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Oftalmologia25 julho 2025

Luz noturna e risco de degeneração macular

Estudo sugere que exposição à luz artificial noturna pode aumentar risco de Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI).

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma afecção crônica que acomete a região macular retiniana e pode gerar perda central da visão. É a principal causa de cegueira irreversível no mundo e sua prevalência vem aumentando à medida que a população tem envelhecido.  

A DMRI é um quadro multifatorial e, além da idade, outros fatores de risco tradicionais para seu desenvolvimento são o tabagismo e a baixa ingestão de antioxidantes. Além desses fatores de risco tradicionais, tem sido estudados os fatores ambientais associados à DMRI como a poluição luminosa caracterizada como perturbação do ambiente noturno por luz emitida por fontes antropogênicas.  

A luz artificial noturna (LAN) refere-se especificamente à alteração dos níveis de luz natural durante a noite gerada por fontes de luz artificiais e tem impacto substancial na retina e no nervo óptico podendo gerar danos diretos e indiretos ao tecido ocular.  

Dessa forma, foi realizado um estudo de caso-controle populacional na Coreia do Sul publicado em 2024 no JAMA Network Open que avaliou a associação entre a luz artificial noturna externa residencial (LANER) e o risco de incidência de DMRI exsudativa (DMRIe). 

degeneração macular

MÉTODOS 

Foi confeccionado um estudo de caso-controle populacional utilizando o banco de dados do Serviço Nacional de Seguro de Saúde da Coreia (NHIS) que oferece cobertura obrigatória de seguro de saúde para 99,8% da população sul-coreana. O banco de dados do NHIS engloba informações demográficas e prontuários médicos (diagnóstico, datas de consultas, exames, prescrições e procedimentos).  

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da Universidade Nacional de Seul (Seul, Coreia) e seguiu as diretrizes do STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) 

População e desfecho 

O estudo coletou os dados no ano de 2020 e foram incluídos pacientes com 50 anos ou mais recém-diagnosticados com DMRIe entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2011 e que tiveram um acompanhamento de, pelo menos, 10 anos. Foram selecionados controles pareados por ano de nascimento e sexo na proporção de 1:30 que não haviam sido diagnosticados com DMRIe até 2020.  

Avaliação da LANER 

A fonte de dados da LANER foi o Sistema de Varredura Operacional (SVO) do programa de satélites meteorológicos de defesa da força aérea dos EUA. Esses dados forneceram o valor médio de radiação luminosa noturna referente ao endereço residencial de cada participante em uma área aproximada de 1km ² para os anos de 2008 a 2009. 

Análise Estatística 

Foi utilizada regressão de riscos proporcionais de Cox para estimar a associação entre a LANER e a incidência de DMRIe com ajuste mínimo inicial de idade e sexo. Posteriormente, os modelos foram ajustados para possíveis fatores de confusão como: presença de comorbidades (diabetes, hipertensão, dislipidemia, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer), hábitos de vida (tabagismo, sedentarismo e ingestão de álcool) e fatores referentes ao local (poluição do ar e ruído de tráfego noturno). Foi analisada também a diferença entre as áreas urbanas e rurais.  

RESULTADOS 

Esse estudo considerou um total de 13.364 pacientes com DMRIe recém-diagnosticada (média de idade de 68,8 anos [+/- 8,9 anos], 7.818 homens [58,5%]) e 2.063.554 indivíduos sem DMRIe (média de idade de 59,2 anos [+/- 14,9 anos], 907.964 homens [44,0%]). Após os critérios de exclusão e o pareamento, foram incluídos no estudo 4.078 pacientes com DMRIe recém-diagnosticada e 122.340 indivíduos sem DMRIe, totalizando 126.418 participantes (média de idade de 66,0 anos [+/- 7,9 anos], 78.244 homens [61,9%]). Pacientes no quartil mais alto de LANER tenderam a residir em áreas com maiores níveis de poluição e ruído de tráfego noturno. Por outro lado, pacientes no quartil mais baixo de LANER apresentaram menores níveis de atividade física.  

LANER e o risco de DMRIe 

Pacientes expostos a uma LANER mais alta apresentaram um risco maior de incidência de DMRIs. Nos modelos com ajuste completo, a razão de risco (RR) para incidência de DMRIe no quartil mais alto da LANER foi de 2,17 (IC 95%, 1,89-2,49). Mesmo o segundo quartil mais baixo em relação ao quartil mais baixo da LANER apresentou um risco significativo de incidência de DMRIe (RR =1,12; IC 95%, 1,00-1,25) e o risco aumento progressivamente a cada quartil superior (p = 0,01).   

A curva de exposição-resposta para a associação entre a LANER e o risco de DMRIe demonstrou uma relação não linear. O risco apresenta-se baixo e estável em níveis baixos de exposição e, em seguida, aumenta acentuadamente, sobretudo após 110 mW/cm²/sr.  

Diferenças urbano-rurais na LANER e o risco de DMRIe 

O estudo englobou 73.551 (60,0%) participantes de áreas urbanas e 48.972 (40,0%) participantes de áreas rurais. Esse trabalho mostrou que os residentes das áreas urbanas estão expostos a níveis médios de LANER quase três vezes maiores que os de áreas rurais (61,2 vs. 20,6 nW/cm²/sr). Além disso, a incidência de DMRIe foi maior em áreas urbanas (3,7%) do que em áreas rurais (2,5%).  

Durante a análise nos modelos de ajuste completo, houve uma associação consideravelmente diferente quando analisadas as áreas urbanas em relação às áreas rurais. Em áreas urbanas, o risco de DMRIe no quartil mais alto de LANER foi de 3,42 (IC 95%, 2,67-4,39). Contudo, não houve associação estatisticamente significativa entre a nenhum dos quartis da LANER e o risco de DMRIe na área rural (p = 0,77).  

Análise estratificada e análise de sensibilidade 

A associação entre a LANER e o risco de DMRIe esteve presente em indivíduos relativamente mais velhos, homens, com IMC mais alto > =25,0), fumantes, que consumiam álcool, residentes urbanos, com hipertensão ou dislipidemia.  

Para abordar potenciais fatores confundidores como depressão e distúrbios do sono, foi realizada uma análise de sensibilidade excluindo os participantes com essas condições e a associação estimada entre a LANER e o risco de DMRIe seguiu inalterada.  

DISCUSSÃO 

Nesse estudo de caso-controle populacional, a LANER esteve associada a um maior risco de incidência de DMRIe, mesmo após ajuste dos fatores de risco individuais e coletivos. Contudo, foram observadas algumas disparidades nessa associação. Uma associação significativa entre a LANER e o risco de DMRIe foi encontrada, exclusivamente, em áreas urbanas, nas quais o nível médio de LANER foi 3 vezes maior do que em áreas rurais.  

Essas diferenças sugerem que haja um limiar acima do qual os níveis de LANER podem aumentar o risco de DMRIe. Além disso, fatores específicos da região não puderam ser excluídos, como padrões de dieta e estilo de vida, o que pode ter influenciado na diferença encontrada entre as áreas rurais e urbanas.  

O estudo pontuou também uma associação entre a LANER e a incidência de DMRIe em indivíduos idosos (70 anos ou mais), homens, de área urbana, com IMC mais alto (igual ou maior a 25,0), fumantes, que consumiam álcool, com hipertensão ou dislipidemia. Esses achados são corroborados por estudos prévios que associaram esses fatores de risco a uma maior incidência de DMRIe.  

A exposição excessiva à luz, particularmente a exposição a longo prazo à luz azul, demonstrou alterar a dinâmica mitocondrial, gerar fragmentação e promover estresse oxidativo o que reduz a viabilidade e função das células do epitélio pigmentar da retina (EPR), o que representa um mecanismo para o desenvolvimento e a progressão da DMRIe. Além disso, a LANER está associada a perturbações do ritmo circadiano ao inibir a secreção de melatonina, o que pode gerar a produção de citocinas pró-inflamatórias e aumentar a inflamação basal, o que pode gerar danos às células do EPR e contribuir para o desenvolvimento e evolução da DMRIe.   

LIMITAÇÕES 

 O estudo apresentou algumas limitações como a utilização dos dados de satélite para mensurar a exposição à luz externa, o que não avalia a exposição real individual que pode estar influenciada por persianas, cortinas, máscaras de dormir e outras fontes de luz internas.  

Além disso, o estudo não discriminou os diferentes comprimentos de onda de luz (luz azul, amarela). Ademais, devido a restrições metodológicas, o trabalho não avaliou fatores oculares que podem ter influenciado na absorção ocular da luz como o status cristaliniano (presença de catarata, afacia, pseudofacia).  

Por fim, o estudo focou na DMRI na forma exsudativa e não fez análise da forma não-exsudativa devido a ausência de medidas adequadas para garantir a acurácia diagnóstica no conjunto de dados elencado. Dessa forma, mais estudos são necessários para investigar se a poluição luminosa também interfere na forma não-exsudativa da DMRI. 

MENSAGEM PRÁTICA 

 O estudo trouxe substratos epidemiológicos importantes no manejo da exposição à luz noturna artificial como parte das orientações preventivas no tratamento da DMRI. O achado da maior incidência de DMRIe em áreas urbanas, especialmente atrelado a áreas com maiores índices de exposição à luz noturna ratifica a importância desse tipo de aconselhamento.  

Nesse sentido, faz-se importante questionar ativamente o paciente sobre o seu local de moradia e sua exposição à luz noturna e recomendar o uso de dispositivos que reduzam a luz noturna externa (como cortinas, persianas e máscaras de dormir).  

Veja também: Degeneração macular relacionada à idade (DMRI): o que é?

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Referências bibliográficas

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