Os neurônios são células que não são capazes de se regenerar, portanto qualquer dano a essas células resulta em déficits neurológicos permanentes. Danos ao nervo óptico impedem que os sinais visuais sejam transmitidos da retina para o córtex cerebral, gerando perda parcial ou completa da visão como resultado de condições crônicas e degenerativas do nervo óptico.
O glaucoma, atualmente, é o responsável para que mais de 8 milhões de pessoas sofram de cegueira bilateral irreversível. É caracterizado pela destruição das células ganglionares da retina cujos axônios formam o nervo óptico. Várias razões limitam as células ganglionares da retina a regenerar seus axônios e induzir o processo de apoptose, incluindo fatores intrínsecos e um ambiente inibitório do sistema nervoso central (SNC).
No tratamento de distúrbios neurológicos e neuropatias ópticas, o transplante de células-tronco mesenquimais tem sido considerado a modalidade mais adequada, porque é imunomodulador e produz múltiplos fatores de crescimento que podem levar à substituição, ativar as propriedades regenerativas e promover a sobrevivência celular. A terapia com células-tronco mesenquimais estimula a sobrevivência neuronal e a extensão axonal, dessa forma condições degenerativas consideradas incuráveis, incluindo glaucoma, podem ser tratáveis com transplante de células-tronco.
O objetivo dessa meta-análise foi avaliar o impacto da terapia com células-tronco na acuidade visual e na espessura da camada de fibras nervosas da retina (RNFL do inglês: Retinal Nerve Fiber Layer) em pacientes com neuropatia óptica.
Métodos
O protocolo PRISMA foi utilizado. Foram selecionados artigos publicados até junho de 2024. Os critérios para inclusão do estudo da meta-análise foram os seguintes: (a) pacientes diagnosticados com neuropatia óptica; (b) olhos tratados com células-tronco; (c) acuidade visual (AV) ou espessura da RNFL foram relatadas; (d) foi publicado em inglês.
Como resultado, dois desfechos foram analisados: acuidade visual e a espessura da RNFL. O tamanho do efeito com base na mudança média na AV e na espessura da RNFL foi calculado do início ao final da terapia celular. Foi utilizado o pacote estatístico SPSS24 e os olhos de cada estudo foram considerados um cluster com uma correlação específica entre elas. Um resultado estatisticamente significativo foi definido como um valor de P < 0,05.
Resultados
Considerando os critérios de inclusão desse estudo, 7 artigos foram incluídos para a análise. Um total de 94 olhos e 66 pacientes foram submetidos à terapia celular. A idade média combinada foi de 53,2 (entre 34 e 75 anos). Assim, 61% dos participantes eram do sexo masculino. De acordo com todos os estudos incluídos, o tempo de acompanhamento foi de um ano, exceto para Oner et al., que teve um tempo de acompanhamento de 15 meses.
A AV melhorou em todos os estudos, exceto Vilela et al., que não mostrou melhora, e Kahraman et al., que mostrou uma piora da AV. Houve uma mudança estatisticamente significativa na AV (valor de p < 0,001). Houve um ligeiro aumento na espessura da RNFL após a terapia celular, mas não foi estatisticamente significativo.
Não houve relação significativa entre idade e alterações na AV (coeficiente de regressão = 0,01(0,02), valor de p = 0,991) ou espessura da RNFL (coeficiente de regressão = 0,54(0,40), valor de p = 0,174).
O coeficiente de regressão para homens e mulheres foi de 0,26(0,28), valor de p = 0,345, e nenhuma diferença significativa na alteração média na AV foi observada entre eles (coeficiente de regressão = 0,26(0,28), valor de p = 0,345). Também não houve diferença significativa entre a alteração média da espessura da RNFL entre homens e mulheres (coeficiente de regressão foi de 1,73 (4,92), valor de p foi de 0,725).
Discussão
As células-tronco mesenquimais, que são células estromais maduras, podem restaurar o desempenho visual em diferentes distúrbios degenerativos oculares por meio de várias vias terapêuticas. Acredita-se que células tronco mesênquimas de medula óssea transplantadas através de injeções intravítreas liberem mRNA, microRNA, proteínas, componentes mitocondriais e ribossomos por meio de suas vesículas extracelulares e exossomos.
Como consequência, células-tronco mesenquimais são capazes de se comunicar com nichos ao seu redor e podem ativar células-tronco indiferenciadas para proliferar e se diferenciar. As células-tronco mesenquimais, devido a baixas taxas de migração e diferenciação, são nutricionalmente benéficas para prevenir a degeneração da retina e a imunossupressão.
Além disso, descobriu-se que as células-tronco mesenquimais adiposas são eficazes na restauração da visão após lesão do nervo óptico, bem como na supressão da inflamação.
Os resultados dessa meta-análise demonstram que os pacientes com neuropatia óptica, submetidos à terapia com células tronco mesênquimas, tiveram melhora na AV. O estudo demonstrou que a terapia com células-tronco melhora a AV independentemente da idade ou sexo. Não ficou claro através das publicações analisadas se a melhora identificada na AV é devida ao resultado direto da terapia com células-tronco ou se esse processo envolve mais do que apenas a proliferação e diferenciação de células-tronco mesenquimais.
Apesar da melhora da AV, a espessura da RNFL permaneceu inalterada, possivelmente devido a diferentes tomografias de coerência ópticas (OCTs) utilizados nos diferentes estudos analisados.
Não há um consenso na literatura sobre como calcular o número de células usadas para injeções intravítreas. Um aspirado de células mononucleares é normalmente administrado em altas doses em estudos clínicos, enquanto células-tronco mesenquimais purificadas enriquecidas são administradas em doses muito mais baixas.
No entanto, não há informações sobre o cálculo de doses de células ou o processo pelo qual as células são fabricadas em registros internacionais de ensaios clínicos. Não há também relatório sobre terapia imunossupressora utilizada nos diferentes estudos.
Nenhum evento adverso foi relatado nesses estudos após a terapia com células-tronco para neuropatia óptica. Esses resultados preliminares sugerem que a terapia com células-tronco é um tratamento relativamente seguro e promissor para a neuropatia óptica.
Impactos na prática clínica
Atualmente, não há tratamento para neuropatias ópticas degenerativas e os estudos mais recentes têm demonstrado que a terapia com células-tronco pode ser uma opção viável.
Além disso, não foram relatados eventos adversos significativos após a terapia com células-tronco, o que indica que o tratamento tem um perfil de segurança promissor. O potencial de regeneração ou preservação da função visual oferece uma esperança terapêutica para pacientes com perda visual irreversível.
Limitações
Vários fatores podem afetar os resultados apresentados nos estudos, como o tipo de células, seu número e o método de administração. Devido à quantidade limitada de pesquisas e ao número limitado de relatos de pacientes sobre terapia com células-tronco para neuropatia óptica, não é possível fornecer informações sobre esses parâmetros.
Mais estudos são necessários sobre os tipos de células-tronco, o número de células injetadas, os métodos de administração e as estratégias de imunossupressão.
A meta-análise avaliada incluiu poucos estudos com tamanhos de amostra pequenos, incluindo pacientes com visão subnormal e legalmente cegos, o que dificultou a medição precisa da função visual, aumentando o risco de viés.
Há falta de informações sobre o dispositivo OCT exato usado para o teste nos estudos incluídos.
O que podemos levar para casa?
Mais estudos sobre a terapia com células-tronco são necessários para entender os benefícios que esse tratamento terá na prática clínica. Até o momento, tratamentos baseados em células-tronco mostraram resultados promissores em doenças degenerativas do nervo óptico para as quais não há atualmente opções de tratamento curativo.
A terapia com células-tronco mesenquimais tem o potencial de se tornar uma ferramenta terapêutica importante para o tratamento de neuropatias ópticas e outras doenças degenerativas oculares. Os resultados preliminares sugerem uma melhora na acuidade visual e um perfil de segurança favorável, mas são necessários mais estudos para otimizar protocolos de tratamento, bem como para confirmar os benefícios em longo prazo.
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