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Oftalmologia8 novembro 2025

Luz vermelha de baixa intensidade no controle da miopia infantil

Estudo mostra que a luz vermelha de baixa intensidade pode controlar a miopia em crianças. Confira os resultados e implicações clínicas.

A miopia representa um dos desafios mais importantes de saúde pública global, com uma prevalência em ascensão que atinge proporções epidêmicas, particularmente entre as populações pediátricas de regiões asiáticas, onde as taxas podem exceder 80% da população. Essa alta incidência, além de comprometer a qualidade de vida, também aumenta o risco de complicações associadas à alta miopia como o descolamento de retina e o buraco macular que podem levar a perda irreversível da visão. As intervenções existentes para o controle da miopia como as lentes de ortoceratologia (ortho-k), as lentes de óculos com defocus periférico e o colírio de atropina em baixa concentração ainda possuem eficácia limitada no controle do comprimento axial (AL).  

O crescimento excessivo do AL é o principal mecanismo responsável pela progressão miópica e está positivamente correlacionado com a severidade da miopia. Acredita-se que a luz natural (ou a luz vermelha a 650nm) possa estimular as células retinianas a secretar dopamina que pode levar à inibição do aumento do AL. Estudos em pequena escala constataram que a terapia repetida com luz vermelha de baixa intensidade (RLRL) a 650nm pode ser efetiva na supressão do crescimento do AL. Contudo, estudos comparativos de eficácia e segurança a longo prazo da RLRL em relação às intervenções tradicionais são escassos.  

Dessa forma, foi publicado em 2025 no Journal of the College of Physicians and Surgeons Pakistan um ensaio clínico randomizado em que a RLRL foi comparada com a ortoceratologia e os óculos com defocus periférico no que tange a eficácia e a segurança no controle da progressão miópica em crianças e adolescentes. 

MÉTODOS 

Objetivo e grupo de pesquisa

O estudo foi delineado como um ensaio clínico prospectivo, randomizado e controlado, conduzido no Centro de Oftalmologia do Hospital de Heilongjiang, afiliado ao Hospital Infantil de Pequim, na China. O período de recrutamento e acompanhamento dos pacientes estendeu-se de janeiro de 2023 a maio de 2024. A pesquisa obteve aprovação do comitê de ética institucional do hospital, e o termo de consentimento livre e esclarecido fora assinado por todos os participantes e pelos seus representantes legais. 

Foi recrutada uma população de 128 crianças e adolescentes míopes, com idades entre 8 e 13 anos. Os critérios de elegibilidade foram rigorosamente definidos para garantir a homogeneidade da amostra, incluindo: um equivalente esférico sob cicloplegia entre -1,00 e -5,00 dioptrias (D); astigmatismo inferior a 2,50 D; anisometropia inferior a 1,50 D; e uma melhor acuidade visual corrigida (BCVA) igual ou superior a 0,0 logMAR. Foram excluídos do estudo indivíduos com anomalias oculares congênitas ou adquiridas, doenças sistêmicas com manifestações oftalmológicas ou histórico prévio de qualquer tratamento para controle da miopia. 

Estratificação da População 

Os participantes foram alocados aleatoriamente em três grupos de tratamento: o grupo de terapia RLRL (n=43), o grupo de lentes de ortoceratologia (n=43) e o grupo de lentes de óculos com defocus (n=42). O protocolo de intervenção para cada grupo foi especificado da seguinte forma: 

  • Grupo RLRL: Os pacientes receberam tratamento com um dispositivo de fotobiomodulação de mesa que emite luz vermelha com comprimento de onda de 650 nm. Cada sessão durava 3 minutos e era administrada duas vezes ao dia, com um intervalo mínimo de quatro horas entre as sessões. Adicionalmente, estes pacientes utilizaram lentes de óculos de foco único para correção visual diária. 
  • Grupo Ortho-k: Os participantes utilizaram lentes de ortoceratologia durante o período noturno. 
  • Grupo de lentes de desfoque: Os pacientes utilizaram as lentes de óculos de desfoque periférico durante o dia, por um período mínimo de 10 horas diárias. 

Avaliação e Estatística do Desfecho Primário 

O desfecho primário do estudo foi definido como a alteração no comprimento axial (AL), o qual foi mensurado no início do estudo (linha de base) e em visitas de seguimento aos 3, 6 e 12 meses. A mensuração do AL foi realizada por meio de um biômetro óptico de não contato (A-scan), sendo o valor final para cada visita determinado pela média de três medições consecutivas. Para a análise estatística, foi utilizado o software SPSS versão 25.0. A normalidade da distribuição dos dados foi confirmada pelo teste de Shapiro-Wilk. Comparações entre dois grupos foram realizadas com o teste t, enquanto a análise de variância (ANOVA) de uma via fora empregada para comparações entre os três grupos, estabelecendo-se um nível de significância estatística de p < 0.05. 

RESULTADOS 

Na avaliação inicial, não havia diferença significativa na média de idade, AL e no erro refrativo inicial entre os três grupos (p > 0,05). A média de idade nos grupos RLRL, ortho-k e de óculos com defocus foi respectivamente: 9,6 ± 2.15 anos, 9,1 ± 1.17 anos e 9,5 ± 1.55 anos. 

A análise do desfecho primário revelou uma superioridade estatisticamente significativa da terapia RLRL no controle da progressão do comprimento axial em relação aos grupos ortho-k e de óculos com defocus em todos os pontos de tempo avaliados (3,6 e 12 meses) (p < 0,001). Notavelmente, os dados médios do grupo RLRL indicaram não apenas uma estabilização, mas uma ligeira redução do comprimento axial nos primeiros 6 meses de tratamento, um efeito que não fora observado nos outros grupos. Os dados quantitativos detalhados estão apresentados na Tabela 1. 

Tabela 1: Comparação das mudanças no AL durante o seguimento entre os diferentes grupos de tratamento (Média ± DP, mm) 

Tempo de Seguimento 

Grupo I: Terapia RLRL  

Grupo II: Lentes Ortho-k  

Grupo III: Lentes de Desfoque  

Valor de p (Comparação com Grupo I) 

3 Meses 

-0.07 ± 0.11 

0.03 ± 0.07 

-0.02 ± 0.01 

vs. II: 0.001; 
vs. III: 0.003 

6 Meses 

-0.09 ± 0.12 

0.15 ± 0.12 

0.09 ± 0.07 

vs. II: <0.001; 
vs. III: <0.001 

12 Meses 

-0.05 ± 0.16 

0.27 ± 0.17 

0.17 ± 0.07 

vs. II: <0.001; 
vs. III: <0.001 

Ademais, a análise de subgrupos realizada dentro do grupo de tratamento com RLRL não identificou uma influência significativa de variáveis como gênero, idade ou gravidade inicial da miopia sobre a eficácia do tratamento. 

DISCUSSÃO 

Os resultados deste ensaio clínico posicionam a terapia RLRL como uma intervenção de alta eficácia para o controle da progressão miópica, demonstrando superioridade em relação à ortoceratologia e às lentes com defocus periférico. O achado mais notável é a alteração média de -0.05 mm no comprimento axial do grupo RLRL ao final de 12 meses, que sugere não apenas uma paralisação do crescimento ocular, mas uma potencial regressão, um fenômeno raramente observado com outras modalidades de tratamento.  

A base fisiopatológica para tal eficácia é multifatorial e centrada no princípio da fotobiomodulação. Um dos mecanismos propostos é o aumento da espessura e do fluxo sanguíneo da coroide, o que melhoraria a oxigenação do polo posterior e modularia os sinais bioquímicos que regulam o crescimento escleral. Outra via importante envolve a modulação da dopamina retiniana que é estimulada pela luz vermelha e atua como inibidora da remodelação escleral retardando o aumento do AL. 

Múltiplos estudos demonstraram a eficácia da RLRL no controle do crescimento axial na miopia, sem relatos de reações adversas graves. Contudo, a segurança ainda é a principal preocupação clínica e dois riscos principais merecem atenção. Primeiro em relação à fototoxicidade, visto que há relatos de casos de degeneração macular após o tratamento, que pode estar relacionada à potência instável da luz ou à sensibilidade individual. E o segundo é em relação ao efeito rebote, dado que a interrupção da terapia RLRL pode levar a um rebote de curto prazo, causando redução da espessura coroideana com subsequente aumento do comprimento axial.  

LIMITAÇÕES 

O presente estudo, apesar de seus achados promissores, possui limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. O tamanho relativamente pequeno da amostra, particularmente nos subgrupos de alta miopia, restringe a generalização dos achados para toda a população pediátrica míope.  

O período de acompanhamento de 12 meses é insuficiente para avaliar a sustentabilidade da eficácia e o perfil de segurança da terapia a longo prazo. Adicionalmente, embora as diferenças intergrupais tenham sido estatisticamente significativas, a magnitude absoluta das alterações no comprimento axial foi pequena, e seu impacto clínico final na prevenção de patologias associadas à miopia requer investigações mais robustas. 

MENSAGEM PRÁTICA 

O trabalho ressalta o potencial da terapia RLRL como uma das intervenções mais eficazes atualmente disponíveis para o controle da progressão miópica em crianças, superando significativamente a ortoceratologia e as lentes com defocus periférico neste ensaio. A capacidade de não apenas estabilizar, mas potencialmente reverter o crescimento axial, a coloca em uma categoria distinta de tratamento. 

Contudo, é imprescindível cautela na adoção dessa terapia. Antes de iniciar o tratamento, recomenda-se uma avaliação oftalmológica completa, que deve incluir documentação da mácula por meio de retinografia e de tomografia de coerência óptica (OCT). Sugere-se um monitoramento rigoroso durante o tratamento, com repetição do OCT em intervalos regulares e atenção especial a quaisquer queixas visuais do paciente. 

Faz-se importante discutir abertamente com os pais e pacientes sobre o estado atual da evidência, incluindo a eficácia promissora, as incertezas sobre a segurança a longo prazo e o potencial efeito rebote após a descontinuação do tratamento. A decisão de empregar a terapia RLRL deve ser compartilhada, sendo particularmente considerada em casos de miopia de rápida progressão e/ou refratária às terapias convencionais, cenários nos quais o risco-benefício pode ser mais favorável. 

Autoria

Foto de Pedro Hélio Estevam Ribeiro Júnior

Pedro Hélio Estevam Ribeiro Júnior

Graduação - Medicina: Universidade Federal de Uberlândia • Residência - Oftalmologia: Universidade Federal de Uberlândia • Título de Especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO/AMB) • Fellowship - Glaucoma Clínico e Cirúrgico - Glaucoma Instituto • Mestrado - Universidade Federal de Uberlândia • Preceptor de Oftalmologia no Hospital Universitário Sagrada Família / IMEPAC (Araguari) • Chefe do setor de Glaucoma do Hospital Universitário Sagrada Família / IMEPAC (Araguari).

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Referências bibliográficas

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