Miopia é um erro refracional que normalmente começa na infância. Ela ocorre quando o poder refrativo da córnea e do cristalino não são compatíveis com o comprimento axial (tamanho) do globo ocular, gerando um foco à frente da retina das imagens de objetos que estão distantes, resultando em turvação visual.
Hoje, representa uma ameaça à saúde ocular mundial, aumentado o risco de descolamento de retina, catarata e glaucoma e sua prevalência continua crescendo. Embora a miopia tenha uma correlação com hereditariedade, fatores de estilo de vida também desempenham um importante papel no seu surgimento. Compreender os fatores que contribuem para o seu início é essencial para redução da incidência e progressão.
Dentro de um período de 24 horas, a atividade física, o sedentarismo e a tempo de sono interagem intimamente com os ritmos circadianos. Eles são fundamentais na regulação da fisiologia ocular e podem influenciar no desenvolvimento e na progressão da miopia. Pesquisas indicam que cada hora de sono a menos pode interromper os processos fisiológicos oculares noturnos, sendo capaz de acelerar o início da miopia, em especial quando associada à exposição à luz noturna que suprime a secreção de melatonina.
O sono adequado ajuda a manter as mudanças cíclicas na pressão intraocular e no comprimento axial, enquanto a atividade física diurna, especialmente ao ar livre, apoia padrões circadianos saudáveis por meio da exposição à luz natural. Por outro lado, atividades sedentárias realizadas à noite podem perturbar ainda mais essas funções.
Um estudo recente teve por objetivo avaliar as associações de dose-resposta entre atividade física, sedentarismo e a duração do sono com a incidência de miopia em crianças e adolescentes por meio de revisões sistemáticas e meta-análises de estudos observacionais.
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Métodos
Foram incluídos no estudo: Crianças e adolescentes de 5 a 19 anos; atividade física, comportamento sedentário e a duração do sono como fatores de exposição e usando uma quantificação subjetiva ou objetiva do tempo total diário ou semanal; critérios diagnósticos de miopia, com refração sob cicloplegia; estudos prospectivos, transversais e de coorte; OR e IC de 95%; escritos em inglês.
Resultados
Um total de 6 estudos de coorte e 20 transversais relataram que a atividade física se associa a um risco reduzido de incidência e prevalência de miopia em crianças e adolescentes.
A análise revelou que os participantes que praticavam ≥ 60 min/dia, apresentaram probabilidade menor de miopia em comparação com aqueles com menos tempo de atividade ao dia.
Ao todo, 7 estudos foram incluídos em uma avaliação dose-resposta, revelando uma associação linear significativa entre atividade física e a incidência ou prevalência de miopia.
Cada hora adicional de atividade por dia foi associada a uma redução de 12% no risco de miopia. Um total de 4 estudos de coorte e 23 transversais demonstraram que o excesso de trabalho de perto associa-se ao maior risco de incidência e prevalência de miopia.
A avaliação contínua incluiu 7 estudos que não demonstraram associação linear. Além disso, 2 estudos de coorte relataram associação entre o maior tempo de exposição a tela e o aumento da incidência e prevalência de miopia. Os 3 estudos que foram incluídos na avaliação contínua demonstraram uma associação linear altamente significativa, para cada hora adicional de tempo de exposição a tela. Por dia, o risco de incidência ou prevalência de miopia aumentou em 31%.
Ademais, 15 estudos transversais demonstraram a duração do sono (maior tempo) tem associação a um risco reduzido na incidência ou prevalência de miopia. Na avaliação contínua, 6 estudos transversais foram analisados e não foi encontrada associação linear.
Discussão
O presente estudo explorou a relação dose-resposta entre atividade física, comportamento sedentário e a duração do sono com a incidência e prevalência de miopia nas crianças e adolescentes em um período de 24 horas.
A análise incluiu 45 estudos observacionais, compreendendo um total de 766.848 pacientes. Na avaliação contínua de dose-resposta, foram encontradas associações lineares significativas para atividade física e sedentarismo, com cada hora adicional de atividade física reduzindo o risco de miopia em 12% e cada hora adicional de sedentarismo aumentando-o em 31%.
Relações não lineares foram observadas para atividade de perto e risco de miopia, com 1,5 e 2,5 h de atividade de perto associadas a um risco aumentado de 25% e 29%, respectivamente. Na avaliação categórica de dose-resposta, níveis de atividade física mais altos e de maior tempo de sono reduziram significativamente o risco de miopia.
Em contraste, tanto o maior tempo de trabalho para perto e de sedentarismo aumentaram significativamente o risco de miopia. É fundamental enfatizar que as relações dose-resposta observadas são correlacionais e não implicam causalidade. Variáveis como características populacionais (localização geográfica, etnia), diferenças comportamentais (uso de dispositivos eletrônicos) e tempo de aferição, provavelmente contribuem para as tendências complexas identificadas.
Os resultados mostram que os exercícios estão associados a um menor risco de miopia em crianças e adolescentes. No entanto, os mecanismos exatos pelos quais isso acontece permanecem desconhecidos. Uma primeira hipótese seria o aumento do fluxo sanguíneo para a retina após a atividade física, levando a melhora na circulação sanguínea, expandindo a coroide, o que pode ajudar a reduzir o alongamento excessivo do globo ocular até um determinado limite.
Ela é uma estrutura vascularizada essencial do olho, e um aumento na sua espessura ajuda a manter a estabilidade estrutural do globo, prevenindo o alongamento axial excessivo. Além disso, estudos descobriram que a redução da pressão intraocular por meio de medicamentos pode retardar o alongamento axial em animais. Uma redução na pressão intraocular, com a prática de exercícios, ajuda a aliviar o estresse mecânico na parede do globo ocular, reduzindo assim o risco de alongamento axial e contribuindo positivamente para a prevenção da miopia.
O presente estudo identificou uma associação significativa entre sedentarismo prolongado e um risco elevado de miopia em crianças e adolescentes. Essa associação pode ser atribuída às mudanças significativas no poder refrativo do olho, durante um período prolongado de esforço visual para perto. O gerenciamento adequado das atividades diárias de crianças e adolescentes, aumentando a prática de exercícios e reduzindo o sedentarismo são estratégias eficazes para prevenir a miopia.
Esse trabalho, na análise categórica de dose-resposta, sugere que um período de sono mais longo pode ajudar a reduzir o risco de desenvolvimento de miopia em crianças e adolescentes. No entanto, nenhum nível de dose específico atingiu significância estatística na análise contínua de dose-resposta.
Essa discrepância pode resultar do número limitado de estudos incluídos na análise contínua, além das variações nos desenhos dos estudos, características da população e métodos de medição (por exemplo, medidas de sono autorrelatadas e outras objetivas). Portanto, mais estudos são necessários para confirmar a relação dose-resposta entre a duração do sono e o risco de miopia.
Estudos anteriores descobriram que um tempo de sono mais curto está associado a um risco aumentado de miopia (menor que 7 horas por dia). Pesquisas demonstraram que, em comparação com crianças emétropes, a secreção de melatonina em crianças míopes é atrasada em 1 h e 8 minutos.
Em adultos míopes, o atraso é ainda maior, estendendo-se para 1 h e 12 minutos. Além disso, há uma redução significativa na secreção noturna de melatonina em pacientes míopes, e essa redução é linearmente correlacionada com a gravidade da miopia. Portanto, a interrupção dos ritmos circadianos pode interferir na secreção normal de melatonina, levando ao crescimento ocular anormal e aumento da miopia.
O que podemos levar para casa?
Há uma associação linear entre atividade física, comportamento sedentário e a duração do sono e a incidência ou prevalência de miopia. O aumento das atividades físicas está associado a um risco reduzido de miopia, enquanto o sedentarismo relacionado ao aumento do tempo de trabalho de perto estão associados a um risco elevado.
No entanto, a relação entre tempo de sono e miopia permanece inconclusiva, necessitando de mais pesquisas para melhor esclarecimento.
Por outro lado, alternativas não medicamentosas para a melhora no controle de miopia são promissoras, com o objetivo de promover saúde e melhorar a qualidade de vida de nossos jovens.
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