A pressão intraocular (PIO) é determinada por vários fatores, que é consequência de um equilíbrio entre a produção e a drenagem do humor aquoso. A temperatura é um dos fatores que podem levar a modificações no valor da PIO, uma vez que já foi observado a ligação direta entre a temperatura da superfície da córnea e o fluxo de humor aquoso.
Não é conhecido o mecanismo pelo qual o aumento da temperatura leva ao aumento da produção do humor aquoso, vários mecanismos foram propostos para explicar esse efeito, dentre eles os mais aceitos são: modificações vasculares no segmento anterior e estresse oxidativo e estimulação das fibras nervosas simpáticas, alterando a regulação do fluxo e produção do humor aquoso.
Um ensaio clínico randomizado, triplo-cego foi conduzido com pacientes adultos, com uma proporção de alocação de 1:1:1 para grupos de máscaras hipertérmicas, normotérmicas e hipotérmicas. O objetivo do estudo foi avaliar se o uso de máscaras térmicas oculares aplicadas na superfície orbital pode alterar a temperatura do olho e, consequentemente, modular a PIO.
Métodos
Os participantes foram selecionados entre indivíduos saudáveis com idade entre 20 e 80 anos, sem patologias oculares ou sistêmicas prévias. Em cada participante, ambos os olhos foram avaliados, mas apenas o olho direito foi usado para análises estatísticas.
Os critérios de exclusão foram diagnósticos de glaucoma ou catarata, acuidade visual pior que 20/30, PIO >21 mmHg, razão escavação-disco >0,5 ou ângulo estreito da câmara anterior e uso de lentes de contato no dia da avaliação. A máscara térmica na temperatura predeterminada para o grupo designado foi aplicada a cada participante por 10 minutos.
A medida de desfecho primário foi a alteração na PIO medida em milímetros de mercúrio em um tonômetro de sopro de ar entre a medição inicial da PIO (T1) e imediatamente após 10 minutos de uso de uma máscara térmica (tonometria T2). O intervalo de tempo entre a remoção da máscara e a medição subsequente da PIO foi de aproximadamente 20s.
Assim, três medições foram feitas antes de aplicar a máscara e três imediatamente após seu uso. A média de cada conjunto de três foi usada nas análises do estudo. Os desfechos secundários incluíram diferenças na modificação da PIO entre os três grupos de máscaras e efeitos colaterais.
Todas as análises foram realizadas usando intervalos de confiança de 95% no software GraphPad Prism 5.0 (GraphPad Software Inc., CA, EUA). Na análise primária, p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados
Foram selecionados 108 participantes entre novembro de 2020 e dezembro de 2021. Não houve diferenças significativas nas principais características demográficas dos três grupos (G1 – máscaras hipotérmicas; G2 – máscaras normotérmicas e G3 – máscaras hipertérmicas).
G1 mostrou uma redução significativa na PIO média de T1 (16,97 ± 2,59 mmHg) para T2 (14,97 ± 2,44 mmHg) (p < 0,001). G2 não mostrou variação significativa de T1 (16,50 ± 2,55 mmHg) para T2 (17,00 ± 2,29 mmHg) (p 0,054). G3 apresentou aumento significativo de T1 (16,53 ± 2,69 mmHg) para T2 (18,58 ± 2,95 mmHg) (p<0,001). Em T1, não houve diferença entre os três grupos de estudo (p0,823), mas, em T2, o valor médio de G3 foi significativamente maior do que aqueles de G1 e G2 (p<0,001).
Na comparação da variação média da PIO entre os três grupos, G1 (−2,00 ± 0,76 mmHg) apresentou redução significativa em comparação a G2 (+0,50 ± 1,46 mmHg), que, por sua vez, apresentou valores significativamente menores que G3 (+ 2,06 ± 0,92 mmHg) (p<0,001).
Os efeitos colaterais relatados pelos três grupos foram heterogêneos. Entre os grupos, a queixa mais prevalente foi rubor facial, que esteve presente em 20 participantes no total, dois no G1 e 18 no grupo G3. Prurido foi o segundo efeito mais comum e foi relatado por 8 participantes, 3 no G1 e 5 no G3. Dor facial leve foi relatada por 4 voluntários, 2 no G1 e 2 no G3.
Discussão
As mudanças de temperatura causam alterações vasculares e nos processos metabólicos do corpo ciliar e da córnea. A produção do humor aquoso é realizada no corpo ciliar e a etapa inicial depende do fluxo sanguíneo e do gradiente de pressão entre a pressão arterial sistêmica e o interstício ciliar.
Em temperaturas mais baixas, há vasoconstrição e redução no processamento metabólico e em temperaturas mais elevadas ocorre vasodilatação e um aumento no processamento metabólico.
A drenagem do humor aquoso também será influenciada por mudanças de temperatura, uma vez que em altas temperaturas, há um aumento no estresse oxidativo e na produção de endotelinas-1, essas por sua vez são responsáveis pela redução da motilidade da malha trabecular.
As máscaras hipotérmicas geraram uma redução média da PIO de aproximadamente 2 mmHg, essa variação foi estatisticamente significativa e correspondeu a uma redução de 15%-20% na PIO entre a linha de base e após o uso da máscara.
Limitações
- Foi utilizado tonômetro de sopro de ar para avaliação da PIO
- Não foi realizado mensuração temperatura de cada máscara antes de sua aplicação, pois o scanner térmico não estava disponível.
Mensagem prática
O glaucoma é uma neuropatia óptica, responsável por aproximadamente 8 milhões de pessoas cegas no mundo. O único fator de risco modificável para a doença é o controle adequado da PIO.
A influência da temperatura na PIO é interessante, porém é necessário entender o tempo de duração desse efeito para que essa descoberta tenha aplicabilidade clínica. Estudos adicionais são necessários para determinar a duração desse efeito.
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