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Oftalmologia26 maio 2025

Glaucoma em Foco: Perimetria Virtual vs. automatizada no adulto

Neste texto da minissérie sobre Glaucoma, Pedro Hélio, oftalmologista e conteudista do Portal Afya, destaca a perimetria virtual vs. automatizada no adulto

O glaucoma é uma das principais causas de cegueira e afeta cerca de 80 milhões de pessoas no mundo.  A campimetria visual computadorizada (CVC), também conhecida como perimetria padrão automatizada, é um dos exames padrão para diagnosticar e monitorar as perdas de campo causadas pelo glaucoma.  

Diversos aparelhos, como o Humphrey (Carl Zeiss Meditec) e o Octopus (Haag-Streit) realizam a CVC. Contudo, esse tipo de perimetria possui algumas limitações como a necessidade de oclusão monocular, o posicionamento fixo e rigoroso do paciente e a manutenção da fixação central da visão durante o teste, que podem tornar o teste demorado e cansativo para o paciente.   

Durante o seguimento desses pacientes, a campimetria costuma ser realizada 1 a 2 vezes ao ano e a variabilidade entre os testes pode reduzir a acurácia e a utilidade clínica das suas medidas. Dessa forma, novas tecnologias têm surgido com a proposta de trazer formas mais acessíveis e inovadoras de testar e monitorar as perdas de campo visual associadas ao glaucoma.  

Perimetria de realidade visual (PRV) 

A perimetria de realidade visual (PRV), que utiliza headsets de realidade virtual para criar um ambiente imersivo, no qual o teste de campo visual é executado, tem ganhado crescente atenção dada a sua portabilidade e altos níveis de aceitabilidade pelos pacientes. Por esses motivos, a PRV mostrou-se uma alternativa viável para testar a campimetria de pacientes impossibilitados de realizar o teste padrão, como no caso de pacientes hospitalizados.  

Foi realizada uma revisão sistemática por um grupo de pesquisa norte-americano acerca desse tema, a qual foi publicada em 2025 na Plos One. O objetivo dessa revisão foi de consolidar e sumarizar os dados disponíveis acerca da PRV e sua acurácia diagnóstica comparada à CVC em pacientes adultos com glaucoma.  

Métodos

Critérios de eligibilidade para consideração de estudos para a revisão 

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados, coortes prospectivas e retrospectivas comparando diversas modalidades de PRV com a CVC em adultos (>18 anos) com glaucoma. Foram aceitos trabalhos não randomizados devido à falta de trabalhos randomizados robustos avaliando a PRV em adultos com glaucoma.  Foram excluídos artigos de revisão, cartas, relatos de caso, resumos e artigos não disponíveis na íntegra, trabalhos em língua diferente do inglês e trabalhos que compararam a CVC com outros tipos de perimetria que não a PRV. Os desfechos de interesse foram as comparações primárias quantitativas entre a CVC e a PRV.  

Protocolo de busca e seleção dos estudos, coleta de dados e análise de viés 

A busca foi realizada por dois revisores independentes dia 10/9/2024 em 3 bases de dados: PubMed, Embase e Cochrane Central Register of Controlled Trials. Os estudos foram triados pelo título e resumo e a seleção foi realizada manualmente pelos revisores. Os dados foram extraídos por um revisor e os riscos de viés foram analisados por dois revisores independentes utilizando a ferramenta Newcastle-Ottawa adaptada para estudos transversais. Casos de discordância tanto na seleção quanto na análise de viés foram dirimidos por um terceiro revisor.  

Resultados

1657 artigos foram identificados inicialmente. Após a remoção dos artigos em duplicata, 1493 passaram pela triagem do título e resumo por dois revisores com a consequente seleção de 43 artigos para leitura completa. Desses, 20 não preenchiam os critérios de inclusão, 4 estavam indisponíveis e 5 não fizeram a comparação com a CVC, restando 14 estudos para análise. O risco de viés foi moderado em 64% dos estudos e baixo em 36% dos trabalhos. Em relação aos dispositivos analisados e suas respectivas análises: 

  1. Oculus Quest. Apresentou desempenho semelhante ao Octopus em um estudo com 70 olhos. A correlação média de defeitos campimétricos entre o dispositivo e o Octopus foi alta (Spearman, ρ≥ 0,75). 
  2. Campimetria baseada em smartphone (Sb-C). Nessa modalidade, utiliza-se um headset de realidade virtual acoplado a um aplicativo (SmartCampiTracker) executado em um smartphone (iPhone 6) para simular um ambiente de teste de campo visual. O estudo analisou 93 olhos e comparou com o Octopus. O estudo encontrou forte correlação de sensibilidade média entre os dois dispositivos (r = 0,815; p < 0,05). 
  3. Perímetro portátil Toronto (TPP). Também utiliza um headset de realidade virtual acoplado a um smartphone e aplicativo. Foram analisados 150 olhos com glaucoma e o teste apresentou boa concordância com o Humphrey nos parâmetros MD, PSD, VFI e duração do teste.  
  4. VirtualEye. Utiliza um headset com display e rastreamento ocular conectado a um computador. O estudo analisou 62 pacientes e comparou com o Humphrey. Defeitos visuais grandes foram percebidos por ambos os dispositivos e os pacientes relataram alto grau de usabilidade.  
  5. Advance Vision Analyzer (AVA). Utiliza um dispositivo montado na cabeça acoplado a uma tela de LED com sistema de rastreamento ocular. Dois estudos (um com 160 olhos e outro com 112 olhos) compararam esse dispositivo com o Humphrey. O primeiro estudo mostrou correlação moderada entre os testes (coeficiente de correlação r = 0,68–0,89, p < 0,001) e o segundo trabalho também apresentou boa correlação entre os testes via análise de Bland-Altman. 
  6. VisuALL. É um dispositivo de realidade virtual comercialmente disponível. Três estudos compararam esse dispositivo com o Humphrey. O primeiro com 102 olhos apresentou alta correlação (controles: r=0,5, p=0,001; glaucoma: r=0,8, p<0,001) e alta acurácia diagnóstica (AUC: 0,98 VisuALL; 0,93 Humphrey; p=0,06). O segundo com 16 olhos apresentou boa concordância e PRV  69,33 segundos mais rápida que a CVC (p<0,001). O terceiro com 43 olhos apresentou boa correlação do desvio médio (MD) entre os exames (r=0,871, p<0,001) e boa concordância em estágios iniciais, porém com heterocedasticidade em estágios avançados.  
  7. Radius. Consiste em um headset de realidade virtual com controlador bluetooth portátil acoplado a um tablet que permite monitoramento em tempo real. Um estudo com 100 olhos comparou esse dispositivo ao Humphrey e observou forte correlação no MD (r = 0,94) entre esses testes além de maior rapidez na execução do Radius em relação ao Humphrey (298 segundos vs 341 segundos). Além disso, a concordância entre especialistas de glaucoma na classificação da gravidade do glaucoma comparando ambos os testes foi alta (kappa = 0,91–0,93).  
  8. Virtual Field utilizando o Oculus Go. Consiste em um software de perimetria de realidade virtual utilizando o dispositivo Oculus Go. Um estudo com 95 olhos comparando esse dispositivo com o Humphrey encontrou forte correlação no MD (r = 0,87, p < 0,001) e no desvio padrão (PSD) (r = 0,94, p < 0,001) além de execução mais rápida no Oculus em relação ao Humphrey com diferença média de 76 segundos (p<0,0001). 
  9. Vivid Vision Perimetry (VVP).  Consiste em um software que pode ser instalado em óculos de realidade virtual. Assim, dois estudos compararam o VVP com o Humphrey. O primeiro estudo com 24 olhos mostrou boa correlação no MD (r = 0.86; p<0.001). O segundo estudo com 36 olhos apresentou moderada correlação (r = 0,67; p<0,05) em relação à sensibilidade média. 
  10.  C3 fields visual field analyser (CFA).  É um perímetro de realidade virtual montado na cabeça do paciente. Um estudo com 157 participantes comparou esse dispositivo com o Humphrey. O CFA não identificou com confiabilidade os déficits pontuados pelo Humphrey, mas teve melhor desempenho na identificação de pacientes com glaucoma moderado e avançado em relação a pacientes com danos mais leves.  

Discussão

A campimetria visual computadorizada é, classicamente, o método de referência para avaliar o campo visual em pacientes com glaucoma. Contudo, sua execução envolve alguns fatores limitantes como a variabilidade entre os testes, o tempo prolongado para sua execução e o posicionamento fixo e rígido do paciente. Com isso, diversos dispositivos de PRV surgiram e essa revisão mostrou que seu uso é promissor. Apesar de as taxas de concordância gerais entre os dispositivos de PRV e a CVC terem sido moderadas a altas, os dispositivos de PRV tenderam a subestimar a sensibilidade média e o tamanho dos defeitos campimétricos em pacientes com glaucoma e superestimaram essas medidas em pacientes saudáveis.  

Com exceção ao CFA, os demais dispositivos apresentaram resultados comparáveis à CVC. Os dados levantados pela revisão sugerem que os dispositivos de PRV podem ser utilizados para discriminar olhos com dano glaucomatoso de olhos saudáveis.  

Entretanto, alguns pontos não foram adequadamente esclarecidos. Dentre eles, questiona-se se a confiabilidade dos testes varia com a gravidade do glaucoma. Interroga-se ainda o nível de sensibilidade do PRV para detectar a progressão do glaucoma.  

Em relação aos estudos que compuseram a revisão, destaca-se que houve importante heterogeneidade em relação ao rastreamento ocular, à luminância e à padronização dos parâmetros entre os estudos, o que dificultou comparações diretas.  

Para expandir a aplicação dos dispositivos de PRV, é necessário aprimorar os protocolos de teste padronizados, desenvolver banco de dados normativos públicos, implementar dados de confiabilidade teste-reteste e seguir as diretrizes do Standards for Reporting of Diagnostic Accuracy Studies (STARD). 

Limitações

A revisão realizada pode ter deixado de incluir estudos relevantes e ainda não fora realizada uma meta-análise com os dados obtidos.  

Mensagem prática

Os dispositivos de perimetria de realidade virtual podem se tornar ferramentas úteis e de grande valia no seguimento e acompanhamento de pacientes com suspeita de glaucoma ou com glaucoma. Isso ocorre na medida em que eles podem ser executados em pacientes com restrições físicas e podem ser aplicados em locais longínquos e com acesso precário à saúde.  

Ademais, seu uso pode ser interessante para pacientes, como crianças e idosos, que demandam testes de execução mais rápidos e de fácil compreensão.  

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Referências bibliográficas

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