Logotipo Afya
Anúncio
Oftalmologia14 agosto 2025

IA em olhos curtos: rede de fórmulas de potência de lentes intraoculares

Meta-análise compara fórmulas de IA para cálculo de LIO em olhos curtos (<22 mm) e aponta Pearl-DGS e Kane como mais precisas.
Por Alléxya Affonso

A cirurgia de catarata está entre os procedimentos médicos mais comumente realizados em todo o mundo, principalmente devido ao envelhecimento da população e à crescente expectativa de vida. A independência dos óculos passou a ser utilizada como um novo indicador de sucesso de pós-operatório.  

O sucesso da cirurgia de catarata depende da seleção de uma fórmula de potência da lente intraocular (LIO) apropriada e da precisão dos instrumentos utilizados para medir as dimensões oculares.  

Em comparação com a população com comprimento axial normal, as fórmulas de LIO para olhos com comprimento axial curto (< 22mm) continuam a enfrentar desafios significativos na previsão de erros refrativos pós-operatórios.  

A porcentagem de olhos com dioptria alvo na faixa de ± 0,50 D e ± 1,00 D está mais relacionada à satisfação pós-operatória. Nos olhos de comprimento axial normal, os cálculos de LIO conseguem deixar cerca de 80-90% dos pacientes dentro de ±0,50 dioptria do grau-alvo pós-operatório, porém a taxa de sucesso é muito menor na população com comprimento axial curto, apenas 31 a 75% acabam dentro de ±0,50 D do previsto. 

As características ópticas avançadas das LIOs e a criação de novas fórmulas visam alcançar uma precisão de previsão ainda melhor. A precisão dos parâmetros biométricos pré-operatórios (como comprimento axial, ceratometria e profundidade da câmara anterior) – onde os erros de medição podem representar 36%, 22% e 42% dos desvios, respectivamente – depende principalmente da estimativa da posição efetiva da lente derivada da seleção apropriada da fórmula.  

Pacientes com catarata comprimento axial curto demonstram menor precisão refrativa, com a previsão de erros refrativos aumentando proporcionalmente à gravidade da hipermetropia. Isso decorre da relação desproporcional entre as dimensões do segmento anterior e o comprimento axial em olhos curtos, dificultando o cálculo preciso da posição efetiva da lente verdadeira. A maior potência da LIO necessária para emetropia em comprimento axial curto amplifica quaisquer imprecisões da posição efetiva da lente.  

Desde a introdução das fórmulas iniciais, vários métodos de cálculo foram desenvolvidos para prever a potência da LIO necessária para a cirurgia de catarata. Recentemente, a tecnologia de inteligência artificial (IA) tem sido utilizada para melhorar a precisão das fórmulas de potência da LIO. As fórmulas baseadas em IA mais conhecidas são a Kane, Hill-RBF, Pearl-DGS e Ladas.  

O objetivo da meta-análise foi comparar a proporção de olhos com previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50 D e ± 1,00 D, com o objetivo de identificar qual fórmula baseada em IA apresenta melhor desempenho em olhos com comprimento axial curto.  

olhos curtos

Métodos  

Realizado meta-análise com os artigos selecionados, publicados até fevereiro de 2024.  

Os estudos foram incluídos se atendessem aos seguintes critérios: indivíduos com 18 anos ou mais; pacientes com comprimento axial curto (< 22 mm); pacientes submetidos a cirurgia de facoemulsificação bem-sucedida; artigos que utilizaram pelo menos duas ou mais fórmulas de cálculo de dioptria da LIO; medição biológica por método óptico.  

Os critérios de exclusão foram: não foi utilizada fórmula baseada em IA; pacientes com histórico de cirurgia refrativa da córnea; as porcentagens de olhos afetados por previsão de erro refrativo na faixa de ± 0,50 D e ± 1,00 D não estavam disponíveis; presença de outras doenças oculares; estudos que foram artigos de revisão, resumos de congressos ou conduzidos em animais. 

A porcentagem de olhos apresentando previsão de erro refrativo dentro da faixa específica de ± 0,50 D e ± 1,00 D foi analisada, com uma porcentagem maior indicando melhor precisão da fórmula. A heterogeneidade estatística entre os estudos foi avaliada usando o teste qui-quadrado e a métrica I².  

A metodologia SUCRA foi empregada para classificar sistematicamente o desempenho de várias fórmulas de cálculo de poder da LIO.  

Resultados  

Dez estudos atenderam aos critérios de inclusão predefinidos. Entre eles, nove são análises de casos retrospectivas e um é um estudo de caso prospectivo. A análise envolveu um total de 756 olhos, todos com comprimento axial inferior a 22 mm. As fórmulas de IA avaliadas incluíram as super fórmulas de Kane, Hill-RBF, FullMonte IOL, Pearl-DGS e Ladas. Enquanto isso, as fórmulas convencionais avaliadas foram SRK/T, Hoffer Q, Haigis, Barrett Universal II, Holladay 1, Holladay 2, Olsen, T2, VRF, EVO, Castrop, Okulix, IA e Hoffer QST.  

A meta-análise direta revelou heterogeneidade mínima, com um valor de I² de 45,04% e um valor de p superior a 0,05, resultando na escolha de um modelo de efeitos aleatórios para a análise. A incorporação de dez estudos exibiu coerência global robusta (p = 0,3864 > 0,05). Para avaliar inconsistências locais, foi utilizada a abordagem de divisão de nós. A maioria dos estudos apresentou consistência (P < 0,05), embora alguns tenham apresentado valores de p baixos (p < 0,05). Após uma avaliação abrangente, uma meta-análise de rede foi conduzida sob a premissa de consistência. 

A meta-análise de rede bayesiana foi aplicada para avaliar a porcentagem de olhos com previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50 D para comparações diretas e indiretas entre 21 métodos.  

Entre as fórmulas baseadas em IA, Kane (RR agrupado = 1,14; intervalo de credibilidade de 95% [CrI]: 1,05–1,24) e Pearl-DGS (RR agrupado = 1,21; CrI de 95%: 1,09–1,34) superaram a fórmula Barrett Universal II. Hill-RBF 1.0 (RR combinado = 1,09; CrI de 95%: 0,98–1,21), Hill-RBF 2.0 (RR combinado = 1,04; CrI de 95%: 0,91–1,18), Hill-RBF 3.0 (RR combinado = 1,09; CrI de 95%: 0,98–1,20) e Ladas super formula (RR combinado = 1,05; CrI de 95%: 0,95–1,16) demonstraram desempenho comparável ou superior à fórmula Barrett Universal II. Por outro lado, a fórmula FullMonte para LIO (RR combinado = 0,89; CrI de 95%: 0,75–1,06) apresentou desempenho inferior. 

Resultados das classificações da meta-análise de rede foram (do melhor para o pior): Pearl-DGS (92,1%) > Okulix (89,9%) > Kane (77%) > IA (75%) > Castrop (71,6%) > Hoffer QST (61,3%) > EVO (60,9%) > Hill-RBF 1,0 (56,1%) > Hill-RBF 3,0 (55,4%) > VRF (52,7%) > SRK/T (51,4%) > Holladay 2 (48,6%) > T2 (43,9%) > Super Ladas (38,6%) > Hill-RBF 2.0 (35,1%) > Holladay 1 (31%) > Haigis (30,7%) > Olsen (30,2%) > Hoffer Q (27,9%) > Barrett Universal II (16,7%) > LIO FullMonte (3,9%).  

A metanálise de rede bayesiana foi empregada para avaliar a porcentagem de olhos que alcançaram uma previsão de erro refrativo dentro de ± 1,00 D para comparações diretas e indiretas entre 21 métodos. Além do desempenho abaixo da média da fórmula FullMonte IOL (risco relativo combinado = 0,89; intervalo de confiança de 95%: 0,83 a 0,95), nenhuma diferença notável foi encontrada entre as demais fórmulas baseadas em IA e as fórmulas convencionais. 

Os resultados das classificações de meta-análise de rede foram (do melhor para o pior): Castrop (95,4%) > Okulix (90,8%) > Hoffer QST (86,8%) > Pearl-DGS (73,5%) > EVO (70,2%) > Olsen (69%) > Kane (61,6%) > Hill-RBF 1,0 (61,1%) > Hill-RBF 2,0 (55,4%) > IA (53,2%) > Hill-RBF 3,0 (49,4%) > Holladay 1 (45,2%) > Holladay 2 (42,7%) > SRK/T (35,8%) > Super Ladas (35,4%) > Haigis (33,5%) > Barrett Universal II (24,1%) > Hoffer Q (23,8%) > T2 (23,7%) > VRF (14,1%) > FullMonte IOL (5,2%).  

Discussão  

Nessa meta-análise, Haigis, Barrett Universal II, Hoffer Q, Holladay 1 e Holladay 2 emergiram como as cinco fórmulas mais frequentemente empregadas em comparações pareadas, refletindo uma concentração do foco da pesquisa nesses métodos. Ao avaliar a previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50 D e ± 1,00 D, a análise identificou Pearl-DGS como a mais precisa entre as fórmulas baseadas em IA. Além disso, a fórmula de Kane apresentou desempenho significativamente superior em comparação com outras fórmulas convencionais, com exceção do Okulix. 

Nesta análise, Pearl-DGS e Okulix foram as duas fórmulas mais precisas para calcular o poder da LIO em olhos com comprimento axial curtos. O Pearl-DGS demonstrou precisão superior na faixa de ± 0,50 D, enquanto o Okulix ficou em segundo lugar nas faixas de ± 0,50 D e ± 1,00 D, destacando suas vantagens notáveis ​​sobre outras fórmulas. 

Uma revisão sistemática por Topyra et al. de artigos publicados entre janeiro de 2015 e dezembro de 2022 sobre a precisão da fórmula de cálculo da LIO demonstraram que a fórmula Pearl-DGS alcançou a maior precisão em pacientes com catarata comprimento axial curto.  

O estudo de Wendelstein et al. revelou ainda que tanto a fórmula Pearl-DGS quanto a de Kane superaram as fórmulas Barrett Universal II e EVO. Neste estudo, a fórmula Pearl-DGS emergiu como a fórmula baseada em IA mais precisa, fornecendo cálculos de LIO mais precisos para pacientes com comprimento axial curto, reduzindo surpresas refrativas pós-operatórias e aumentando a satisfação do paciente. 

A fórmula de Kane, uma abordagem baseada em IA, mostra desempenho promissor de acordo com os rankings SUCRA, com 77% dos olhos apresentando uma previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50 D e 61,6% dentro de ± 1,00 D. Esta fórmula não publicada, com sua estrutura amplamente desconhecida, é baseada em óptica teórica e integra elementos de IA.  

Em 2019, o Serviço Nacional de Saúde (NHS) conduziu uma análise comparativa de diversas fórmulas de cálculo de potência da LIO, baseada em dados de 10.930 olhos, incluindo Kane, Hill-RBF 2.0 e fórmulas de comprimento axial ajustadas de Holladay 2, Barrett Universal II, Olsen, Haigis, Holladay 1, Hoffer Q e SRK/T.  

Os resultados indicaram que a fórmula de Kane apresentou a maior precisão entre as avaliadas. Oleksiy et al. compararam 18 fórmulas de cálculo para olhos com comprimento axial < 22,0 mm e constataram que a fórmula de Kane foi mais precisa do que Haigis, Hoffer Q, Barrett Universal II, Holladay 1, Holladay 1 e a Fórmula Super Ladas. 

Os dados desta meta-análise sugerem que, para indivíduos com catarata e comprimentos axiais menores que 22,0 mm, as fórmulas baseadas em IA, notadamente a Pearl-DGS, demonstraram potencial para alcançar uma proporção maior de olhos com uma previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50 D em comparação com as fórmulas de vergência convencionais.  

Limitações 

  • Os valores de SUCRA e as porcentagens de olhos com previsão de erro refrativo dentro de ± 0,50D e ± 1,00D calculados por diversas fórmulas são dois conceitos distintos. Os valores de SUCRA que medimos podem ser menores dentro da faixa de ± 1,00D porque diferentes fórmulas são incluídas, e as diferenças entre essas fórmulas não são muito pronunciadas dentro dessa faixa. Como as fórmulas participantes variam, suas vantagens relativas também diferem. Dentro da faixa mais ampla de ± 1,00D, o EP da maioria das fórmulas (incluindo métodos tradicionais) é “diluído”, o que pode levar a uma redução nas diferenças de classificação. 
  • Nove dos estudos incluídos eram séries de casos retrospectivas e apenas um era um estudo de caso prospectivo;  
  • Não foi uniformizados os tipos de LIOs incluídos na literatura, aumentando inevitavelmente a heterogeneidade clínica entre os estudos; 

O que podemos levar para casa? 

As fórmulas baseadas em IA geralmente superaram as fórmulas de geração mais recente, como Barrett Universal II e Olsen, embora a diferença não tenha sido significativa. Mais pesquisas com amostras grandes são necessárias para confirmar a eficácia das fórmulas baseadas em IA. 

Nota do autor: 

Na meta-análise de rede, a SUCRA serve como um instrumento metodológico crítico para quantificar e comparar a eficácia relativa de diferentes intervenções terapêuticas, apoiando assim a tomada de decisão clínica baseada em evidências.  

O valor SUCRA avalia a superioridade hierárquica de cada modalidade de tratamento calculando sua distribuição de probabilidade cumulativa em todas as posições de classificação potenciais. Com um intervalo numérico que abrange 0 a 1 (equivalente a 0–100%), um valor SUCRA próximo de 1 indica desempenho terapêutico superior e classificação comparativa mais alta. 

Veja também: Opacificação pós-operatória de lentes intraoculares

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Oftalmologia