cegamento para reduzir o viés de avaliação. Os grupos apresentaram homogeneidade no que tange gênero, idade, parâmetros refrativos, função visual e envolvimento ocular (p>0,05).   

 

Avaliação da função visual 

Antes e após três meses do tratamento, todos pacientes foram submetidos à avaliação da função visual via teste de integração visuomotora (VIT) que incluiu a medida da melhor acuidade visual corrigida (BVCA) via tabela ETDRS (Early Treatment Diabetic Retinopathy Study) e aferição da esteropsia via Teste de Estereopsia Randot.  

 

Avaliação da RMf-repouso 

Todos os participantes foram submetidos à RMf-repouso e foram quantificadas as seguintes métricas funcionais: 

  • ALFF para medir a energia da atividade neural espontânea em regiões cerebrais relacionadas à visão;  
  • ALFF fracionada (fALFF) para aumentar a especificidade calculando a razão da ALFF para a energia total da banda de frequência;  
  • ReHo usando o coeficiente de concordância de Kendall para avaliar a sincronização da atividade neural em regiões cerebrais locais. 

 

Análise estatística 

A análise dos dados foi realizada via SPSS com as medições representadas como média e desvio padrão. Teste t de amostras independentes foi utilizado. Teste U de Mann-Whitney foi utilizado para dados com distribuição não normal. Dados de contagem foram apresentados como frequências, e o teste χ² foi adotado. Todos os testes estatísticos foram definidos com um nível de significância de P < 0,05. 

RESULTADOS 

Acuidade Visual  

Os valores basais de acuidade visual corrigida (BCVA) do olho dominante e do olho amblíope foram semelhantes entre os dois grupos (p > 0,05). Após 3 meses, o olho dominante permaneceu estável e o olho amblíope apresentou melhora significativa, notadamente maior no grupo LIO+EMTr em relação ao grupo LIO (ΔBCVA: 0,27 vs. 0,10; P < 0.05).  

Estereopsia de pontos aleatórios 

No início do tratamento, não havia diferença significativa entre os dois grupos na proporção de estereopsia de pontos aleatórios de primeira e segunda ordem (p > 0,05). Após três meses da intervenção, a proporção de participantes com estereopsia de segunda ordem aumentou em ambos os grupos, porém com uma proporção significativamente maior no grupo LIO+EMTr em relação ao grupo LIO (p < 0,05). A proporção de estereopsia de primeira ordem diminuiu significativamente em ambos os grupos.  

No início do tratamento, não havia diferença significativa em relação à disparidade mínima de estereopsia entre os dois grupos (p > 0,05). Após três meses do tratamento, a disparidade mínima na estereopsia de pontos aleatórios de primeira ordem diminuiu em ambos os grupos (p<0,05) e a disparidade mínima na esteropsia de segunda ordem foi significativamente menos no grupo LIO+EMTr em relação ao grupo LIO (P<0,05).  

RMf-repouso 

Após três meses do tratamento, a ALFF no lobo frontal do lado amblíope aumentou no grupo LIO e a ALFF no cerebelo do lado amblíope do grupo LIO+EMTr diminuiu significativamente (p<0,05). Não houve, entretanto, diferença significativa nas mudanças da ALFF antes e após o tratamento entre os grupos LIO e LIO+EMTr (p>0,05).  

Antes do tratamento, não havia diferenças significativas na fALFF entre os grupos LIO e LIO+EMTr (p > 0,05). Após três meses da intervenção, o grupo LIO+EMTr exibiu uma redução significativa na amplitude de baixa frequência no lobo temporal contralateral e um aumento significativo na amplitude de baixa frequência no lobo occipital contralateral em comparação com o grupo LIO (p<0,05).  

No início do tratamento, não havia diferença significativa na ReHo entre os grupos LIO e LIO+EMTr (p>0,05). Após três meses do tratamento, o grupo LIO+EMTr apresentou ReHo significativamente menor no lobo frontal ipsilateral e no giro frontal superior em relação ao grupo LIO (p<0,05).  

DISCUSSÃO 

Esse estudo evidenciou a eficácia da implantação de LIO combinada com EMTr no tratamento de pacientes adultos com ambliopia anisometrópica visto que o grupo LIO+EMTr, em relação ao grupo LIO, apresentou melhorar significativas na acuidade visual e na estereopsia acompanhadas de mudanças específicas na atividade neuronal em regiões cerebrais como lobo frontal, cerebelo, lobo temporal e occipital.  

O grupo que realizou somente a cirurgia para implante de LIO apresentou aumento significativo da atividade (ALFF) no lobo frontal ispilateral. Isso ocorreu possivelmente, pois, ao otimizar a imagem do olho ambliope corrigindo a anisometropia, ocorre a chegada de uma imagem mais nítida e o cérebro passa a processar essa imagem gerando mecanismos compensatórios aumentando a carga de trabalho em áreas de “gerenciamento”como o lobo frontal.  

Por sua vez, o grupo que LIO+EMTr apresentou uma redução significativa da atividade (ALFF) cereberal. Isso ocorreu possivelmente por um estímulo do córtex visual que passou a assumir a via visual principal em detrimento da compensação anormal prévia cerebelar (que diminuiu após a estimulação).  

Além disso, a atividade no lobo occipital (córtex visual primário) aumentou enquanto a atividade no lobo temporal contralateral diminuiu possivelmente por um mecanismo compensatório que passou a reativar a área principal de processamento de imagens em detrimento da via compensatória prévia.  

Por fim, houve uma redução na sincronia neural local (ReHo) no lobo frontal. Uma sincronia local muito alta pode resultar em um ruído neural ou um processamento ineficiente, com isso ao reduzi-la, obtem0se um processamento mais eficaz.  

Dessa forma, a combinação da LIO com a EMTr é uma estratégia eficaz na medida em que ocorre uma dupla ação no controle da ambliopia. A LIO atua perifericamente ao corrigir a ametropia com a consequente geração de imagens nítidas para o processamento visual.  

Por sua vez, a EMTr atua a nível por meio do aumento da excitabilidade da área visual suprimida (lobo occipital) e da inibição da hiperatividade de regiões com compensação anormal (cerebelo e córtex pré-frontal). Com isso, tem-se uma alternativa promissora na reabilitação da visão de adultos com ambliopia.  

LIMITAÇÕES 

O trabalho englobou uma população relativamente homogênea e não incluiu pacientes com ambliopia estrábica ou de privação. O período de acompanhamento dos pacientes foi curto (três meses) e a estabilidade a longo prazo não foi avaliada. Por fim, não foram realizadas técnicas multimodais para analisar a associação entre a plasticidade estrutural e funcional.  

MENSAGEM PRÁTICA 

O estudo em questão abordou e validou uma ferramenta valiosa e eficaz para o tratamento da ambliopia em adultos: a EMTr. Os resultados apresentados posicionaram essa abordagem como um método eficaz e não invasivo na reabilitação de adultos com ambliopia. Frisa-se, contudo, que, apesar dos resultados animadores, estudos com seguimentos mais longos e populações maiores são importantes para ratificar e consolidar a eficácia e segurança dessa intervenção.  

Saiba mais: Ambliopia: O que sabemos sobre os tratamentos atuais?

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Referências bibliográficas

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