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Oftalmologia24 julho 2025

Dieta mediterrânea e degeneração macular

Dieta mediterrânea pode reduzir o risco de progressão da DMRI, oferecendo proteção contra perda visual em estágios avançados da doença.
Por Jôbert Neves

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma das principais causas de deficiência visual grave em idosos, afetando cerca de 196 milhões de pessoas no mundo, com projeção estimada de 288 milhões de pessoas com DMRI até 2040. O quadro é caracterizado pelo acúmulo de drusas na retina externa gerando estresse oxidativo crônico e disrupção dos fotorreceptores.  

Com o tempo, essas alterações levam a duas formas avançadas distintas da doença: a atrofia geográfica (AG) marcada pela perda progressiva do epitélio pigmentado da retina (EPR) e dos fotorreceptores e a DMRI neovascular caracterizada pela neovascularização anormal seguida de extravasamento vascular e fibrose. A AG tende a evoluir com escotomas centrais progressivos e a DMRI neovascular pode apresentar uma perda visual rápida e grave. 

A DMRI é multifatorial e sua etiologia envolve fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida sendo os principais fatores de risco a idade avançada, o tabagismo e a predisposição genética. Alguns fatores de estilo de vida, em especial a dieta, têm sido elencados como fatores de risco modificáveis para a DMRI. Nesse contexto, destaca-se a Dieta Mediterrânea (DM) caracterizada por um alto consumo de frutas, vegetais, grãos integrais, leguminosas, oleaginosas, azeite de oliva e consumo moderado de aves e peixes.  

Essa dieta é rica em antioxidantes, anti-inflamatórios, ácidos graxos ômega-3, luteína, zeaxantina e polifenóis que mitigam o estresse oxidativo e a inflamação, que estão envolvidos na patogênese da DMRI.  Evidências destacam que a adesão a essa dieta pode reduzir o risco de desenvolver DMRI e de desacelerar sua progressão, contudo existe uma inconsistência nos resultados desses estudos.  

Dessa forma, foi realizada uma revisão sistemática e meta-análise publicada em 2025 na Nutrients que analisou criticamente e sintetizou as evidências da relação entre a adesão à DM e o desenvolvimento ou progressão da DMRI. 

degeneração macular

MÉTODOS 

A revisão sistemática e meta-análise seguiu o delineamento do Manual Cochrane para Revisões Sistemáticas de Intervenções, as diretrizes do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) e foi registrado na PROSPERO (CRD42024584279).  

Critérios de elegibilidade 

Foram incluídos estudos observacionais (coortes prospectivas e retrospectivas, estudos transversais e caso-controle) que incluíram pacientes com risco ou já diagnosticados com DMRI e que avaliaram a influência do consumo da DM no desenvolvimento e/ou progressão da doença.  

O desenvolvimento da DMRI foi caracterizado pela classificação seguindo o sistema AREDS, especificamente a categoria 1: presença de drusas pequenas (<63 μm) em um raio de dois diâmetros de disco do centro macular sem anormalidades pigmentares. A progressão da DMRI foi caracterizada com a transição entre ou dentro das subcategorias do AREDS. A adesão à DM foi definida como a adesão perene, consistente e substancial aos seus principais componentes.  

Foram excluídos estudos que avaliaram micronutrientes isolados ou componentes alimentares individuais, revisões sistemáticas e de literatura e estudos sem dados primários. Não houve restrição de dada, idioma ou região geográfica.  

Estratégia de busca e seleção dos estudos  

Foi feita uma busca nas bases de dados MEDLINE (PubMed), Web of Science e SCOPUS por dois revisores independentes inicialmente pela triagem dos títulos e resumos seguida da leitura do texto completo. Um terceiro revisor resolveu as discordâncias em cada fase. A concordância entre os revisores foi avaliada pelo coeficiente kappa.  

Avaliação do risco de viés (qualidade) 

Dois pesquisadores avaliaram de forma independente o risco de viés de cada estudo por meio das ferramentas do National Institute of Health (NIH) e classificaram a qualidade geral em: “bom”, “regular” ou “ruim”.  

Síntese quantitativa 

Foram realizadas meta-análises separadas para cada tipo de estudo: para estudos transversais e de caso-controle, foram utilizados odds ratios (ORs), e, para as coortes prospectivas, foram considerados os hazard ratios (HRs) todos com intervalos de confiança (IC) de 95%. A heterogeneidade foi avaliada pelo teste Q de Cochran (valor de p) e pela estatística I², sendo I² ≥ 40% e p < 0,10 considerados indicativos de heterogeneidade severa e significativa, respectivamente.  

Gráficos de Baujat foram utilizados para detectar estudos que contribuíram desproporcionalmente para a heterogeneidade. O viés de publicação foi avaliado via gráficos de funil (funnel plots) e os resultados foram sintetizados via gráficos de floresta (forest plots). As análises estatísticas foram realizadas no software R.  

RESULTADOS 

Resultado da Busca 

A busca nas bases de dados identificou 622 registros, dos quais 180 duplicatas foram removidas. Dos 442 estudos restantes, foram excluídos 419 estudos e analisados 23 artigos por completo. Ao final da análise, oito estudos preencheram os critérios de inclusão e foram incorporados na revisão sistemática e meta-análise.  

Ao final da fase de triagem, o coeficiente kappa foi de 0,609 (IC 95%: 0,487-0,730f) e, após a conclusão da leitura do texto completo, o kappa foi de 1,0 (IC 95% 1,0-1,0).  

Descrição dos estudos 

Dentre os oito estudos que foram incluídos, 2 foram estudos transversais, 3 estudos foram caso-controle e 3 estudos foram coorte prospectivas. O tamanho das amostras variou de 164 a 4996 participantes, com idades entre 55 e 80 anos e a proporção do sexo feminino variou de 50,0% a 65,9%.  

Os sistemas de classificação da DMRI variaram entre os estudos (AREDS2, Classificação Internacional para Maculopatia Relacionada à Idade, Rotterdam, CARMS, Wisconsin modificado e Classificação internacional da DMRI) e a gravidade variou de ausência de DMRI a estágios avançados.  

Os componentes centrais da DM foram consistentes em todos os estudos e a adesão à DM foi avaliada via Questionário de Frequência Alimentar (QFAs). 

Estudos transversais 

A meta-análise dos dois estudos transversais resultou em um OR combinado de 0,96 (IC 95%: 0,83-1,11; p = 0,6243; I² = 0) indicando nenhuma associação significativa entre a adesão à DM e a DMRI. A distribuição de peso foi consideravelmente desbalanceada, com Hogg el al. (2017) contribuindo com 99,5% da estimativa combinada e Gourgouli et al. (2011) com 0,5%.  

Estudos de caso-controle 

A meta-análise dos três estudos caso-controle evidenciou um efeito protetor significativo com uma redução de 34% nas chances de DMRI em indivíduos com alta adesão à DM (OR = 0,66; IC 95% = 0,54 – 0,81; p < 0,0001; I² = 41,5%). A remoção do estudo de Barreto et al. (2023) eliminou a heterogeneidade (I² = 0%), porém todos os estudos foram mantidos dado o número limitado de estudos.  

Estudos de coorte prospectivos 

A meta-análise das três coortes prospectivas apresentou um efeito protetor significativo com uma redução de 23% no risco de progressão da DMRI em indivíduos com alta adesão à DM (HR = 0,77; IC 95% = 0,67 – 0,88; I² = 0%).  

Qualidade dos estudos e viés de publicação 

A maioria dos estudos apresentou risco de viés baixo a moderado, com estudos de coorte prospectivos evidenciando maior qualidade metodológica.  

DISCUSSÃO 

O estudo evidenciou uma associação inversa entre a adesão à DM e a progressão da DMRI, com uma redução de 34% no risco de progressão da doença observada nos estudo caso-controle e uma redução de 23% nos estudos de coorte prospectiva. Essa associação não foi sustentada pelos estudos transversais possivelmente devido às limitações inerentes ao desenho e ao pequeno número de estudos disponíveis.  

A DM é rica em ácidos graxos poli-insaturados (AGPIs), vitamina C, vitamina E e carotenoides (luteína e zeaxantina). Os AGPIs são componentes dos segmentos externos dos fotorreceptores retinianos protegendo-os de danos oxidativos e prevenindo a apoptose.  

A vitamina C participa do metabolismo do EPR e melhora a função da retina interna e a vitamina E diminui o dano fototóxico nos segmentos externos dos fotorreceptores. A luteína e zeaxantina contribuem para a estabilidade mitocondrial no EPR e reduzem o estresse oxidativo.  

Nessa meta-análise, a discrepância nos resultados entre os diferentes desenhos de estudo levanta algumas questões na interpretação da relação entre a DM e a DMRI. A ausência de uma associação em estudos transversais pode ser atribuída à sua natureza observacional e à dificuldade em estabelecer temporalidade entre a exposição (dieta) e o desfecho (progressão da DMRI).  

Estudos transversais e de caso-controle avaliam a dieta e a progressão da DMRI simultaneamente, dificultando a determinação se a progressão da DMRI que influencia a adesão à DM ou o contrário. Contudo, os estudos de coorte prospectivos, ao avaliar a exposição (dieta) antes ou ao longo do tempo em relação ao desfecho (progressão da DMRI), oferecem maior capacidade de inferir relações de causalidade. O achado desse estudo de que a DM tem um efeito protetor na progressão da DMRI está alinhado com o entendimento estabelecido da patogênese da DMRI, onde o estresse oxidativo e a inflamação desempenham papeis críticos.  

LIMITAÇÕES 

 O estudo apresentou algumas limitações como o número limitado de estudos incluídos, a heterogeneidade observada em alguns grupos de estudo, a falta de padronização na avaliação da adesão à DM, a utilização de questionários para avaliar a adesão dietética (estão sujeitos a viés de memória) e a restrição geográfica dos estudos que foram realizados principalmente em populações europeias e norte-americanas.  

MENSAGEM PRÁTICA 

 Essa meta-análise corrobora Dieta Mediterrânea como um dos pilares no manejo do estilo de vida da DMRI. Esse trabalho permite fornecer orientações nutricionais específicas baseadas em evidências robustas. Idealmente, sugere-se que todo paciente com drusas e/ou diagnóstico de DMRI saia do consultório com uma orientação clara sobre os benefícios de adotar a dieta mediterrânea como parte do plano de cuidados para preservar a visão a longo prazo.  

Veja também: Dieta mediterrânea reduz riscos de recidiva de infarto agudo do miocárdio?

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Referências bibliográficas

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